Discussões sobre reforma tributária e Conselho Fiscal dividem governadores| Foto: Roque de Sá/Agência Senado
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Os 27 governadores do Brasil travam no Senado uma acirrada batalha em torno de alguns poucos pontos da reforma tributária que tramita na Casa, sobretudo em relação à governança do Conselho Federativo, a ser criado pela Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019. De um lado estão os estados mais industrializados, concentrados no Sul e Sudeste, que querem manter o critério de representatividade no conselho conforme o tamanho da população de cada unidade da federação, tal qual prevê o texto aprovado pela Câmara dos Deputados. Do outro lado, os demais estados tentam resgatar o peso igualitário para todos, tal qual estava previsto na PEC original.

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No conselho, que tem a função de gerir a distribuição do futuro e unificado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), o peso equitativo beneficiaria os interesses do grupo de unidades da federação com mais integrantes. Apesar de Sul e Sudeste somarem a maioria da população (60%), essas regiões abrigam apenas sete estados. Enquanto isso, somente o Nordeste tem nove. Por isso, a maioria dos governadores e prefeitos se queixa do critério populacional de governança, alegando que o modelo limitaria a autonomia das unidades da federação e dificultaria o acesso preferencial a recursos do Tesouro da União.

De acordo com a PEC aprovada pela Câmara, o Conselho Federativo deve gozar de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira. Além disso, deve contar com representação igualitária de todos os estados, do Distrito Federal e dos municípios em sua instância máxima. No entanto, a estrutura de governança inclui três níveis de veto, sendo que as propostas só serão aprovadas se tiverem, ao mesmo tempo, o apoio da maioria absoluta dos representantes de cada unidade da federação e dos representantes daquelas com mais de 60% da população do país. Por fim, também será necessário o aval da maioria absoluta dos representantes por um segundo grupo, composto pelo Distrito Federal e pelo conjunto de municípios.

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A inclusão do requisito de representatividade de 60% da população beneficia diretamente estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que passariam a ter maior influência na tomada de decisões do órgão, caso a redação seja mantida pelo Senado. Por outro lado, estados menos populosos afirmam que a regra causa prejuízos a eles e, por isso, estão tentando modificá-la. O governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), por exemplo, argumenta que, mesmo sendo órgão técnico, “o conselho deve refletir a paridade e a igualdade entre entes federados, semelhante ao Senado”.

Impasse pode adiar a votação da proposta pelos senadores

Diante dessas tensões, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), confirmou a previsão para votar a proposta da reforma tributária no início de outubro, mas ponderou que “nada será feito de modo açodado”. Ele aposta em audiências públicas para construir convergências entre interesses regionais adversos.

Além da chamada autonomia federativa, a maioria dos governadores também quer rever a metodologia e o prazo para a transição entre regimes fiscais e o tamanho e critérios de distribuição do Fundo de Desenvolvimento Regional (FNDR), financiado pela União e que alcançaria R$ 40 bilhões anuais a partir de 2033.

Para Arthur Wittenberg, professor de Políticas Públicas no Ibmec-DF, a criação de um Conselho Federativo como mecanismo para administrar o IBS, levanta naturalmente questões polêmicas relacionadas à composição e ao funcionamento, pois a versão atual tende a favorecer os estados mais densamente povoados, sobretudo os localizados no Sudeste. “Apesar de haver amplo consenso em relação à necessidade da reforma, alguns prefeitos e governadores se opõem abertamente a certos pontos”, disse.

Segundo o especialista, a preocupação deles tende a encontrar mais receptividade no Senado do que na Câmara, devido a dois fatores principais. Primeiramente, trata-se da Casa Legislativa com representação igualitária entre as unidades da federação, cada uma representada por três parlamentares. Em segundo lugar, entre os senadores há proporção maior de ex-governadores se comparado aos deputados.

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De toda forma, Wittenberg prevê um debate tenso, a exemplo das reações provocadas pelas declarações do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), que defendeu a articulação política de Sul e Sudeste para proteger os interesses de seus estados na reforma, tal qual já fazia o Nordeste por meio de um consórcio.

