Desde o início de março, o governo de São Paulo usa tecnologia para monitorar as aglomerações em 104 de suas 645 cidades. Em uma parceria com telefônicas, o estado consegue cruzar dados das antenas de celular e ter uma ideia de quantos usuários estão em uma determinada área. É, obviamente, um número aproximado, já que dessa forma é impossível computar pessoas que não usam aparelhos móveis ou que não ativam os recursos de geolocalização. Os dados abastecem diariamente o que o governo chama de Sistema de Monitoramento Inteligente, uma base que identifica o índice de isolamento nestes municípios.
A solução tecnológica foi celebrada pelo governo paulistano como um importante aliado para combater o avanço da pandemia da Covid-19 e regrar a reabertura dos serviços não essenciais. Ficou na teoria. Nesta semana, por decreto, o estado passou a flexibilizar a quarentena. Anteriormente, o governador João Doria (PSDB), havia dito que permitiria a reabertura somente se o índice de isolamento diário permanecesse acima de 55% (quanto mais alto, mais eficiente estão sendo as medidas). Pouquíssimas cidades chegaram lá e a média estadual ficou na casa dos 50%.
Esse uso da inteligência de dados pelo governo de São Paulo é mais um exemplo de como a tecnologia, desde que garantida a privacidade dos cidadãos, poderia ser uma aliada no front. Em abril, após subir o tom contra as medidas de isolamento do próprio Doria, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desistiu de um acordo federal com as operadoras, o que poderia estender o sistema de monitoramento a quase todos os municípios brasileiros. A preocupação alegada pelo governo foi medo da exposição dos dados do cidadão. Com isso, alguns estados – além de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco – fecharam parcerias por conta própria com as telefônicas.
O advogado especialista em Direito Digital Fernando Peres indica que esta falta de unidade tem seu preço. “O presidente disse que não queria [o recolhimento de dados de telefonia] e com isso essa competência foi delegada aos estados. Nos Estados Unidos, é assim. Os estados têm mais autonomia para decidir. Não quero dizer que é melhor ou que é certo. Mas, se nosso país funciona de outra maneira [com a Federação definindo questões básicas], não podemos deixar para que cada um faça do jeito que acha melhor. Isso é perigoso para segurança dos dados e até para a própria segurança física dos cidadãos. Leva ao mau controle de gastos, ineficiência na conscientização das pessoas e desperdício de projetos de prevenção”, diz.
Peres é defensor do uso da tecnologia para ajudar a resolver crises de saúde, ação adotada em países europeus e Estados Unidos, por exemplo. “A aplicação de medidas tecnológicas com propósito de proteger a população, principalmente em questões relacionadas à saúde, são válidas, produtivas. Mas, diferente do que acontece em outros países, não estamos preparados. Não sabemos como utilizar a tecnologia ou quais os dados podemos adquirir para que não haja aquisição de informações em excesso”, pondera.
Tecnologia usada na Coreia do Sul teve acesso a dados sensíveis
Tida como um exemplo controverso, a Coreia do Sul conseguiu conter o avanço do coronavírus logo no início da pandemia no país. Um controle à base de recolhimento obrigatório de dados extremamente sensíveis. Uma das medidas mais polêmicas é a instalação de aplicativo nos celulares dos sul-coreanos capaz de identificar a locomoção de infectados e até avisar a pessoas de uma região sobre a condição de determinado morador. Um fator decisivo para que o país registre hoje menos de 300 mortes, enquanto o mundo passa de 376 mil vítimas. Mas a um custo alto de privacidade.
A situação levou a Comissão de Direitos Humanos do país a emitir nota pedindo "novos protocolos para o uso das tecnologias". Por sua vez, o centro de prevenção da Covid-19, ligado ao governo sul-coreano, disse que "usará os dados" apenas neste período excepcional.
Um marco legal na legislação brasileira pode minimizar esses riscos. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – que versa sobre questões como o uso de informações de dados de telefonia, para exemplificar – poderia ter colocado ordem no Velho Oeste em que se transforma o uso de dados sem um regramento específico. Promulgada em 2018, ela entraria em vigor ao fim de abril deste ano. Porém, a vigência desta legislação foi arrolada na Medida Provisória 959, a mesma do benefício emergencial, adiando a aplicação para 2021.
Com isso, a esperança de que tecnologias possam auxiliar de forma massiva no combate à pandemia se tornam mais distantes nesse momento, ainda que possíveis. “Vamos imaginar que um buscador comece a receber diversas pesquisas de uma hora para outra de determinados sintomas de doença. É possível prever uma epidemia em determinadas regiões, cidades e estados”, diz Peres. Um alerta para possíveis novas crises.
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