O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não vai mudar seu posicionamento sobre pedidos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele já rejeitou o requerimento protocolado pelo presidente Jair Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes; e não demonstrou qualquer sinalização de que vai atender à mesma demanda apresentada por caminhoneiros e manifestantes nos atos de 7 de setembro. Por essa razão, alguns senadores começam a se movimentar para dar andamento a projetos que pretendem "reformar" o STF. Mas essas propostas também encontram resistência.
A rejeição de Pacheco ao pedido de impeachment de Alexandre de Moraes teve apoio da ampla maioria de senadores. E, embora muitos deles até concordem que é preciso discutir uma reforma do STF, avaliam que esse debate, no atual momento, seria "contaminado" pelos atritos de Bolsonaro com o Supremo.
O Senado é responsável por sabatinar e aprovar (ou rejeitar) indicados pelo presidente da República ao STF. Além disso, é a Casa que, proporcionalmente em relação à Câmara, tem mais parlamentares engajados em propor a reestruturação do Supremo.
Entre as pautas que poderiam reformar o STF, duas são destacadas por senadores: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 35/2015, que prevê mandato de dez anos para ministros do STF e a previsão de que eles sejam escolhidos a partir de uma lista tríplice; e a PEC 8/2021, que impõe limites a decisões monocráticas (individuais) dos ministros da Corte e a pedidos de vista de processos (o que atrasa os julgamentos).
Parte dos parlamentares entende que uma forma mais democrática de mudar o STF não seria por meio de pressões pelo impeachment de ministros (como fez Bolsonaro e os atos de 7 de setembro), mas debatendo PECs como a 35/15 e a 8/21.
Entretanto, a reestruturação do STF por meio dessas matérias divide senadores. Alguns entendem que o momento é oportuno para avançar no debate. Outros acreditam que não existe clima político para discutir justamente por causa das manifestações do Dia da Independência.
O que dizem senadores simpáticos à ideia de reformar o Supremo
Autor da PEC 35/15, o senador Lasier Martins (Podemos-RS), líder do bloco Podemos-PSDB-PSL, é um dos maiores defensores de uma reforma no STF. De forma orgulhosa, ele destaca que a proposta foi a primeira que apresentou quando assumiu o cargo e acredita que o momento é oportuno para discutir a matéria.
"Nunca foi mais oportuno do que agora, porque esse sistema está superado. A população não aguenta mais o sistema de indicação por afinidade ideológica. Hoje, o STF é um tribunal político, ideológico. Dos 10 ministros, sete foram indicados pela [ex-presidente] Dilma e pelo [ex-presidente] Lula. Portanto, defendem uma ideia socialista", afirma Martins.
O senador do Podemos tem dedicado suas falas na tribuna do Senado para defender a votação e aprovação da PEC 35, e afirma que vai pedir que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde tramita a proposta, discuta o projeto. Martins é membro suplente do colegiado. "A meta é convencer o [Davi] Alcolumbre [presidente da CCJ], que não gosta de trabalhar, a colocar em votação", diz Martins.
Mas ele avalia, que, se a PEC for aprovada na CCJ, terá mais dificuldade no plenário do Senado. Por se tratar de uma proposta de emenda à Constituição, é preciso do voto favorável de três quintos dos 81 senadores – ou seja, 49 parlamentares. "É uma matéria de restruturação de um dos poderes, então, ela tem complexidade e é polêmica porque não convém àqueles que têm rabo preso e respondem por processo no STF. Hoje, são 23 senadores", diz.
Relator da PEC 35 e vice-presidente da CCJ, o senador Antonio Anastasia (PSD-MG) defende o debate. "Não vejo por que não fazer essa discussão. É, como quase todo caso constitucional, uma escolha política dos representantes da população. O meu relatório foi apresentado já há algum tempo e está pronto para a análise da CCJ", diz ele.
Anastasia entende que a pauta é polêmica, mas ressalta que, pelo dispositivo que acrescentou em seu substitutivo, qualquer mudança aprovada só valerá a partir do próximo mandato presidencial, a partir da promulgação da PEC. "Tão logo os líderes considerem que é o momento oportuno, poderemos fazer esse debate e a votação para definir se continuamos no modelo atual ou se migramos para uma outra proposta", diz o senador de Minas.