“O Sudeste, de fato, é a região mais populosa e a maior arrecadadora de tributos, o que levanta a questão de como é possível ignorar esse fato e abrir mão dessa posição”, comenta o professor. Mesmo assim, ele espera que, ao final, seja encontrada uma fórmula de consenso.

Governo e relator apostam em abordagem técnica do conselho

A saída proposta pelo governo federal e pelo relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), para superar o impasse entre governadores é ressaltar o aspecto estritamente técnico do Conselho Federativo, o que mitigaria o risco de desequilíbrios e de favorecimentos indevidos. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), defendeu, durante evento organizado pela XP Investimentos em São Paulo, uma alternativa ao desenho do Conselho Federativo. Ele propôs que não seja considerada só a proporcionalidade populacional (a favor do Sudeste), mas que também não dependa só de maioria simples (a favor do Norte e Nordeste). “O ideal é considerar blocos de entendimentos em nível regional”, disse Leite, sem dar mais detalhes.

Segundo o secretário extraordinário do Ministério da Fazenda designado para a reforma, Bernard Appy, as atribuições do conselho serão técnicas, priorizando a criação de regulamento uniforme e a aplicação correta da legislação. “A ideia é atuar de forma institucional, sem importar quem tenha assento nele, operando tal qual um algoritmo”, exemplificou. Apesar disso, ele concordou que o intuito da criação do FNDR é ajudar a reduzir desigualdades regionais e seus critérios de distribuição têm caráter político.

Os governadores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste evidenciaram a contrariedade com a perda de paridade no arranjo do Conselho Federativo durante sessão de debates realizada no Senado, em 29 de agosto, com a presença de 15 chefes de Executivos estaduais. Segundo eles, o órgão deveria se inspirar no Senado e dar igualdade de representação. “Se houver hegemonia de uma região, perdemos o princípio do federalismo”, reclamou o governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade).

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Para o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), a reforma não foi discutida adequadamente pela Câmara, mas pode ser melhor encaminhada no Senado, ouvindo os estados. “Não é possível que, como governador, venha amanhã receber mesada de um Conselho Federativo. Todo mundo quer a melhora da reforma tributária. Mas, da maneira como ela foi colocada, ela trará concentração de poder”, protestou.

A vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP), disse, durante a reunião no Senado, na qual exercia a função de governadora em exercício, que há “boa vontade” de todos para que a reforma “dê conforto para que paguemos nossas contas”. Ela também defendeu o perfil igualitário da gestão do conselho para “não fugir do pacto federativo”.

Já o governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB), defendeu a partilha do FNDR pelo critério do Fundo de Participação dos Estados, destinando recursos de forma inversamente proporcional ao PIB.

Governadores dos estados mais populosos evitam o confronto

Não participaram do encontro no Senado os governadores dos três estados mais habitados do país, que somam 40% da população: Romeu Zema (Novo-MG), Cláudio Castro (PL-RJ), e Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). O último foi representado pelo vice, Felício Ramuth (PSD). Freitas foi essencial para a aprovação da reforma na Câmara, em 7 de julho, ao conseguir dobrar resistências das bancadas parlamentares dos estados mais desenvolvidos. Ele conseguiu emplacar ajustes no funcionamento do Conselho Federativo, agora ameaçados. Para compensar esses ajustes, a Câmara inseriu de última hora a possibilidade de os estados taxarem produtos primários e semielaborados, atendendo aos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Pará.

O embate entre os consórcios criados nos últimos anos para integrar governos do Nordeste, de um lado, e do Sudeste e Sul, de outro, se intensificou após a exploração política de trechos da entrevista do governador de Minas, Romeu Zema, ao jornal O Estado de S. Paulo, em 5 de agosto, na qual ele defendeu maior protagonismo político para as regiões mais desenvolvidas e populosas, criticando a distribuição de verbas do governo federal. O Sul e o Sudeste concentram cerca de 70% do PIB nacional e têm cerca da metade (255) dos assentos na Câmara dos Deputados (513).

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]