A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar ainda neste ano um recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que pede que o ex-juiz federal Sergio Moro seja declarado parcial em relação ao petista. O resultado do julgamento pode impactar a situação eleitoral do ex-presidente, tornando-o apto a disputar eleições. Além disso, em última análise, a decisão do STF pode levar à anulação de mais casos da Lava Jato.
O recurso foi apresentado pela defesa de Lula em 2018 e começou a ser julgado pelo STF no final daquele ano, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Já em 2019, a defesa do ex-presidente acrescentou aos argumentos da suspeição de Moro parte das conversas atribuídas a ele e a membros da Lava Jato divulgadas pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de imprensa.
Os advogados de Lula pedem a anulação da sentença de Moro que condenou o petista por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP). A defesa também pede que, se Moro for considerado parcial, os efeitos da decisão sejam estendidos aos processos do sítio em Atibaia, no qual Lula foi condenado pelo juíza Gabriela Hardt, e do Instituto Lula, que ainda tramita em Curitiba.
Efeitos de uma suspeição de Moro
Caso Moro seja considerado parcial para julgar Lula, há uma série de desdobramentos possíveis para a Lava Jato. Mesmo para o petista, os reflexos de uma decisão favorável do Supremo ainda são incertos.
Em nota, os advogados de Lula, Cristiano Zanin e Valeska Zanin Martins, afirmam que o recurso busca “reconhecimento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro especificamente para que seja anulada a ação penal n.º 504612-94.2016.4.7000/PR (“ação do triplex”) – de modo que a ação retorne à sua fase inicial e seja analisada por um juiz imparcial e independente”.
No mesmo habeas corpus, os advogados também pediram que, “uma vez reconhecida a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, sejam os efeitos da decisão estendidos especificamente às ações penais propostas em face de Luiz Inácio Lula da Silva que estão ou estiveram sob a condução do Juiz Federal Sérgio Fernando Moro”. As ações a que a defesa se refere são o processo do sítio em Atibaia e do Instituto Lula.
“Os ministros quando, forem julgar, vão ter que analisar a questão do tríplex e eles poderão, diante do que foi trazido pelos advogados, estender os efeitos aos outros processos em que o Sergio Moro julgou o ex-presidente”, explica o advogado Davi Metzker, criminalista da Metzker Advocacia.
Para o advogado criminalista Rafael Guedes de Castro, é possível que uma possível suspeição de Moro impacte também na produção de provas contra o petista. “Caso o Supremo conceda o HC [habeas corpus] dizendo que o ex-juiz Sergio Moro era suspeito, o efeito é anular toda e qualquer decisão que ele tomou no processo”, explica.
Já o criminalista João Paulo Boaventura, sócio do Boaventura Turbay Advogados, entende que caberá aos ministros decidirem o alcance da decisão ao fim do julgamento. “Tem que analisar a partir de quando surgiu a suspeição, em que momento isso nasceu. Essa análise de extensão, o Supremo provavelmente deve fazer.”
Boaventura não acredita em uma anulação da obtenção de provas, mesmo que Moro seja julgado parcial pelo STF. “Tem provas que podem ser consideradas repetíveis ou irrepetíveis. Se essa prova poderia ser obtida, por exemplo, em outro procedimento, por outro juiz, são mantidas. Agora, se são provas obtidas aquele momento e só poderia ser naquele momento, essa prova é considerada nula”, explica o advogado.
O mais provável, segundo os juristas ouvidos pela Gazeta do Povo, é que os processos relacionados à Lula voltem à fase de apresentação de denúncia. Se isso ocorrer, o petista pode ser candidato às eleições de 2022, já que não seria mais ficha suja. O ex-presidente tem duas condenações em segunda instância que o impedem de ser candidato: a do tríplex e a do sítio em Atibaia.
Suspeição de Moro pode anular a Lava Jato?
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o criminalista José Roberto Batochio afirmou que uma eventual suspeição de Moro pode repercutir para os condenados nos mesmos processos de Lula. A reportagem também afirma que a decisão pode causar um efeito cascata e levar à anulação de toda a Lava Jato.
Mas a defesa de Lula negou que o julgamento tenha essa pretensão, de anular toda a operação. “O habeas corpus nº 164.493/PR que poderá ser julgado a qualquer momento pelo STF não tem por objetivo anular toda a operação Lava Jato, já que os impetrantes formularam pedidos específicos em favor do seu constituinte, o ex-presidente Lula, e a ação constitucional (habeas corpus) está relacionada a 3 ações penais específicas que envolvem o ex-presidente; vale dizer, os fundamentos do habeas corpus são individuais e específicos para o caso do ex-presidente Lula”, afirmam Cristiano Zanin e Valeska Zanin Martins.
