A resposta rápida e firme de líderes partidários contra a recente proposta do Ministério do Trabalho de ressuscitar o imposto sindical reforçou a perspectiva de que a agenda econômica proposta pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recheada de retrocessos foi definitivamente engavetada pelo Congresso graças à resistência da maioria absoluta dos parlamentares, particularmente dos integrantes do Centrão.
“O imposto sindical foi extinto. Não retroagiremos no que já foi aprovado”, avisou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ele e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já vinham alertando o Planalto ao longo dos últimos meses sobre a inviabilidade de iniciativas no rumo inverso de avanços modernizantes, tais como recuar na independência do Banco Central, desfazer a privatização da Eletrobras e propor revisões do novo marco do saneamento e das reformas trabalhista e previdenciária.
Após provocar profundas e traumáticas turbulências nos meios sociais e políticos, medidas adotadas durante a gestão Dilma Rousseff (2011-2016), a exemplo do controle de preços de combustíveis e energia elétrica e da execução de projetos de infraestrutura sem transparência, voltaram a ser encaminhadas ao Legislativo e até ao Judiciário. Mas todas foram barradas integralmente ou conseguiram avançar apenas marginalmente.
Como pano de fundo, Lula tentou recolocar o país no caminho da chamada Nova Matriz Econômica, modelo ensaiado durante o seu segundo mandato e aplicado durante os dois mandatos de Dilma, sob a inspiração do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do período militar. O intervencionismo estatal da ex-presidente arrastou o país para inflação descontrolada, recessão profunda e escândalos bilionários de corrupção.
Apesar dos saldos trágicos dessa onda desenvolvimentista, que culminaram com o impeachment de Dilma Rousseff, seguido de governos engajados em reformas saneadoras e estruturantes da economia, Lula evidenciou a sua dificuldade em assimilar esses fatos. O primeiro ponto que ele desafiou e busca transcender é o que diz respeito a mecanismos para disciplina fiscal, pois os governos petistas antecedem ao teto de gastos.
Para analistas e políticos consultados pela Gazeta do Povo, a ansiedade de Lula em empregar recursos do Tesouro e de bancos públicos em obras, pisar no acelerador dos gastos da máquina pública, incluindo a abertura de vagas e reajustes salariais para o funcionalismo e estatizar o que for possível sucumbiu de vez às resistências do mercado financeiro e do Congresso, que tem hoje perfil predominante de centro-direita.
Para líder da oposição, governo insiste em repetir erros passados
Passados quase oito meses do Lula 3, a sanha do presidente para provocar expansão econômica de maneira artificial e não sustentável segue sendo contida. “O governo do PT está repetindo os erros que cometeu em 13 anos, com a pauta retrógrada que sempre ostentou: instrumentalização da Petrobras, uso político de Eletrobras e BNDES, aparelhamento de organismos multilaterais como o Banco dos Brics para financiar infraestrutura em países com afinidade ideológica, descumprimento das metas fiscais, entre outras barbaridades”, disse o senador Rogério Marinho (PL-RN).
Para o líder da oposição no Senado, os poucos avanços obtidos na economia este ano se devem justamente a reformas implantadas pelos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), do qual foi ministro da Integração Regional. Segundo ele, a recente redução da taxa básica de juros foi possível graças aos acertos da autoridade monetária tornada independente nos últimos anos e sob o comando de Roberto Campos Neto, sob forte pressão de Lula desde que voltou ao poder, com apoio de aliados da esquerda.
Marinho lembrou que a atual Administração comete graves equívocos antes mesmo da posse do presidente da República, quando da aprovação, em dezembro de 2022, da emenda constitucional batizada de PEC Fura-Teto, que acrescentou quase R$ 200 bilhões em despesas ao Orçamento deste ano, ampliando a dívida pública para 75% do Produto Interno Bruto (PIB).
“É o mesmo método usado antes por Lula e Dilma: aumentar o gasto de forma excessiva e sem perspectiva de receita, gerando a médio prazo inflação, desemprego, obras inacabadas, estagnação e perda de confiança”, resumiu o senador. Relator da reforma trabalhista na Câmara, aprovada em 2017, Marinho classificou a ideia de reintroduzir o imposto sindical com impacto triplicado de “retrocesso absoluto” e “ressurreição do peleguismo”.
BNDES muda governança e para de devolver recursos ao Tesouro
Uma temida guinada em favor do retorno à Nova Matriz Econômica, após a eleição de Lula, estava diretamente relacionada à governança do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Usada para transferir recursos subsidiados do Tesouro diretamente a países alinhados ideologicamente ao PT e a grandes grupos econômicos escolhidos de forma discricionária, os chamados campeões nacionais, a instituição financeira vinha sendo recuperada desde 2016. Mas a entrega do seu comando ao economista petista Aloizio Mercadante, garantida por um questionamento na Justiça, iniciou um processo de desmonte dessa reconfiguração.
O lucro contábil do BNDES no primeiro semestre foi de R$ 9,5 bilhões, uma queda de 61% na comparação ao igual período de 2022. Além disso, no ano passado o banco devolveu ao caixa da União R$ 72 bilhões de forma antecipada. “Estamos tentando diminuir os repasses ao Tesouro”, disse Mercadante na apresentação dos resultados em agosto. Ele pretende pagar ao governo só 25% dos lucros em dividendos, focando em desembolsos. “A maioria dos bancos de desenvolvimento não paga”, justificou. O primeiro anúncio de financiamento de infraestrutura do governo brasileiro este ano foi justamente um projeto de gasoduto na Argentina.
Maior vitrine da política econômica petista, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) também voltou, lançado em agosto, após adiamentos. Com números expressivos, o variado e ambicioso portfólio de investimentos ainda não tem seu financiamento garantido, em meio às indefinições sobre o Orçamento da União nos próximos anos. As duas primeiras edições do PAC deixaram 4,5 mil obras inacabadas. A promessa do governo de investir R$ 1,7 trilhão por meio do programa depende do apetite privado, pois só R$ 371 bilhões (21,82%) virão do Orçamento.
PAC 3 depende do interesse do capital privado para deslanchar
Enquanto admiradores do capitalismo de Estado chinês, como o recém-empossado presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Márcio Pochmann, veem no intervencionismo estatal uma trilha para o progresso, seus críticos apontam riscos com gastos descontrolados sobre equilíbrio das contas públicas, além de desorganizar mercados. Para Ismar Becker, consultor empresarial e palestrante, após a gestão Dilma, o país criou “anticorpos para investidas populistas”. “O mundo e o Brasil mudaram. Andaremos de lado até 2026, mas sem retrocessos”, emendou.
O Planalto até buscou formas de intervir, movendo ações judiciais para mudar agências reguladoras, legislações fiscais e governança estatal. Os reajustes do funcionalismo, o fim de mecanismos de controle de desempenho dos servidores e a resistência contra a reforma administrativa sugerem danos ao enxugamento da máquina pública na gestão anterior. O governo resgatou a retórica de que “gasto é vida” e que despesas com educação e saúde “são investimentos e não gastos”. A abordagem oculta a ausência de monitoramento dos resultados dessas despesas elevadas.
Até mesmo empresas privadas, como a Vale, foram alvo da cobiça intervencionista do Lula 3, que quer indicar o ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega como presidente. Por outro lado, a sua proposta de novo marco fiscal, aprovada pela Câmara nesta terça-feira (22), ainda está atrelada a expectativas de ganhos de receita sem garantias sólidas.
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