As enchentes que cobriram a maior parte do Rio Grande do Sul, e as dificuldades do poder público para prover resposta rápida para moradores das cidades afetadas pelas inundações reavivaram o debate sobre a necessidade de implementar um plano nacional de defesa civil. Há pelo menos 10 anos, o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão de fiscalização, cobra do Executivo federal a elaboração de um documento com diretrizes, metas e adoção de medidas concretas para minimizar danos de desastres naturais em todo o país. Até hoje, o plano não foi editado, e a promessa mais recente, agora, é de que saia até o final de junho.
A fiscalização mais abrangente realizada pelo TCU ocorreu entre 2018 e 2020, quando os auditores do órgão verificaram uma dezena de problemas na aplicação de recursos para prevenção de desastres, na articulação com estados e municípios para identificar riscos, se preparar e responder às catástrofes, além de irregularidades nos gastos já realizados.
No final dessa auditoria, concluída em fevereiro de 2020, os ministros do TCU concordaram em determinar que o Ministério do Desenvolvimento Regional instituísse, em até 6 meses, um Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, medida que já estava prevista numa lei de 2012 que estabeleceu uma política para a área em todo o país, mas que nunca foi implementada por falta de regulamentação em decretos, portarias e uma infinidade de medidas burocráticas. Mas, antes de 2020, o TCU já havia cobrado, em decisões de 2014 e 2016, a elaboração do plano.
A medida mais concreta, em âmbito normativo, foi a edição de um decreto, assinado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), em dezembro de 2020, com a criação de um “sistema”, que definia como órgãos federais, estaduais e municipais, além de entidades civis e privadas, deveriam trabalhar em conjunto em situações de desastres. No próprio decreto, o governo se comprometia a elaborar o plano em até 30 meses – ou seja, até meados de 2023.
Em novembro do ano passado, sem um plano pronto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um novo decreto, jogando o prazo final para novembro deste ano. Apesar disso, no final de abril, o atual ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, prometeu, numa audiência realizada na Câmara dos Deputados, lançar o plano em junho.
Na reunião com os parlamentares, ele adiantou alguns pontos do documento, elaborado com apoio de universidades, técnicos de defesa civil e entidades interessadas, que contempla cinco eixos: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação.
O plano, segundo o ministro, tem 23 objetivos, cada um com metas e indicadores de cumprimento. Identificaram-se as 11 ameaças mais comuns no país, incluindo inundações, granizo, vendavais, tornado, seca, erosão, deslizamento de terra, incêndios florestais e ondas de calor ou de frio. Os riscos passarão a ser medidos não apenas com base no número de mortes já registradas nesses eventos nos locais atingidos, mas também os danos financeiros provocados. Os prognósticos de eventos futuros devem levar em conta dados Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e será implementado um Indicador de Capacidade Municipal (ICM), para medir a vulnerabilidade das cidades.
“Os eventos extremos não vão diminuir. Nós é que temos de nos preparar para nos adaptar, criar resiliência para lidar melhor com a situação e diminuir as condições de risco em que as pessoas vivem. Nós não temos a cultura de contingência – essa é uma verdade – e esperamos tê-la a partir deste primeiro plano”, disse, na ocasião, Waldez Góes, conforme registro da Agência Câmara.
O que a fiscalização do TCU verificou
A auditoria do TCU concluída em 2020 identificou 10 problemas, aqui sintetizados:
- falta de critérios técnicos na alocação de recursos e seleção de projetos para prevenção de desastres;
- falta de definição clara dos papéis dos Ministérios da Integração Nacional e das Cidades, depois fundidos no Ministério do Desenvolvimento Regional;
- destinação de recursos para áreas menos necessitadas, além de favorecimento de alguns estados, sem atendimento à impessoalidade, moralidade e eficiência;
- falta de definição clara dos papéis dos órgãos envolvidos nas ações de prevenção;
- deficiências na estruturação e atuação de órgãos municipais de defesa civil, por falta de preparo;
- falhas nos processos de transferência de recursos, com “elevado índice de irregularidades”;
- falta de qualificação técnica dos servidores de estados e municípios;
- liberação de recursos sem prévia análise dos projetos e custos envolvidos, com execução de obras com projetos deficientes e mesmo sem projeto básico;
- fragilidade nos controles exercidos pelos municípios ou estados que recebem recursos federais e pelo próprio Ministério; e
- falhas na apresentação e análise das prestações de contas dos recursos.
