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O Supremo Tribunal Federal (STF) não discutiu, ao menos em tese, a conduta jurídica do ex-juiz Sergio Moro ou a inocência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante o julgamento desta quinta-feira (22). Mas o resultado da sessão que confirmou a suspeição de Moro acabou por fortalecer politicamente o petista e trouxe um prejuízo à Lava Jato, que passa a viver sob a sombra de uma possível reação em cadeia a partir do que foi sinalizado pela Corte nesta quinta.
O tribunal confirmou a retirada de Curitiba das ações que envolvem o petista na Lava Jato, e o envio para a Justiça Federal do Distrito Federal. No julgamento, os ministros ainda formaram maioria para ratificar a medida tomada pela Segunda Turma da Corte no dia 24 de março, que identificou Moro como suspeito no processo do tríplex contra Lula. O julgamento foi interrompido com o placar de 7 a 2. Faltam votar o presidente do STF, Luiz Fux, e o ministro Marco Aurélio, que pediu vista, mas não há mais como alterar o desfecho do julgamento.
Lula saiu beneficiado porque a confirmação da transferência das ações faz com que as condenações que ele recebeu estejam definitivamente anuladas e ele se torne, em definitivo, elegível, apto a se candidatar em 2022. Os processos contra Lula não estão extintos, mas terão que transcorrer desde o início em Brasília. O Judiciário não poderá aproveitar provas e outros elementos elaborados quando a ação correu na 13ª Vara de Curitiba, que até 2018 era administrada por Moro. É possível, no entanto, que o novo juiz que receba o caso acolha elementos da denúncia que foi produzida contra Lula pelos membros do Ministério Público Federal do Paraná.
A Vara que receberá os casos de Lula será definida por sorteio e é pouco provável que os processos sejam apreciados a tempo de seu resultado interferir na corrida eleitoral do ano que vem. "Independentemente da vara que seja sorteada, é impossível precisar quanto tempo será necessário para a resolução dos processos", explicou o advogado criminalista Leandro Pachani, sócio do escritório Marcílio e Zardi Advogados. Para que Lula seja impedido de concorrer, precisa ser condenado por um órgão judicial colegiado a partir da segunda instância, situação que o enquadraria na Lei da Ficha Limpa.
Pachani ressaltou que é ainda possível que sejam apresentados embargos de declaração contra o envio dos processos para o Distrito Federal, mas "dificilmente haverá uma reviravolta neste ponto".
Em relação à Lava Jato, o maior ponto de alerta à operação vem do fato de que a manifestação desta quinta do plenário pode estimular outros condenados a repetirem a estratégia da defesa do ex-presidente Lula. "Se eles [ministros] identificaram a parcialidade em um caso, isso pode ser também alegado pela defesa de outros réus. E aí a Corte terá que manter a sua coerência", afirmou o promotor Affonso Ghizzo Neto, membro do Ministério Público e idealizador da campanha "O que você tem a ver com a corrupção?".
Ghizzo ressaltou também que os elementos citados pela defesa de Lula para requisitar a suspeição de Moro foram "os mesmos" levados pelos advogados às outras esferas que julgaram o petista, a 13ª Vara de Curitiba e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). "Foram pedidos analisados pelo juiz, pelo TRF, pelo STJ [Superior Tribunal de Justiça], pelo STF… mas só agora acabaram recebendo o voto do Supremo", constatou.
Durante o julgamento do dia 24 de março, quando a Segunda Turma do Supremo decretou a parcialidade de Moro, a questão das supostas mensagens de celular atribuídas ao ex-juiz e a integrantes da força-tarefa da Lava Jato esteve entre os temas mais comentados pelos magistrados. Ministros que votaram pela suspeição de Moro disseram que não se pautaram pelas mensagens, mas alegaram que o conteúdo das conversas era desabonador ao ex-juiz.
O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, comparou a atuação de Moro e da força-tarefa à de grupos policiais de regimes totalitários, como os da Alemanha nazista e da União Soviética. Já o ministro Kássio Nunes Marques, que votou contra a tese de suspeição do ex-juiz, alegou que a utilização das mensagens no julgamento seria um aceno positivo aos hackers, algo que o tribunal não deveria fazer.
Suspeição de Moro no STF enfraquece combate à corrupção
Ghizzo qualifica o julgamento desta quinta como um episódio que, em sua avaliação, integra uma série de fatos recentes que demonstram iniciativas para enfraquecer o combate à corrupção — e que não se resumem ao poder Judiciário.
"Existe essa tendência hoje, que na minha opinião é uma tendência negativa. No Supremo, com muitas votações contrárias à Lava Jato. No Congresso, com a discussão de leis e matérias que querem enfraquecer o combate à corrupção, como a alteração do Código de Processo Penal, ou para limitar a capacidade de investigação do Ministério Público", disse.
O procurador citou também como exemplo a prisão dos condenados em segunda instância. A revisão do entendimento do STF sobre o tema, no fim de 2019, foi o que possibilitou ao ex-presidente Lula deixar a cadeia, depois de mais de um ano preso. Desde então, o tema motivou uma série de projetos e discussões no Congresso Nacional, mas sem conclusão.