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Além de ter admitido que não tem provas de fraude nas urnas eletrônicas e na contagem de votos em eleições passadas, o presidente Jair Bolsonaro apresentou nesta quinta-feira (30), em sua live semanal, uma série de suspeitas que já foram desmontadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e também por especialistas que analisaram falsas teorias disseminadas na internet.
Ainda durante a transmissão, o TSE divulgou uma lista de esclarecimentos, com textos que rebatem boa parte das declarações do presidente, várias delas baseadas em denúncias antigas e que circulam em redes sociais e grupos de WhatsApp ao menos desde a eleição de 2018.
Bolsonaro disse que os vídeos exibidos por ele e um auxiliar – o coronel da reserva Eduardo Gomes, atualmente assessor da Casa Civil – , são “indícios”, mas alguns materiais já foram periciados e atestados como falsos.
A Gazeta do Povo compilou as principais declarações do presidente e buscou as respostas dadas a elas pelo TSE e por especialistas. Veja:
Supostas falhas nos dígitos das urnas
No início da live, Bolsonaro disse que, em 2018, nomes de candidatos não apareciam na tela, que eleitores digitavam o seu número, 17, “e aparecia nulo ou automaticamente o 13 [número de Fernando Haddad, do PT]”. Por incrível que pareça, as reclamações só tinham uma mão [...] Quem queria votar no dia 13, não aparecia 17 nem nulo”, disse.
No próprio dia do primeiro turno em 2018, circularam vídeos na internet de eleitores denunciando esses problemas. Naquela mesma semana, o TSE mostrou que eram enganosos. Num deles, a pessoa tentava votar para presidente quando era pedido o voto para governador. Como ela digitou um número existente, a urna apontava voto nulo.
Outro vídeo sugeria que, ao apertar o número 1, a urna autocompletava o voto para 13. Uma perícia mostrou que o vídeo ocultava a tecla 3 e que era possível ouvir o ruído de um segundo clique.
Mais à frente, na live, foram exibidos ainda três vídeos da eleição de 2018, de locais de votação não informados, em que eleitores reclamavam que não conseguiam votar para presidente nem no número 17 – diziam que aparecia voto nulo.
O TSE afirma que sempre quando são detectados defeitos reais no funcionamento das urnas eletrônicas, elas são substituídas, guardando os votos já computados. Caso a urna de contingência também apresente problemas, a votação é feita de forma manual, em cédulas.
Programação maliciosa no software da urna
O coronel Eduardo Gomes exibiu também um vídeo que “simula problemas que podem acontecer” nas urnas eletrônicas. Nele, um jovem apresenta um programa de votação que ele mesmo criou no qual votos para candidatos fictícios são desviados ou anulados de diversas maneiras.
“Isso aconteceu largamente por ocasião das eleições de 2018. Tem vários vídeos demonstrando isso daí. Exatamente o que está aí”, disse Bolsonaro, sem mostrar qualquer vídeo de urnas reais. "Não temos provas, vou deixar bem claro. Mas indícios que eleições para senadores e deputados pode ocorrer a mesma coisa. Por que não?”, completou depois.
Nunca houve comprovação de qualquer programação maliciosa no software elaborado pelo TSE que roda nas máquinas. Todos os anos antes da eleição, o tribunal disponibiliza o código-fonte por seis meses para inspeção por técnicos da Polícia Federal, partidos e universidades.
Nos cinco Testes Públicos de Segurança realizados até hoje, nos quais especialistas são convidados pela Corte a invadir os sistemas internos, também nunca foi encontrada nenhuma falha desse tipo.
“O menino que gravou o vídeo, onde ele mesmo faz o simulador de urna e ele mesmo invade, não prova nada. Porque ele criou e ele invadiu. Não tem nada a ver com a urna de verdade”, diz Mario Gazziro, doutor em Física Computacional pela USP e professor da UFABC.
“O vídeo se vale de uma análise simplória e mentirosa para tentar desqualificar o sistema eletrônico brasileiro de votação”, afirmou o TSE em 2018, quando o vídeo veio à tona. Na nota, o tribunal lembrou que, no dia das eleições, são sorteadas cerca de 100 urnas por todo o país, que são retiradas de suas respectivas seções e submetidas a verificações públicas de integridade, dentro dos Tribunais Regionais Eleitorais, com acompanhamento de autoridades.