Na época, o ministro Augusto Nardes, relator da auditoria no TCU, verificou que, entre 2012 e 2019, o governo federal havia autorizado gastos de R$ 23 bilhões na área, mas R$ 16 bilhões (70%) haviam sido empenhados, ou seja, comprometido mediante contratações.
Atualmente, o TCU possui um painel com dados mais atualizados, que contabiliza - desde 2012 - R$ 36,3 bilhões em gastos autorizados no Orçamento, R$ 26,5 bi empenhados (73%) e R$ 22 bilhões efetivamente pagos (60%), seja pelo próprio governo federal ou pelos demais entes.
Do total empenhado, a maior parte, R$ 17,4 bi (65%), é para ações de resposta (socorro e assistência à população vitimada) e recuperação (que visam estabelecer situação de normalidade, como a reconstrução de pontes e infraestruturas danificadas).
Apenas R$ 8,37 bilhões (31,5%) foi empenhado para ações de prevenção, que incluem obras de contenção de encostas e mitigação de riscos causados pelas águas.
Valores empenhados no RS nos últimos 12 anos
No Rio Grande do Sul, os valores empenhados, nos últimos 12 anos, alcançaram R$ 869,7 milhões, sendo R$ 640 milhões (73%) para resposta e recuperação, e 230 milhões (27%) para recuperação das edificações danificadas.
Entre as obras de prevenção mais vultosas no estado estão:
- a canalização da vala da Curitiba e estação de bombeamento em Canoas (com custo total de R$ 2,7 bilhões, com R$ 61 milhões do governo federal já transferidos);
- ampliação do sistema de macrodrenagem da bacia do Arroio da Areia com implantação de reservatórios de detenção, em Poro Alegre (custo total de R$ 2,1 bi, e R$ 55 milhões federais pagos);
- ampliação das estações elevatórias do sistema de drenagem de Porto Alegre (custo total de R$ 487,5 milhões, e R$ 9 milhões do governo federal transferidos).
Facilitação de aportes federais
Na semana passada, o TCU anunciou a abertura de três novos procedimentos para acompanhar e facilitar os investimentos na resposta ao desastre causado pelas chuvas e reconstrução das cidades afetadas. O Programa Recupera Rio Grande do Sul busca dar transparência para as despesas e reduzir a burocracia.
Um dos processos vai analisar as contratações em geral e as obras de infraestrutura; o segundo vai avaliar a conformidade das medidas adotadas pelo governo federal às normas de finanças públicas e seus impactos fiscais; e o terceiro diz respeito aos recursos aplicados para as atividades de Defesa Civil no estado.
Na semana passada, o governo federal anunciou um pacote de R$ 51 bilhões para o Rio Grande do Sul. São 12 medidas, que incluem:
- pagamentos antecipados de Bolsa Família, auxílio-gás e BPC, abono salarial e da restituição do Imposto de Renda para cidadãos;
- duas parcelas extras do seguro-desemprego para quem já estava recebendo o benefício, o que deverá contemplar 140 mil pessoas;
- prorrogação de prazos, em pelo menos três meses, para que donos de empresas recolham tributos federais e do Simples Nacional;
- R$ 6 bilhões para concessão de créditos por meio de programas federais e para descontos em juros de empréstimos já realizados;
- dispensa de certidão negativa de débitos, para empresas e produtores rurais terem acesso facilitado a créditos em bancos e instituições financeiras.
Nesta segunda-feira (13), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um projeto de lei para suspender, por três anos, o pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União. Será adiada a cobrança de R$ 11 bilhões da dívida e perdoados R$ 12 bilhões dos juros.
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