Atos de 7 de setembro atrapalharam tramitação da reforma do STF
O Podemos e o Cidadania são dois partidos cujos membros são, em grande maioria, defensores do debate sobre uma reforma do STF. Boa parte de seus integrantes são egressos do extinto movimento "Muda, Senado" – que, em 2019, defendeu a realização da CPI da Lava Toga e o impeachment de ministros do Supremo.
Entretanto, o grupo tem hoje menos força política na Casa. Sua influência foi testada no apoio à candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS) na disputa pela presidência do Senado, no início do ano. Ela recebeu apenas 21 votos; e o eleito para comandar a Casa foi Rodrigo Pacheco.
Além de o grupo não ter força para pautar projetos, as manifestações de 7 de setembro também podem jogar contra o avanço de PECs como a 35/15 e 8/21.
Autor da PEC 8, que limita as decisões monocráticas (individuais) no STF, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) defende a reforma do Supremo. Mas não acredita na possibilidade de que essa agenda legislativa possa avançar no momento atual. “Essas manifestações [de 7 de setembro] prejudicam uma discussão mais racional, mais calma, porque dá a impressão que, ao fazer isso, estaremos apoiando Bolsonaro. E tem muitos partidos que não apoiam ele”, justifica. “É preciso levar isso em conta no meio dessas confusões de rua, não vai ser votado nada sobre isso aqui [no Senado].”
Outros senadores também avaliam que a crise entre o Planalto e o STF prejudica a discussão. "Não tem clima. Em um ambiente de tempestade, qualquer objeto que atraia raio torna o ambiente mais perigoso", diz o senador Nelsinho Trad (MS), líder do PSD no Senado. A avaliação é endossada pelo líder do PSDB, Izalci Lucas (DF). "De fato, tem muito projeto nessa linha [de reformar o STF]. Mas, agora, em função do 7 de setembro, a possibilidade de aprovar é menor. Não podemos aprovar em função do momento", diz Izalci Lucas.
O líder tucano entende que, antes da crise entre poderes, era maior a probabilidade de aprovar uma reestruturação do STF. Após os atos de rua, ele ressalta que o ambiente político ficou mais desfavorável. "Tem vários projetos tramitando nessa linha de rever os mandatos vitalícios de ministros não só no Supremo, mas, também, no Tribunal de Contas [da União, o TCU], mas acho difícil pautar neste momento. E não dá para aprovar", avalia Izalci.
O líder do PSDB entende que esse tipo de agenda deve ser discutido no início de uma legislatura com o apoio do presidente da República, não em um ano pré-eleitoral e, principalmente, após manifestações como as de 7 de setembro. "Seria como se aprovássemos uma lei direcionada em função de uma crise, uma posição de retaliação. Essas coisas têm que fazer junto com o próprio Executivo no início do mandato, quando [o presidente] assume com toda a credibilidade", justifica.
Os atos de 7 de setembro ainda estão frescos na memória dos senadores. E, mesmo com o recuo de Bolsonaro na quinta-feira (9), eles dizem não haver condições políticas para se discutir uma reestruturação do Supremo.
"Ele [Bolsonaro] reconheceu o óbvio, o que também não significa nada. Amanhã ou depois de amanhã, ele pode fazer a mesma coisa [ataques a ministros do STF]. Não há uma estabilidade de procedimento; é no improviso mesmo. De repente, de acordo com o estado emocional, ele fala uma coisa ou outra", diz Izalci. "Mas foi bom, pelo menos, o dólar não subiu e a Bolsa [de Valores] deu uma reanimada."
O senador Oriovisto Guimarães acredita ainda que qualquer reforma do Senado só tem condições políticas de tramitar e ser aprovada após a aprovação do fim do foro privilegiado, pauta que se encontra parada na Câmara. “O fim do foro transformaria a política brasileira. Em quatro anos, você limpa a política. Enquanto não tiver isso, não passa nada contra o Supremo e o Legislativo não se torna independente em relação ao Supremo.” Parlamentares federais atualmente têm direito ao foro privilegiado – ou seja, só podem ser julgados pelo STF em casos envolvendo seus mandatos.
