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Diárias da força-tarefa

TCU condena Deltan, Janot e ex-chefe do MPF-PR a pagar R$ 2,8 mi por gastos da Lava Jato

O ex-coordenador da Lava Jato Deltan Dallagnol.
O ex-coordenador da Lava Jato Deltan Dallagnol. (Foto: Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo)

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O Tribunal de Contas da União (TCU) condenou, por unanimidade, o ex-coordenador da Lava Jato em Curitiba Deltan Dallagnol, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, e o ex-chefe do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná João Vicente Beraldo Romão, a ressarcir os cofres públicos em R$ 2,831 milhões. O motivo foram gastos considerados excessivos no pagamento de diárias e passagens aéreas a ex-integrantes da extinta força-tarefa da operação. O valor corresponde à economia que poderia ter sido feita se adotado outro modelo de equipe, com a transferência de procuradores que moravam fora da capital paranaense para trabalhar na Lava Jato.

Numa votação que durou menos de 5 segundos, os ministros Augusto Nardes, Aroldo Cedraz e Antonio Anastasia, que compõem a Segunda Câmara do TCU, aprovaram o voto do relator, Bruno Dantas, que abriu a fiscalização em abril, a pedido de deputados do PT.

A decisão enquadra Deltan, Janot e Romão na Lei da Ficha Limpa, pois Bruno Dantas considerou que houve ato doloso de improbidade administrativa – ou seja, com intenção de lesar os cofres públicos. Ainda é possível, no entanto, que eles recorram ao próprio TCU ou tentem suspender na Justiça comum a condenação, o que poderia reverter a inelegibilidade de 8 anos.

Deltan e Janot querem disputar uma cadeira de deputado federal nas eleições de outubro. A decisão quanto à possibilidade de concorrerem é da Justiça Eleitoral – o prazo para o pedido de registro de candidatura termina na próxima segunda-feira (15).

Em nota divulgada ao final do julgamento, Deltan Dallagnol disse que a Segunda Câmara do TCU “entra para a história como órgão que perseguiu os investigadores do maior esquema de corrupção já descoberto na história do Brasil”. “Se junta àqueles que, ao invés de condenar o desvio de bilhões de reais de recursos públicos, decidem condenar aqueles que se dedicaram arduamente ao combate à corrupção. Trata-se de uma absurda inversão de valores que não encontra eco na opinião pública”, disse o ex-procurador.

Deltan ainda afirmou que os quatro ministros “políticos” que o condenaram foram delatados na Lava Jato. “Este é mais um episódio que mostra o quão longe o sistema político quer ver a Lava Jato do Congresso Nacional e até onde o sistema é capaz de chegar para impedir que o combate à corrupção avance no país.”

Qual foi a fundamentação da decisão contra Deltan, Janot e Romão

Em seu voto, Bruno Dantas disse que não houve a devida fundamentação para a escolha do modelo de força-tarefa, que poderia ser adotado um formato de equipe mais econômico – como os atuais Gaecos – e que a definição dos integrantes não foi feita de forma impessoal. Ele argumentou que procuradores que atuaram nas investigações e que não residiam em Curitiba poderiam ter sido transferidos para a cidade em vez de receberem diárias e passagens aéreas.

Esse entendimento contraria pareceres da área técnica do TCU e também do Ministério Público de Contas, que consideraram os gastos regulares e recomendaram o arquivamento do processo.

“Esses procuradores já recebiam auxílio-moradia. Ora, como seria evidentemente ilícito o recebimento duplicado do auxílio-moradia, e talvez porque a sanha de apropriação indevida de recursos públicos fosse tão grande que os R$ 4,3 mil mensais desta rubrica não saciariam a fome dos bravos defensores da ética e da probidade, o pagamento de diárias e passagens foi a fórmula idealizada, operacionalizada e liquidada de escamotear a ordenação de despesas fora da moldura legal mediante golpe hermenêutico tão rudimentar quanto indecoroso”, afirmou Bruno Dantas.

No voto, ele ainda afirmou que a força-tarefa constituiu uma “indústria de pagamentos de diárias e passagens a certos procuradores escolhidos a dedo”, acusando-os de patrimonialismo. “Denota-se que um pequeno grupo de procuradores, que de modo algum retrata a imensa maioria dos membros do MPF, tenha descoberto uma possibilidade de aumentar seus ganhos privados e favorecer agentes amigos.”

