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Informação e privacidade

O que explica o sucesso dos asiáticos contra a Covid-19 e por que Brasil não segue essa fórmula

Cidadãos de Singapura têm a temperatura medida eletronicamente: uso intensivo da tecnologia está por trás do sucesso de países asiáticos na contenção do novo coronavírus.
Cidadãos de Singapura têm a temperatura medida eletronicamente: uso intensivo da tecnologia está por trás do sucesso de países asiáticos na contenção do novo coronavírus. (Foto: Roslan Rahman/AFP)

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Vários países asiáticos conseguiram controlar a pandemia do novo coronavírus com competência. A chave do sucesso estava na palma da mão das pessoas, em seus celulares. Esse países superaram os Estados Unidos, o Brasil e nações europeias com o uso inteligente de ferramentas de tecnologia da informação e comunicação (TIC).

Em nota técnica, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) explica como a tecnologia foi uma aliada dos asiáticos. Segundo o instituto, entre os fatores que levaram à contenção eficaz da Covid-19 estão: a experiência adquirida por esses países durante a epidemia da Sars, em 2003, que consequentemente levou a um preparo maior; a cultura de obediência da população às recomendações governamentais; e o uso intensivo de tecnologia da informação e comunicação.

Mas se essa fórmula foi adotada com sucesso na Ásia porque ela não foi replicada no Brasil. Questões ligadas à legislação e à privacidade explicam, em parte, essa dúvida.

Como a TI foi usada para conter a pandemia

É possível usar a TI de duas formas no enfrentamento de pandemias. De acordo com o estudo do Ipea, pode ser por meio de uma estratégia “centralizada”, quando o governo acessa os dados pessoais dos cidadãos sem o seu consentimento, como é feito na China, ou “descentralizada”, em que os cidadãos podem ou não autorizar o acesso a seus celulares pelas autoridades, forma usada em Singapura.

A China, primeiro epicentro da doença, usou o “Alipay Health Code”. Esse aplicativo é uma plataforma de pagamentos criada em 2004. A partir dela, o governo é capaz de conceder uma espécie de passaporte via QR code para as pessoas transitarem pelas cidades. Cada usuário recebe uma cor: verde (pode transitar livremente); amarela (deve cumprir uma semana de isolamento); ou vermelha (deve cumprir duas semanas de isolamento).

Segundo o Ipea, não é claro como a empresa classifica os usuários. “A hipótese mais provável é que ela usa algoritmos para prever a possibilidade de o usuário estar infectado”, diz o estudo. O país mais populoso do mundo, com mais de 1,4 bilhão de pessoas, registrou até terça-feira (7), 84.910 infectados e 4.641 mortos.

Já em Singapura o governo desenvolveu o “TraceTogether”, usado para detectar todos os contatos físicos mantidos pelo usuário com outras pessoas nos últimos 14 dias. O Ipea mostra que 70% da população aprova o uso dessa tecnologias. Com mais 6 milhões de habitantes, o país registrou 45.140 casos e 26 óbitos causados pelo novo coronavírus, segundo a Universidade Johns Hopkins.

O diferencial de Singapura é que governo solicita a permissão do cidadão para acessar as informações. Se a permissão é concedida, o Ministério da Saúde consegue localizar o registro de pessoas com quem o infectado manteve contato. Assim, pode pedir para que elas procurem o sistema de saúde.

Outros países asiáticos que tiveram sucesso no uso de aplicativos contra a Covid-19

A Coreia do Sul foi considerada um exemplo de contenção do novo coronavírus. Graças à testagem em massa da população, em drive-through, e o uso de aplicativos de celular. Dois aplicativos desenvolvidos por empresas privadas foram os mais utilizados: o Corona100m e o Coronamap. O primeiro é capaz de identificar se existem pessoas potencialmente contaminados pela Covid-19 num raio de 100 metros do usuário. Para isso, usa informações do governo.