Para os juristas ouvidos pela Gazeta do Povo é pouco provável que outros réus consigam anular suas condenações com base em uma eventual decisão do STF favorável a Lula.
“A alegação é uma parcialidade por parte do Moro com o réu Lula. Isso não vai automaticamente ser estendido aos outros réus”, explica Metzker.
“Cada réu vai ter que comprovar o preenchimento dos requisitos da suspeição em seu caso”, reforça Boaventura. “O importante nessa questão é entender que o pedido feito pela defesa do Lula é uma arguição de suspensão com base em fatos relativos a ele”, diz Castro. “Acho que cada caso tem que ser visto individualmente, não há aproveitamento automático dessa decisão”, completa.
Mesmo que a suspeição de Moro não seja automática para outros réus da Lava Jato, porém, Castro ressalta que as defesas podem tentar essa estratégia. “A indicação dessa suspeição tem o potencial de que haja a mesma declaração em outros casos, visto que o modo de atuação do ex-juiz Sergio Moro era semelhante nos processos”, diz ele.
Argumentos da defesa de Lula
A defesa de Lula cita uma série de argumentos para afirmar que Moro agiu politicamente e não foi imparcial em relação ao petista. Entre eles estão, além da condenação no caso tríplex, a condução coercitiva do ex-presidente, que ocorreu sem prévia intimação para o petista depor e a quebra de sigilo telefônico, inclusive de advogados do ex-presidente.
Os advogados também listam como argumento a divulgação dos áudios que foram fruto da interceptação telefônica, inclusive da conversa entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff que, na época, tinha foro privilegiado. A ligação telefônica entre os dois, inclusive, foi captada depois da ordem para encerrar as escutas.
Além disso, os advogados listam como argumento de que Moro não foi imparcial o episódio envolvendo o habeas corpus concedido a Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) em julho de 2018. Na ocasião, mesmo de férias, Moro despachou no processo para impedir que o ex-presidente deixasse a prisão.
Entre os argumentos listados também há elementos relacionados aos processos do sítio em Atibaia e ao Instituto Lula, como o fato de um interrogatório de Lula no processo do sítio ter sido adiado por causa das eleições, o que supostamente seria para impedir o ex-presidente, que era candidato, de aparecer publicamente.
A defesa também cita o levantamento do sigilo de parte da delação do ex-ministro Antônio Palocci por Moro, de ofício, a uma semana das eleições de 2018, no processo do Instituto Lula. Recentemente, a Segunda Turma do STF atendeu a um pedido da defesa para retirar a delação dos autos do processo. No julgamento, os ministros do STF Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski julgaram Moro parcial no episódio.
"O referido magistrado – para além de influenciar, de forma direta e relevante, o resultado da disputa eleitoral, conforme asseveram inúmeros analistas políticos, desvelando um comportamento, no mínimo, heterodoxo no julgamento dos processos criminais instaurados contra o ex-presidente Lula –, violou o sistema acusatório, bem como as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa", disse Lewandowski.
Por fim, a defesa lista ainda como argumento para a suspeição o fato de Moro ter assumido o Ministério da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, principal adversário político do PT nas últimas eleições.
Tendências para o julgamento
O habeas corpus que pede a suspeição de Moro começou a ser julgado em 2018, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Já votaram, contra o HC, os ministros Edson Fachin (relator da Lava Jato) e Cármen Lúcia. Também compõe a Turma os ministros Ricardo Lewandowski, que já deu sinais de que irá declarar a parcialidade de Moro, e Celso de Mello – cujo voto é a grande incógnita do julgamento.
O caso foi retomado na Segunda Turma do STF na última sessão antes do recesso de julho de 2019. Por causa de seu voto extenso, Gilmar Mendes sugeriu que a Turma concedesse uma liminar para libertar Lula até que o mérito do caso terminasse de ser julgado. O placar foi de 3 a 2 contra a concessão do habeas corpus.
O ministro Celso de Mello, que votou contra a liminar, esclareceu que seu voto no mérito do processo pode ser diferente, dando indicativos de que pode reverter o placar a favor de Lula quando o caso for retomado.
O caso ainda depende de liberação de Gilmar Mendes para ser pautado na Turma. Em novembro, o ministro Celso de Mello se aposenta e será substituído por um ministro indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. Se o caso for julgado antes da nomeação, porém, pode terminar empatado – o que favorece Lula.
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