Dúvidas na apuração
Eduardo Gomes também exibiu imagens de emissoras de TV durante a apuração dos votos do primeiro turno da eleição de 2018, para sugerir que Bolsonaro deveria ter vencido nesta fase. Partiu da premissa de que, quando a divulgação dos resultados começou, às 19h, ele já contava com 49% dos votos, com 53% das urnas apuradas.
Nesse momento, a apuração na região Nordeste estava mais avançada (43% das urnas apuradas) e no Sudeste, mais atrasada (11% das urnas apuradas). “Eu estava em casa nesse momento e tinha a nítida impressão que o candidato Jair Bolsonaro iria ganhar, já no primeiro turno”, afirmou o coronel.
“Quando entram as urnas do Sudeste, em grande volume, e praticamente tinha acabado a apuração no Nordeste, aconteceu o inverso, em vez de eu subir, eu caio. Parece que alguma coisa aconteceu. Mais um indício fortíssimo”, disse o presidente na live.
Na época, questionado sobre o motivo da apuração no Sudeste demorar, o TSE afirmou que houve problemas na transmissão dos votos de São Paulo. E esclareceu que também havia uma defasagem dos dados que eram exibidos pelas emissoras de TV.
O raciocínio de que, com a contagem dos votos do Sudeste, Bolsonaro seria eleito no primeiro turno, não leva em consideração a quantidade de votos nominais que seus adversários receberam na região. Ainda que em menor proporção, eles seriam maiores que em outras regiões, uma vez que o Sudeste concentra estados com colégios eleitorais mais densos.
Reclamações de eleitores em Caxias (MA)
Na live, também foram exibidas reportagens sobre problemas relatados por eleitores de Caxias, município do interior do Maranhão, que não conseguiam votar para seus candidatos a vereador nas eleições de 2008 e 2012. Alguns candidatos disseram que não tiveram votos computados, apesar de terem recebido votos da família. A suspeita, novamente, é de que o programa estaria fraudado.
Em nota publicada na última quarta-feira (28), para rebater vídeos sobre o caso que voltaram a circular, o TSE informou que, a pedido da Justiça Eleitoral, a PF periciou as urnas eletrônicas daquela eleição. Ao todo, foram verificados dez equipamentos que supostamente teriam sido violados.
“O laudo técnico produzido pela corporação concluiu que não foram identificados sinais de violação física dos lacres que envolvem os aparelhos. No documento, a PF descartou as hipóteses de instalação de softwares fraudulentos e de adulteração dos programas autenticados pelo TSE. Também não foram encontrados arquivos contaminados por vírus nas urnas eletrônicas examinadas pela instituição”, afirmou o TSE na nota.
Suposto atraso na divulgação dos boletins de urna
Durante a live, Jair Bolsonaro ainda levantou suspeição sobre um suposto atraso na divulgação, no site do TSE, dos resultados apresentados por cada boletim de urna – registro impresso de todos os votos que cada candidato recebeu em determinada seção eleitoral.
Ele insinuou que, se a divulgação demorar “dias”, haveria tempo de excluir da totalização aquelas contagens impressas que não correspondessem aos resultados divulgados.
“Alguém sabe quando é o que o TSE disponibiliza as votações pormenorizadas de cada seção eleitoral? Dias depois. Talvez aí são aquelas urnas para fazer a conta de chegada lá na frente. Se o TSE disponibilizasse em tempo real, não apenas o retrato de quem está ganhando eleições, mas pormenorizado o que aconteceu em cada seção eleitoral... Isso é possível ser feito? Ajudaria a combater a fraude, mas o TSE deixa para apresentar isso muito mais tarde. Onde alguns acham, uma suspeição apenas, que essas urnas extras seriam para acertar, fazer a conta de chegada, se acertar com 15 dias depois. Deixo bem claro, suspeitas que poderiam se acabar com a impressão do voto e contagem pública”, disse o presidente.