Com o segundo, o Coronamap, os usuários conseguem localizar regiões com casos confirmados da doença. Segundo a nota do Ipea, este é o segundo aplicativo com mais downloads no país. Já o Corona100m conseguiu atingir a marca de um milhão de downloads apenas dez dias após o lançamento.

Com mais de 51 milhões de habitantes, o país registrou até terça, 13.181 casos confirmados e 285 mortes causadas pela Covid-19, segundo o Centros de Controle e Prevenção de Doenças da Coreia (KCDC, na sigla em inglês). O primeiro infectado pelo novo coronavírus foi registrado no país no dia 3 de janeiro.

Durante a pandemia em Hong Kong, pessoas que entravam no país e cidadãos em quarentena utilizaram o aplicativo Stayhomesafe, uma pulseira eletrônica de uso obrigatório. Com a pulseira, as autoridades conseguiam realizar o monitoramento. Caso alguém furasse a quarentena, sem a devida autorização, poderia enfrentar uma pena de seis meses de prisão e multa. Segundo o governo local, foram confirmados 1.300 infectados e 7 mortes pela doença.

Taiwan conseguiu conter a Covid-19 e registrar apenas 449 casos e 7 óbitos. Vizinho da China, o país insular com cerca de 23 milhões de habitantes, usou a TI para monitorar passageiros que chegavam ou partiam para a região de Wuhan – onde a pandemia começou – e assim foi possível identificar indivíduos com os sintomas, afirma a pesquisa.

Em comum, os países com uso dos aplicativos conseguem ter um maior controle para determinar se os novos casos surgem dentro de suas fronteiras ou se são importados.

Entraves para replicar a mesma tecnologia no Brasil 

Os analistas do Ipea consideram que utilizar tecnologias, como as dos países asiáticos, seria complexo no Brasil. O Ministério da Saúde criou, antes da pandemia, o aplicativo “Meudigisus” capaz de fornecer dados sobre os usuários e depois criou o aplicativo “Coronavírus – SUS”.

O problema é que esse tipo de tecnologia é recente. Além disso, não é considerada parte central no enfrentamento à doença no Brasil. “Embora não seja um aplicativo, a principal TIC utilizada pelos governos na definição de políticas e estratégias para o enfrentamento da pandemia tem sido a mensuração do índice de isolamento social”, aponta o instituto.

O isolamento é calculado por meio de aplicativos de interface de programação (APIs) de empresas parceiras do governo. As autoridades podem então estimar o número de pessoas em isolamento em determinado dia e local, mas não podem divulgar os dados pessoais.

Mudanças nas regras de proteção de dados e a judicialização de questões como a privacidade dos usuários são empecilhos para ampliar o uso de tecnologia na pandemia no Brasil.

O estudo cita como exemplo a Medida Provisória 954/2020, que pretendia obrigar o “compartilhamento de dados pessoais (como nome, número de telefone e endereço) em poder das operadoras de serviços telefônicos, mediante requisição do poder público”. Esses dados deveriam ser usados apenas pelo IBGE durante o período de emergência de saúde pública.

O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a validade da MP com a intenção de evitar “danos irreparáveis à intimidade e ao sigilo da vida privada de mais de uma centena de milhão de usuários dos serviços de telefonia fixa e móvel”.

“O quadro normativo brasileiro é um dos fatores que estimulam esse dissenso. Há, de um lado, uma afirmação constitucional ampla do direito à proteção de dados e, de outro, uma legislação infraconstitucional que trouxe poucas garantias aos titulares de dados pessoais, nos momentos de compartilhamento dessas informações”, afirma a nota técnica.

O potencial risco à privacidade individual ainda é motivo de discussão quando se trata do compartilhamento de dados pessoais sensíveis.

“Por um lado, há uma questão de interesse público representada pela necessidade de coleta de informações para o dimensionamento do problema e planejamento adequado das respostas governamentais. Por outro, há um fundamentado receio de que o compartilhamento de informações que não foram fornecidas com essa finalidade possa representar uma violação da intimidade e da privacidade dos indivíduos”, explicam os pesquisadores do Ipea.

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