Investigações do TCU estão relacionadas a contratações diretas entre governos do estado, prefeituras e fornecedoras de equipamentos médico/hospitalares para combate à pandemia do coronavírus.| Foto: Ricardo Wolffenbuttel/Governo de SC
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Duas empresas citadas no inquérito que apura desvios de recursos para o combate à Covid-19 em Roraima são alvo de investigações pelo Tribunal de Contas da União (TCU), suspeitas de participarem de processos de compras com “elevado risco de superfaturamento e falta de transparência”. As duas empresas, segundo a PF, são ligadas ao senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado pela Polícia Federal (PF) com R$ 33,1 mil na cueca.

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Tramitam no TCU 35 representações que apuram contratações com “riscos elevados de superfaturamento, falta de transparência, riscos de fornecimento em qualidade e quantidade deficientes, entre outras possibilidades lesivas ao erário”. A apuração do tribunal está relacionada a contratações diretas entre governos do estado, prefeituras e fornecedoras de equipamentos médico/hospitalares com recursos destinados especificamente para combater a pandemia do coronavírus. O TCU estima que as transações com “risco elevado de superfaturamento” podem chegar a R$ 281 milhões.

Na lista de contratos considerados de alto risco, 21 deles estão concentrados em cinco estados: Roraima, Maranhão, São Paulo, Paraíba e Amazonas. Apenas no estado de Chico Rodrigues, foram citados seis acordos com elevado nível de irregularidades, conforme relatório ao qual Gazeta do Povo teve acesso. Destes seis contratos, três dizem respeito à acordos com prefeituras e outros três com o governo do estado. Os seis acordos com “risco elevado de superfaturamento” somam R$ 91,6 milhões.

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Entre estes contratos tidos como supostamente irregulares está um firmado entre o governo do estado de Roraima e as empresas Quantum Empreendimentos Ltda e Haiplan Construções Comércio e Serviços Ltda com a Secretaria de Saúde de Roraima, no valor de R$ 5,5 milhões, para aquisição de equipamentos de proteção individual, os chamados EPIs. A representação foi impetrada em setembro último e está em fase inicial de tramitação.

Também foram citados pelo TCU acordos como credenciamentos emergenciais do Hospital da Mulher e do Hospital LottyIris pela Secretaria de Estado da Saúde de Roraima (Sesau/RR), este no valor de R$ 22 milhões, e serviços de sanitização (desinfecção) de ruas, avenidas, praças, escolas, unidades de saúde e prédios públicos de prefeituras.

“As representações autuadas estão em análise, em diferentes momentos processuais, sempre com a garantia da ampla defesa e do contraditório aos envolvidos”, disse a ministra Ana Arraes, sobre os processos de investigação em curso. “O processo de acompanhamento estender-se-á até março de 2021 e prosseguirá com a metodologia até então utilizada, por ter se desenvolvido com a tempestividade e a consistência que a matéria exige”, complementou a ministra.

Irregularidades podem chegar a R$ 900 milhões; empresa investigada alega calote do governo de Roraima

O TCU acredita que existam, em todo o país, mais de 150 aquisições que apresentaram algum indício de irregularidade na aplicação dos recursos para combater a Covid-19. Essas contratações com algum tipo de falha ou ilegalidade somam, segundo o TCU, R$ 900 milhões.

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A Gazeta do Povo não conseguiu contato com o governo de Roraima, nem com a Quantum Empreendimentos para comentar as investigações do TCU. Já a Haiplan afirmou que “não tem ciência da possível investigação conduzida pelo TCU”. Porém, defendeu-se afirmando que “as máscaras e os demais EPIs foram vendidos com o valor de mercado à época, em decorrência do início da pandemia, ocasião em que os EPI's estavam em falta não apenas no Brasil, mas em todo o mundo”.