Argumentou ainda que os resultados obtidos pela operação – como a recuperação de mais de R$ 4 bilhões, até o momento, por meio de acordos de delação premiada e de leniência – não justificariam os gastos excessivos com diárias e passagens.

“Trata-se de argumento utilitarista e desleal, a um só tempo com a instituição e o pagador de tributos que arca com o custo da máquina administrativa. Esse, aliás, é o típico argumento que serviria para justificar até mesmo a hipotética apropriação privada de valores bilionários recuperados no bojo de uma operação de combate à corrupção, seja para alocação nos cofres de uma ONG amiga, seja para pagamento de campanhas publicitárias, seja para remuneração de palestras de agentes públicos elevados à categoria de pop stars”, afirmou Dantas.

Em sua defesa, Deltan Dallagnol disse que não foi o responsável pela criação da força-tarefa, que coube a Rodrigo Janot. Ele, por meio de sua defesa, ainda afirmou não foi quem autorizou o pagamento das diárias e passagens.

“Ele não era o procurador natural nem o responsável pela constituição [da força-tarefa]. Estava de férias e foi chamado para integrar [a Lava Jato] um mês depois. Como coordenador, não tinha um cargo administrativo. Mas figurava como um dos líderes na atividade finalística. Jamais foi ordenador de despesa. Ele não pode ser responsabilizado por esses atos. Era procurador de primeira instância e não tinha sequer hierarquia para autorizar esses gastos. Além disso, estava lotado em Curitiba e não recebeu essas diárias e passagens”, disse, na sessão, o advogado Arthur Lima Guedes, que representa Deltan.

A defesa de Janot, por sua vez, argumentou que o processo deveria ser julgado no plenário do TCU, e não na Segunda Câmara, em razão da complexidade do tema, que toca na forma de organização interna do Ministério Público Federal. Além disso, disse que as decisões de Janot, na constituição e prorrogação da força-tarefa, foram aprovadas pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF). Também argumentou que a ex-procuradora-geral, Raquel Dodge (sucesso de Janot na PGR), e o atual titular do cargo, Augusto Aras, também autorizaram renovações da equipe sem serem fiscalizados.

O advogado de Janot também questionou a premissa de que a adoção de outro modelo de investigação, com a transferência de procuradores para Curitiba, teria sido mais econômica. “Seria mais econômico fazer com força-tarefa ou remoção? O custo da Geco [gratificação] por acumulação de ofícios seria maior que com o custo das passagens”, disse Elísio Freitas na sessão de julgamento.

Outros sete ex-integrantes da força-tarefa que receberam as passagens e diárias foram inocentados no julgamento. Dantas acolheu as alegações de suas defesas de que receberam os benefícios de boa-fé e não participaram da criação nem interferiram nas sucessivas prorrogações da força-tarefa, que funcionou entre 2014 e 2021.

Só um ministro do TCU discutiu o assunto

Na sessão desta terça (9), o único a discutir o voto de Dantas foi o ministro-substituto André Luís de Carvalho, que não tem direito a votar no julgamento. Ele rechaçou a acusação de que a escolha dos integrantes da força-tarefa teria faltado com o princípio da impessoalidade e que de teria ocorrido irregularidade no pagamento de diárias.

“Todos agimos assim na administração pública brasileira. A força-tarefa da Polícia Federal é constituída assim, a força-tarefa do MPF, à época, era constituída assim. E as nossas forças-tarefas, que às vezes recebem outros nomes, a exemplo de secretarias extraordinárias, também são constituídas assim. São escolhidas pelo gestor máximo, aqui no tribunal, pelo presidente”, disse.

Acrescentou que, em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou o pagamento de aluguel ou diárias para juízes auxiliares de fora de Brasília, sem que o TCU tenha condenado a Corte ou seus gestores a devolver o dinheiro. “Naquela época, até início de 2019, todos nós recebíamos auxílio-moradia, mesmo tendo imóvel funcional na localidade, porque era uma decisão liminar proferida pelo ministro Luiz Fux”, acrescentou.

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