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Por 4 votos a 1, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (22) condenar o ex-procurador Deltan Dallagnol por danos morais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na ação, o petista acusa o ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato de violar sua honra e sua imagem numa entrevista à imprensa, em 2016, na qual exibiu uma apresentação de PowerPoint colocando-o no centro de uma organização criminosa.
Lula pede uma indenização de R$ 1 milhão no processo, mas perdeu na primeira e na segunda instâncias da Justiça, em São Paulo. Nesta terça, o STJ julgou o recurso. Votaram pela condenação do ex-procurador os ministros Luís Felipe Salomão, Raul Araújo, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. A ministra Maria Isabel Gallotti votou pela rejeição da ação, por entender que ela deveria ter como alvo a União, uma vez que Deltan Dallagnol atuou como servidor federal no caso. Eles fixaram o valor da indenização em R$ 75 mil, que ainda será corrigido pela inflação.
Na entrevista de 2016, Deltan usou uma apresentação de PowerPoint para explicar aos jornalistas o teor da primeira denúncia contra o petista na operação, por corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do triplex de Guarujá (SP). No principal slide, o nome de Lula aparecia no centro, rodeado de expressões como “petrolão + propinocracia”, “governabilidade corrompida”, “perpetuação criminosa no poder”, “mensalão”, “enriquecimento ilícito”, entre outras. Todos esses termos tinham setas apontadas para o nome do petista.
Na ação, a defesa de Lula alegou que na denúncia do triplex, ele sequer era acusado de organização criminosa, objeto de outra investigação que, na época, tramitava no STF – em 2019, a Justiça Federal de Brasília, para onde depois o caso foi enviado, absolveu Lula e outros ex-dirigentes do PT pelo crime. A condenação no triplex, por sua vez, foi anulada pelo próprio STF, por incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba e suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
Deltan Dallagnol extrapolou suas funções, diz ministro relator
Na sessão desta terça, o ministro Luís Felipe Salomão, relator do caso, disse que a atuação de Deltan Dallagnol na entrevista extrapolou suas funções de procurador.
“O ora recorrido [Dallagnol] utilizou-se de expressões e qualificações desabonadoras da honra, da imagem e, a meu ver, também não técnicas como aquelas apresentadas naquela denúncia. A precisão, certeza, densidade e coerência que se exige da denúncia impõe-se igualmente ao ato de divulgar a denúncia”, disse o ministro.
Ele destacou expressões usadas por Dallagnol, como “comandante máximo do esquema de corrupção” e “maestro da organização criminosa”. Para ele, elas “se afastavam da nomenclatura típica do direito penal e processual penal”.
Citou ainda declarações da época do ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, falecido em 2017, que, durante um julgamento no STF, chamou a entrevista de “espetáculo midiático”.
A mesma expressão foi usada nesta terça pelo ministro Raul Araújo, o segundo a votar contra Deltan no STJ. “O erro originalmente de tudo isso deveu-se àquele típico de juízo de exceção que deixou-se que funcionasse em Curitiba, para processar e julgar todas as ocorrências ligadas à Operação Lava Jato. Criou-se ali um juízo universal. Sempre fui um crítico desse funcionamento anômalo, da forma como essas ações penais foram tratadas. Teve-se um campo muito amplo para a empolgada atuação de agentes públicos naquelas ações penais a que estavam exclusivamente dedicados”, disse.
Os ministros Marco Buzzi e Antônio Carlos Ferreira não debateram o caso a fundo, limitando-se, na sessão, a acompanhar Luís Felipe Salomão.
Em defesa de Lula, o advogado Cristiano Zanin disse na sessão que a entrevista repercutiu na imprensa nacional e estrangeira. “É legítimo convocar coletiva, apresentando denúncia, fazer afirmações peremptórias, dando ao público ideia de condenação? Não existia na época sequer processo. Aliás, o PowerPoint trata de organização criminosa, que sequer era discutido naquela oportunidade.”
O advogado da União Márcio Pereira de Andrade, que atuou em defesa de Dallagnol, disse que a entrevista foi dada “dentro do exercício regular” . “Foi concedida como tantas outras no contexto da Operação Lava Jato. Todas com o mesmo objetivo: informar a população e prestar contas das ações que estavam sendo adotadas pelo MP em cada fase da atuação criminal.”
"Lula sai impune e nós pagamos o preço da corrupção”, diz ex-procurador
O ex-procurador Deltan Dallagnol protestou, por meio do Twitter, contra a decisão do STJ. “Brasileiros, entendam: isso é o que acontece quando se luta contra a corrupção e a injustiça no Brasil. Essa é a reação do sistema, nua e crua. Lula sai impune e nós pagamos o preço da corrupção”, postou o ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato.
“Quem ainda neste país terá coragem de fazer seu trabalho de investigar e punir criminosos poderosos e informar à sociedade, depois dessa decisão do STJ de me condenar por ter apresentado o conteúdo da acusação à sociedade? Quem vai querer sofrer esse tipo de represália?”, escreveu Dallagnol.
“A Lava Jato acabou. O combate à corrupção está virando cinzas. Corruptos que tiveram seus casos anulados pelo STF querem voltar às urnas. Procuradores são punidos por fazerem seu trabalho. O próximo passo será cobrar de volta de você, brasileiro(a), os bilhões que eles roubaram”, postou, em seguida.
Condenação de Deltan é “vitória do Estado de Direito”, diz defesa de Lula
Em nota, os advogados do ex-presidente Lula afirmaram que a condenação de Deltan Dallagnol por danos morais “é uma vitória do Estado de Direito e um incentivo para que todo e qualquer cidadão combata o abuso de poder e o uso indevido das leis para atingir fins ilegítimos (lawfare)”.
“Naquela oportunidade [na apresentação do PowerPoint] Lula recebeu de Dallagnol o tratamento de culpado quando não havia sequer um processo formalmente aberto contra o ex-presidente — violando as mais básicas garantias fundamentais e mostrando que Dallagnol, assim como Sergio Moro, sempre tratou Lula como inimigo e abusou dos poderes do Estado para atacar o ex-presidente”, dizem os advogados Cristiano Zanin e Valeska Teixeira.
Na nota, eles lembram ainda que Lula foi absolvido pelo crime de organização criminosa pela Justiça Federal de Brasília, em 2019.
“Lula não praticou qualquer ato ilegal antes, durante ou após o exercício do cargo de Presidente da República e tem o status de inocente, conforme se verifica de 24 julgamentos favoráveis ao ex-presidente, realizado nas mais diversas instâncias. A indenização reconhecida em favor de Lula é apenas um símbolo da reparação histórica que é devida”, escreveram.