A publicação de todos os boletins de urna na internet ocorre sempre no dia seguinte à eleição, “tão logo a totalização seja concluída em todos os estados brasileiros”, conforme determina uma resolução do TSE. O resultado de cada boletim também pode ser conferido imediatamente após sua impressão por meio de um aplicativo de celular oficial chamado Boletim na Mão.
‘Padrão’ nos números da eleição de 2014
Em menos de dois minutos, durante a live, Jair Bolsonaro disse que haveria um “padrão” na apuração minuto a minuto no segundo turno da eleição de 2014, sugerindo um indício de fraude na totalização dos votos.
“Aécio começou lá em cima, a Dilma lá em baixo. E elas [curvas] foram se aproximando. Quando se cruzaram, estabeleceu-se padrão dali para a frente. E não tem padrão em eleições”, disse o presidente.
“Isso é a mesma coisa de, em 4 horas de apuração, 240 minutos, 240 vezes jogar moeda para cima, ora dar cara, ora dar coroa. Isso equivale aproximadamente você ganhar, de forma consecutiva, seis vezes na Mega Sena. Pode acontecer, pode. Mas a probabilidade se aproxima de zero. É quase um sobre o infinito”, completou depois.
As tabelas expostas por Bolsonaro são as mesmas apresentadas num vídeo que circula desde 2018 na internet protagonizado por Naomi Yamaguchi, ativista política e irmã da médica Nise Yamaguchi. Na gravação, Naomi entrevista um homem, não identificado e que não aparece, que diz haver um padrão no incremento dos votos recebidos por Dilma e Aécio na totalização dos votos disponibilizada pelo TSE.
Dados oficiais, já divulgados pelo TSE, mostram que Dilma ultrapassou Aécio na liderança apenas uma vez. A variação de seus ganhos, minuto a minuto, não segue um padrão, conforme análise feita por diversos analistas que destrincharam os números.
O físico Leandro Tessler, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp, destrinchou partes da tabela apresentada no vídeo, refez os cálculos, apontou operações erradas e ainda demonstrou a impossibilidade de que qualquer indício de fraude nos dados.
“A suposta mudança do líder a cada minuto não significa absolutamente nada e certamente não pode ser considerada evidência de fraude num país sério. A suspeita de fraude mencionada pelo presidente não passa de mais um delírio”, escreveu Tessler, em artigo sobre o assunto publicado em seu blog Cultura Científica.
Uma auditoria do próprio PSDB, feita durante meses por técnicos contratados pelo partido, constatou que não houve qualquer manipulação na totalização dos resultados naquele ano.
“A análise estatística da transmissão e da totalização dos resultados no 2º turno de 2014, não encontrou sinais de erros ou eventuais fraudes sistemáticas que pudessem inverter o resultado”, diz o documento.
Evolução dos votos em São Paulo
A última suspeita levantada por Bolsonaro na live referia-se à eleição para a Prefeitura de São Paulo no ano passado. O presidente mostrou, em telas de apuração exibidas na TV, que no início da apuração os candidatos apresentavam números quase idênticos aos finais.
“A ordem dos candidatos permaneceu exatamente a mesma. Bem, isso pode acontecer? Pode. Mas uma coisa extraordinária aconteceu também, não só a ordem permaneceu, bem como o percentual. Isso não é um indício fortíssimo que algo esquisito aconteceu?”, disse.
Em um momento anterior da live, quando o assunto eram as suspeitas de irregularidades em Caxias (MA), Bolsonaro também comentou a eleição de 2020 em São Paulo: “Uma curiosidade: eu investi meu capital em duas candidatas em São Paulo capital. Apenas uma chegou, com a votação pífia. A outra ficou longe. Realmente eu não entendi”, disse.
Ainda no ano passado, o TSE respondeu a vídeos que levantavam suspeitas de manipulação divulgando os resultados brutos de toda a votação.
“O TSE ressalta que, ao final da votação, cada urna eletrônica emitiu um Boletim de Urna (BU), em cinco vias, que contém a quantidade de votos registrados para cada candidato ou partido político. Qualquer pessoa pode solicitar acesso ao documento para conferência dos dados”, afirmou, em nota.