Em tempos de pandemia de coronavírus, de provável retração na economia e da necessidade de controle dos gastos governamentais, a Câmara dos Deputados pode voltar a discutir ainda em 2020 um projeto de lei que coíbe os "supersalários" do funcionalismo público. A deixa foi dada pelo presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em entrevista coletiva no último dia 7.
Maia cobrou do governo de Jair Bolsonaro a mobilização para a aprovação de reformas estruturantes e disse que a proposta que ataca os "supersalários" precisa de "diálogo com todos os setores" para avançar. "Quem quer ser servidor tem de ganhar até o teto, quem quer ganhar acima vai para o setor privado. Tem que encontrar uma solução, a solução não é tirar de pauta e esquecer o assunto”, disse.
A proposta citada por Maia está parada na Câmara desde 2018. O projeto determina que pagamentos como auxílios-moradia, gratificações, abonos, prêmios e outros devem ser submetidos ao teto salarial, que é, como previsto na Constituição, a remuneração mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Atualmente, os chamados "penduricalhos" são pagos sem o controle do teto, o que permite distorções como remunerações que superam R$ 100 mil mensais e a entrega de auxílio-moradia mensal a juízes que tenham domicílio fixo na cidade em que trabalham.
O relator do projeto na Câmara é o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR). Em entrevista ao site O Antagonista, o parlamentar disse ter a expectativa de que a votação do projeto ocorra em agosto, mas isso é incerto. Uma coisa é querer votar, outra é conseguir colocar em votação, uma tarefa que exige um consenso entre os líderes partidários.
Luta contra supersalários é antiga e com adversários discretos
O Congresso tenta resolver a questão dos "supersalários" desde, no mínimo, 2016. Naquele ano o Senado instalou uma comissão especial sobre o tema. A "CTeto", como o grupo foi batizado, produziu três projetos sobre o assunto, entre eles o que deu origem ao que tramita atualmente na Câmara. A proposta foi aprovada em 2016 em uma votação por aclamação — aquelas em que existe consenso entre os parlamentares, a ponto de o presidente da sessão não pedir a contagem nominal dos votos.
Entre os deputados federais, é raro encontrar algum que se oponha publicamente à iniciativa. Parlamentares de diferentes correntes políticas que conversaram com a Gazeta do Povo mostraram apoio à proposta, como o líder do PT, Enio Verri (PR), e o presidente da "bancada da bala", o bolsonarista Capitão Augusto (SP).
"O PT é favorável à proposição. É um debate que está acima das questões ideológicas, acima do direita versus esquerda. Quem defende Estado mínimo é contra os supersalários. E nós, que defendemos um Estado ampliado, também achamos esses salários inadequados. Existem limites previstos na Constituição, e eles devem ser respeitados", declarou o petista. Já Augusto avalia que "tem que se cortar tudo o que for extra" e que a preocupação da Câmara deve ser a de "não retirar direitos, mas sim cortar esses subterfúgios utilizados para engordar salários".
Com a aprovação unânime no Senado e apoio declarado entre forças de direita e esquerda, o que impede o projeto de avançar e se tornar lei? A ação de categorias beneficiadas pelas remunerações extras influencia as decisões de parlamentares. Em abril, Rodrigo Maia sinalizou que colocaria em votação um requerimento de urgência para a iniciativa, o que não se concretizou.
Na ocasião, os deputados foram pressionados por entidades de membros do Ministério Público e do Judiciário. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) enviou uma carta a todos os deputados contestando o projeto de lei, alegando que a iniciativa tinha erros formais e que, sem as remunerações adicionais, os juízes trabalhariam sem remuneração adequada.
Na entrevista recente a O Antagonista, o deputado Rubens Bueno cobrou empenho do Planalto para a aprovação da proposta: "é bom que se diga que o Executivo, principalmente o presidente Jair Bolsonaro, eleito com um discurso de moralização que acabou não se confirmando, até hoje não moveu uma palha para apoiar esse projeto que combate os supersalários no serviço público. Ao contrário, indicou ministros e aliados para diversos conselhos de estatais, o que faz com que eles ultrapassem o teto por meio da burla dos jetons".
A Gazeta do Povo procurou o líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO), mas não recebeu retorno até a conclusão desta reportagem.
Deputados demonstram confiança em votação
Apesar de o foco do Legislativo ainda estar no combate à Covid-19 e aos efeitos econômicos da pandemia, deputados acreditam na possibilidade de votação da proposta neste segundo semestre. "Quando se esgotarem os temas mais urgentes ligados à Covid-19, vamos ter que entrar em outros assuntos. E esse pode ser um deles. Com o adiamento das eleições, teremos os meses de agosto, setembro e outubro para trabalhar, então podemos avançar nisso", afirmou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).
Líder do Podemos, Léo Moraes (RO) avalia que a mobilização pela iniciativa tem se fortalecido: "diferentes líderes têm cobrado a votação dessa matéria. O desejo de votação não é um caso isolado. Identifico que é um movimento que está ganhando força na Câmara". O petista Verri é uma exceção: "não acredito que isso seja colocado em 2020".
Moraes e Delgado acreditam que a tendência atual na Câmara em relação à proposição é de aprovação. "O projeto do Rubens Bueno está bem calibrado para que possamos votar", disse o deputado do PSB.
Os parlamentares declararam também que as pressões das corporações afetadas pela medida ainda não se acentuaram. "Até o momento não fomos procurados pelas entidades. Talvez a pressão cresça, mas até o momento não está ocorrendo", acrescentou Moraes.
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