Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) saíram em defesa de Alexandre de Moraes, na quarta-feira passada (14), após a revelação de que ele comandava um gabinete dentro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que produzia relatórios "informais" contra apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, comentaristas políticos de direita e veículos de imprensa.
Além da adulação a Moraes, chamou a atenção da oposição outro aspecto daquela sessão plenária: o silêncio dos ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques.
Indicados por Bolsonaro para o STF, ambos eram vistos como esperança de contraponto à tendência de ativismo judicial e aos abusos da Corte contra a direita. A sessão da semana passada mostrou que ambos estão longe de assumir esse papel.
Desde que ingressaram no Supremo, tanto Mendonça como Nunes Marques chegaram a divergir pontualmente dos outros ministros em alguns julgamentos que afetavam a direita. A competência do Supremo para julgar os casos dos presos do 8 de janeiro, por exemplo, já foi contestada por ambos no plenário.
Em maio de 2023, Mendonça entrou em conflito com Moraes por uma divergência no julgamento do indulto concedido por Bolsonaro ao ex-deputado Daniel Silveira. O ministro - chamado por Bolsonaro de "terrivelmente evangélico" - também discordou de Moraes em maio de 2024 ao votar pela manutenção de uma resolução do Conselho Federal da Medicina (CFM) que proibia a assistolia fetal.
Em geral, contudo, os dois têm sido votos vencidos nas raras vezes em que decidem divergir dos outros ministros. Além disso, são criticados por membros da oposição por não aproveitarem as sessões para alçar a voz contra abusos, especialmente do ministro Alexandre de Moraes.
O que Mendonça e Nunes Marques poderiam fazer contra Moraes?
Na prática, Mendonça e Nunes Marques poderiam fazer algo contra os abusos de Moraes?
Para Alessandro Chiarottino, doutor em Direito Constitucional pela USP, ambos "têm feito pouco, de fato"; mas, para agir contra os abusos, precisariam da concordância da maioria dos membros do STF.
"E a gente sabe que não existe essa maioria. Ao contrário, a maioria é favorável ao Moraes", diz. "O que eles poderiam ter feito seria uma oposição de cunho jurídico, político, ético até. Mas nada além disso."
Já para a consultora jurídica Katia Magalhães, os outros ministros têm responsabilidade sobre o caso e deveriam agir pedindo investigação.
Em primeiro lugar, ela diz que as manifestações dos ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e do próprio Alexandre de Moraes durante a sessão do STF, sustentando a legalidade do gabinete "fora do rito" no TSE, são em si mesma uma violação da Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN).
"Barroso e Gilmar prejulgaram assunto que pode vir a ser judicializado e encaminhado à sua apreciação, se, com base nas reportagens, vier a ser aberto um inquérito, e se a PGR vier a ingressar com uma denúncia contra Moraes por indícios da prática de crimes comuns", afirma. Moraes, por sua vez, também estaria impedido de falar em juízo sobre um caso que envolve sua própria pessoa.
Num caso como esse, segundo a jurista, caberia aos outros ministros, como Kassio Nunes Marques e André Mendonça, "uma manifestação de repúdio público às falas impróprias de seus colegas".
Além disso, segundo ela, "integrantes do Supremo poderiam, e deveriam ter tomado medidas práticas em relação ao assunto, pelo menos desde a primeira publicação dos documentos da Folha".
"Na qualidade de magistrados e de cidadãos, poderiam ter requisitado à Polícia Federal a instauração de inquérito para a apuração das condutas de Moraes e de seus juízes auxiliares no TSE", esclarece ela.
Na visão da jurista, os ministros deveriam ter feito isso. Ela recorda o artigo 102 da Constituição, segundo o qual compete ao STF o papel de processar e julgar seus próprios ministros em infrações comuns e nos crimes de responsabilidade.
"Por consequência, a Constituição impõe a cada magistrado de cúpula a obrigação de cuidado, proteção e vigilância da própria ordem constitucional do país, transformando-o em autêntico garante que os princípios contemplados pela Constituição não venham a ser infringidos", afirma.
"Os princípios constitucionais da inércia do Judiciário e da imparcialidade da magistratura parecem ter sido diretamente afrontados por Moraes, razão pela qual cada um de seus dez colegas teria tido a obrigação de acionar o aparato policial", acrescenta.
Magalhães lembra ainda o artigo 13 do Código Penal, sobre "a omissão daqueles que poderiam e deveriam ter agido para evitar o resultado danoso".
"Com base nesse dispositivo, os pares de Moraes – todos garantes das normas da Constituição – poderiam e deveriam ter atuado para evitar a continuidade de resultados catastróficos, tais como a manutenção de prisões ilegais, de ordens de censura e de bloqueios de ativos financeiros. Quem cala, consente. Em âmbito criminal, a inação de ministros garantidores da Constituição não implica em mero consentimento; também contribui para a permanência dos danos, sendo passível de acarretar a responsabilização dos omissos", afirma.
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