O que diz a PEC que impõe mandato aos ministros do STF
A PEC 35 propõe que novos membros do STF terão mandato limitado a dez anos e serão escolhidos por uma lista tríplice encaminhada por uma comissão de juristas ao presidente da República. A proposta inicial do senador Lasier Martins sugeria que esse colegiado seria composto por sete membros, mas o substitutivo do senador Antonio Anastasia propõe três membros.
Se aprovado o texto na redação atual, as indicações deveriam ser feitas, pela comissão de juristas, em até 30 dias a contar do surgimento da vaga no STF. A comissão seria composta por um membro do Judiciário indicado pelo STF, um do Ministério Público indicado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e um jurista indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Cada integrante indicaria um nome para compor a lista tríplice a ser encaminhada ao presidente da República, que escolheria um deles para submeter esse nome a sabatina e votação no Senado.
A ideia de mandato fixo de ministros do Supremo segue o exemplo de Itália, Alemanha, Espanha e França, afirma Martins. O senador do Podemos defende, contudo, sua proposta original, que previa que a comissão de juristas formada pelo procurador-geral da República e os presidentes do STF, Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST), Superior Tribunal Militar (STM), TCU e da OAB. "Se coloca sete membros, tem mais diversidade de alternativas", diz.
Já Anastasia defende seu relatório. "É importante destacar que não há um modelo perfeito ou incontestável. Todos esses modelos são questionáveis e passíveis de críticas e elogios, com pontos favoráveis e contrários", diz. O senador afirma que seu parecer é técnico e mostra que, no mundo, existem dois grandes modelos de indicação de ministros para a Suprema Corte.
"Um [modelo] é o norte-americano, adotado hoje no Brasil, vitalício, no qual a indicação se dá livremente pelo presidente da República, com sabatina do Senado. Outro é o modelo europeu, no qual o chefe de Estado escolhe dentre uma lista apresentada, com um mandato limitado, que é o que propomos", explica Anastasia. "São experiências que observamos internacionalmente e que incorporamos no substitutivo que apresentamos, buscando aperfeiçoar nosso modelo."
A PEC 35 foi aprovada na CCJ em 2016 em votação simbólica, ou seja, sem a tradicional votação nominal, e foi para o plenário, onde senadores apresentaram duas emendas. Em decorrência disso, o texto retornou à CCJ, onde se encontra desde então.
O que diz a PEC que limita decisões monocráticas no STF
A PEC 8/21 foi apresentada em abril pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). A redação impõe limites a pedidos de vista e decisões monocráticas (individuais) em tribunais superiores. Se aprovada a PEC, as decisões cautelares nos tribunais não poderão ser monocráticas nos casos de declaração de inconstitucionalidade ou suspensão de eficácia de lei ou ato normativo, como decretos. Matérias em que couber liminar exigirão o voto da maioria dos ministros – ou seja, no caso do STF, precisarão ser apreciadas pelo plenário.
Oriovisto entende que há muito poder concentrado nas mãos de ministros do Supremo. O senador garante, contudo, que não se trata de um revanchismo do Senado ao Supremo, mas sim da necessidade de corrigir o sistema.
A finalidade da proposta é disciplinar as decisões monocráticas, reforça o senador paranaense. “Não ficariam proibidas [as decisões monocráticas], mas elas teriam prazos para serem submetidas a um colegiado, não podendo ficar [valendo] indefinidamente”, diz ele.
A PEC 8 também aplicaria prazos aos pedidos de vista de processos – o que interrompe e atrasa julgamentos. “[A proposta pretende impor] no máximo seis meses de vista, prazo bastante alongado”, diz Oriovisto.
A redação da PEC 8 foi apresentada anteriormente na forma da PEC 82/2019. Rejeitada em setembro de 2019, a proposta previa limites a pedidos de vista e decisões monocráticas, que não poderiam ser expedidas nos casos de declaração de inconstitucionalidade ou suspensão de eficácia de lei ou ato normativo, como decretos.
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