“Frisamos que a contratação foi feita de forma regular, todos os materiais foram entregues na sua totalidade e obedecendo as especificações técnicas exigidas pela Secretaria de Saúde de Roraima. Apesar da entrega dos EPIs, jamais foi repassado qualquer valor à empresa, o que ocasionou prejuízos devido ao não pagamento por parte da Secretaria de Saúde”.

A Quantum e a Haiplan foram citadas no inquérito da Polícia Federal que apura indícios de irregularidades na aplicação de recursos da Covid-19 pelo governo de Roraima. Durante as investigações da PF, os policiais descobriram que o governo estadual teria firmado um contrato com a empresa Quantum Empreendimentos em Saúde no valor de R$ 3,2 milhões para aquisição de kits de detecção da Covid-19. Na análise dos policiais, cada kit foi adquirido ao valor de R$ 161, gerando um sobrepreço no valor de R$ 956 mil, com base em preços médios praticados no mesmo período no Amazonas, Paraíba e Mato Grosso.

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PF afirma que Chico Rodrigues atuou em favor de empresa investigada

Pelas investigações, há a suspeita de que a Quantum Empreendimentos em Saúde tenha como representante Jean Frank Padilha Lobato. Lobato é investigado pela PF por suspeitas de ser um eventual operador do senador Chico Rodrigues em outro inquérito, que apura suspeitas de desvios no Distrito Sanitário Especial Indígena Leste (DSEI-Leste).

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Uma outra suposta vinculação do senador Chico Rodrigues com a Quantum diz respeito a um ofício encaminhado pelo parlamentar ao Ministério da Defesa, em abril desse ano, solicitando uma aeronave para transportar equipamentos médicos da companhia para a Roraima, o que, segundo a PF, gerou prejuízos aos cofres públicos. “O ônus e os custos correspondentes do transporte incumbem, por regra, à empresa contratada pelo Poder Público”, descreveram os policiais no relatório de investigação contra Chico Rodrigues.

Durante as investigações da Polícia Federal, os policiais também afirmaram que Chico Rodrigues teria atuado em favor da outra empresa que é alvo do Tribunal de Contas da União, a Haiplan Construções, Comércio e Serviços Ltda. De acordo com a análise dos policiais, Chico Rodrigues teria questionado o ex-coordenador e diretor da Coordenação Geral de Urgência e Emergência na Secretaria de Saúde de Roraima, Francisvaldo Paixão, sobre pagamentos realizados em favor da Haiplan.

Francisvaldo relevou a investigadores que teria sido pressionado por integrantes do governo de Roraima a direcionar processos licitatórios a empresas envolvidas no esquema. De acordo com o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, “a empresária Gilce Pinto, cônjuge do proprietário da referida empresa, Júlio Ferreira Rodrigues, apresenta relação de proximidade com o Congressista. O sobrinho do Senador - Leo Rodrigues – possui também vínculo com a empresa a Haiplan Construções”.

Senador Chico Rodrigues alega inocência em investigação

Durante a investigação, o senador, agora afastado por 121 dias, ressaltou que era inocente. "Vou cuidar da minha defesa, e provar minha inocência. Volto a dizer, ao longo dos meus 30 anos de vida pública, tenho dedicado minha vida ao povo de Roraima e do Brasil, e seguirei firme rumo ao desenvolvimento da minha nação”, descreveu Rodrigues.

Sobre as supostas ligações entre o senador e a Haiplan, a empresa afirmou que “não possui nenhuma relação com o Senador Chico Rodrigues ou com qualquer membro dos Três Poderes”. “Tanto o Sr. Júlio quanto sua esposa, Sra. Gilce, conhecem o Senador Chico Rodrigues, não por qualquer proximidade ou relação íntima, mas apenas conhecem o trabalho íntegro que o respectivo senador exerce, além do município ser pequeno, ocasião em que todos acabam se conhecendo de alguma forma”, disse a empresa por meio de nota oficial.

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“Importante frisar que apenas o conhecimento da pessoa do senador, não implica em participação em qualquer favorecimento ou busca de interesses comuns”. Já o governo do Estado e a Quantum não foram localizadas para comentar a reportagem.

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