Por 6 votos a 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu um recurso do Ministério Público Federal e revalidou provas obtidas mediante interceptação telefônica no chamado caso Sundown, famosa investigação ocorrida no Paraná, no início dos anos 2000, sobre corrupção e crimes contra o sistema financeiro. Os grampos, realizados entre 2004 e 2006, e que haviam sido anulados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2009, foram autorizados pelo ex-juiz Sergio Moro a pedido do ex-procurador Deltan Dallagnol, no âmbito da Operação Pôr do Sol.
Eles gravaram o empresário uruguaio Rolando Rozenblum Elpern e seu pai, Isidoro Rozenblum Trosman, donos da Sundown, famosa fabricante de bicicletas na época. Em 2006, os dois foram presos e depois condenados por Moro pelos crimes de corrupção ativa, acusados de subornar dois auditores fiscais para sonegar impostos. Em 2009, após conseguirem uma prisão domiciliar concedida pelo próprio STF, fugiram para o Uruguai, de onde nunca mais voltaram.
Votaram pela revalidação do grampo os ministros Alexandre de Moraes (que abriu a divergência), Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, André Mendonça e Luiz Fux. Pela manutenção da anulação votaram Gilmar Mendes (relator), Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e Ricardo Lewandowski. Inicialmente, André Mendonça havia votado pela anulação, mas depois mudou o voto. Luís Roberto Barroso declarou-se suspeito e não participou do julgamento.
No julgamento no STF, iniciado nesta quarta-feira (16), advogados pediam a manutenção da anulação das provas no caso Sundown e também a fixação de condições mais rígidas para prorrogações das escutas em todas as demais investigações. O Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), associação de criminalistas, queria mais: a limitação das interceptações a 30 ou a 60 dias, como havia cogitado o STJ em 2009.
Durante o julgamento, foi unânime a votação a favor da possibilidade de prorrogar sucessivamente, sem um prazo limite, as interceptações telefônicas. Pela lei, elas devem ser renovadas a cada 15 dias pelo juiz do caso, a pedido do Ministério Público ou da polícia.
A lei das interceptações, editada em 1996, também diz que uma interceptação só pode ser realizada se houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; se a prova não puder ser obtida por outros meios disponíveis; e se o fato configurar crime grave.
No julgamento, os ministros passaram a discutir se caberiam exigências mais rígidas do que a lei prevê para a decisão judicial que prorroga as interceptações. Isso porque a decisão do STF tem repercussão geral e o entendimento firmado poderá ser aplicado a todas as investigações que usem interceptações e também a operações já realizadas – há risco de anulação daquelas que eventualmente não sigam os parâmetros fixados pelo STF.
A tese defendida por Gilmar Mendes e a divergência aberta por Alexandre de Moraes
Inicialmente, Gilmar Mendes propôs que as prorrogações levassem em conta o resultado das investigações antes realizadas, especialmente a partir do material colhido nos períodos anteriores nas gravações. Era uma condição mais rígida para a renovação das escutas, que, para o ministro, preferencialmente deveria demonstrar “resultados incriminatórios” no período anterior de interceptação. Caso esses elementos não estivessem presentes, o juiz deveria avaliar se ainda haveria “justa causa” para prolongar o tempo de interceptação.
Ainda na sessão de quarta, Alexandre de Moraes divergiu. Disse que a tese proposta por Gilmar Mendes acabaria com a interceptação telefônica.
“A interceptação, só em filme ou em série, é que pega no primeiro fim de semana. Intercepta, aí o criminoso atende e fala: ‘Eu realmente matei a pessoa’. Não existe isso! São meses, às vezes anos. Esse prazo não é excessivo. O que é diminuto é o prazo inicial de 30 dias”, disse. “Essas investigações levam tempo. Da mesma forma que o crime é organizado, a investigação deve ser organizada e ter paciência para se chegar a uma conclusão efetiva, como foi aqui no caso”, acrescentou depois.
Prorrogação do tempo de escuta só com "justificativa legítima"
Nesta quinta, acabou prevalecendo entre os ministros uma tese mais sucinta proposta por Moraes. Ela diz que, para haver a renovação da interceptação, deve ficar “demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação”. “A decisão judicial inicial, que autoriza a primeira escuta, bem como suas prorrogações devem ser “devidamente motivadas com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações”.
A inovação mais concreta, para além do que já exige a lei, é a proibição de “motivações padronizadas ou reproduções de modelos genéricos sem relação com o caso concreto” – trecho esse que já havia sido proposto por Gilmar Mendes e ganhou adesão de todos os ministros.
O que disseram a PGR e os advogados
Nesta quarta, no início do julgamento e antes dos votos dos ministros, a vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros, defendeu o prolongamento de interceptações, a depender da complexidade do caso. Disse que elas só são pedidas e autorizadas quando há “fortíssimos indícios” contra um suspeito relacionados a fatos contemporâneos.
“Ele já foi investigação por todos os vários meios possíveis. Não se começa pela escuta telefônica, não se faz da invasão da privacidade o ponto de largada da investigação. O serviço feito com uma finalidade à lei e à Justiça é de ser verificar a busca da verdade, de hipóteses criminais fortes. É um esforço para se confirmar suspeitas firmes já existentes”, afirmou.
Quanto ao caso Sundown, disse que foram identificados 245 fatos criminosos em 700 dias de escuta. “Estávamos diante de uma organização criminosa, de grande porte, milionária, com corrupção de servidores públicos desafiando o Estado.”
Advogado de Rolando Rozenblum Elpern, Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, disse que o grampo foi instalado no telefone fixo da família. “Imagina que estava sendo ouvida a filha, a neta, todas as pessoas da casa, por dois anos, um mês e 12 dias. Essa é a razoabilidade que se pretende?”, criticou.
Representante do IDDD, a advogada Flávia Pereira apontou uma “banalização” das interceptações no Brasil, que motivou uma CPI do Congresso. Argumentou que o prolongamento de uma interceptação equivale à supressão do direito à privacidade. “Imaginar o que é a interceptação telefônica nos nossos telefones dá a dimensão temporal do que significa prorrogar por meses e meses, tornando aquilo como uma bisbilhotagem”, disse.
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