Em setembro do ano passado, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo Bolsonaro no Senado, foi surpreendido por uma operação da Polícia Federal. Os agentes cumpriram um mandado de busca no gabinete dele no Senado, apreendendo documentos, telefones celulares e computadores como parte de uma investigação sobre corrupção. Policiais legislativos chegaram a isolar a área para que a PF pudesse cumprir a ordem judicial expedida pelo ministro Luis Roberto Barros, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Dez meses se passaram e a Polícia Federal voltou a bater na porta do Senado. Desta vez no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP), investigado por suposto caixa dois eleitoral. Agora, porém, os policiais foram impedidos de fazer o seu trabalho por ação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O senador falou por telefone com o delegado que presidia a diligência e alegou que o mandado era abuso de poder e uma “violação à hierarquia do Poder Judiciário”.
A mando de Alcolumbre, advogados do Senado acionaram o STF com um pedido de liminar enquanto os agentes ficaram do lado de fora esperando um posicionamento da Suprema Corte. E ele veio. O mandado de busca foi suspenso pelo presidente do STF, Dias Toffoli, que considerou muito “ampla” a ordem judicial expedida pelo juiz Marcelo Antonio Martin Vargas, da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo.
Toffoli considerou que a “extrema amplitude” da ordem de busca e apreensão contra Serra – abrangendo computadores e quaisquer outros tipos de meio magnético ou digital de armazenamento de dados – “impossibilita a delimitação de documentos e objetos que seriam diretamente ligados ao desempenho da atividade típica do mandato do Senador”. Nesse caso, a competência para tomar tal decisão seria do Supremo.
Decisão de Toffoli é equivocada, diz chefe da força-tarefa da Lava Jato
“Se a moda pega”, ironizou o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Ele fez uma série de publicações no Twitter para explicar porque a decisão é “muito equivocada”. “O mesmo argumento de Toffoli poderia ser utilizado contra buscas e apreensões em quaisquer lugares, pelo risco de prejuízo à atividade empresarial, judicial, advocatícia, ministerial etc., dignas de igual proteção, o que inviabilizaria a apuração de crimes”, escreveu.
“Com todo o respeito ao STF e seu presidente, trata-se de solução casuísta que está equivocada juridicamente e que, independentemente de sua motivação, a qual não se questiona, tem por efeito dificultar a investigação de poderosos contra quem pesam evidências de crimes”, alertou dallagnol.
O procurador da Lava Jato citou a operação contra o atual líder do governo, mencionada no início do texto, para argumentar contra a decisão de Toffoli. Em outubro de 2019, o ministro Celso de Mello, decano do STF, rejeitou um pedido de habeas corpus da mesa diretora do Senado em favor de Fernando Bezerra.
O HC pedia liminar para suspender a análise do material apreendido no gabinete da liderança do governo, com devolução integral dos documentos e objetos apreendidos. Solicitava ainda que fosse reconhecida a inconstitucionalidade da decisão e abuso de poder.
Celso de Mello negou o pedido, afirmando que a execução da medida de busca e apreensão em gabinete e imóvel funcional ocupado por parlamentar sob investigação penal tem plena legitimidade jurídico-constitucional, mesmo que o titular do mandato ocupe a função de líder do governo, e não depende de autorização prévia do Congresso.
Em sua decisão, enfatizada por Dallagnol, o decano afirmou que, ao entrar com o HC, a mesa do Senado tenta criar um “círculo de imunidade virtualmente absoluta” ou um "santuário de proteção" em torno dos gabinetes dos parlamentares e dos imóveis funcionais que ocupam.
Segundo Celso de Mello, isso é incompatível com o princípio republicano, inconciliável com os valores ético-jurídicos que orientam a atuação do Estado e conflitante com o princípio da separação de Poderes. “Ninguém está acima da autoridade das leis e da Constituição da República”, afirmou, acrescentando que o postulado republicano repele privilégios e não tolera discriminações.
Mandado contra líder do governo partiu de outro ministro do STF
A diferença entre os casos está na origem da ordem judicial. No caso de Bezerra, o mandado foi expedido pelo ministro do STF, Luis Roberto Barroso, relator do caso. Celso de Mello cita que a jurisprudência não admite habeas corpus contra decisão de ministros da Corte. Já o mandado desta terça contra José Serra partiu de um magistrado da primeira instância da Justiça Eleitoral de São Paulo.
Mas Dallagnol afirmou que o STF não tem competência sobre o caso, já que ele tramita na Justiça Eleitoral e não tem relação com o cargo de senador ocupado atualmente por Serra. O procurador lembrou que em 2018 o STF limitou a prerrogativa de foro de políticos a atos praticados durante o mandato e em razão dele.
“É pacífico que José Serra não tem foro privilegiado para os crimes específicos que a Justiça Eleitoral investiga na operação de hoje. O STF não tem competência sobre o caso”, disse o coordenador da Lava Jato em Curitiba. Dallagnol afirmou que, caso fosse feita a busca e apreensão e fosse encontrada alguma prova de crime de competência do STF, elas seriam remetidas ao Supremo pela Justiça Eleitoral.
Chamou a atenção a velocidade com que Toffoli decidiu sobre o caso, a ponto de impedir que a PF cumprisse a ordem de busca e apreensão. A ação foi ajuizada pelo Senado por volta das 9h10, quando os agentes estavam no local. Duas horas depois já havia uma decisão favorável ao pleito do Senado. No caso de Bezerra, o despacho do decano da Corte veio quase 30 dias após a deflagração da operação no gabinete dele.
O relator do caso de Serra no STF é o ministro Gilmar Mendes, mas, em função do recesso judiciário, coube ao presidente da Corte analisar o pedido do Senado.
O senador tucano é investigado pelo crime de caixa 2 eleitoral na campanha ao Senado Federal, em 2014. O parlamentar tucano teria recebido R$ 5 milhões em três parcelas. Segundo a PF, contratos foram fraudados para dissimular os repasses de dinheiro. Serra disse que as acusações são falsas e criticou a “espetacularização” da operação policial.
O senador Fernando Bezerra foi acusado de receber propina quando era ministro da Integração Nacional do governo Dilma Rousseff (PT). Segundo delação premiada de empresários, houve desvio de dinheiro público em obras na Região Nordeste, como a transposição do rio São Francisco, envolvendo o então ministro, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), filho dele, e quatro empresas, entre elas a empreiteira OAS.
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