O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta segunda (5) uma investigação da ong Transparência Internacional no âmbito da Operação Lava Jato, em que a organização iria gerir recursos provenientes do acordo de leniência firmado pelo grupo J&F.
De acordo com o despacho de Toffoli a que a Gazeta do Povo teve acesso, que corre em sigilo, a ong iria administrar R$ 2,3 bilhões em recursos voltados a “investimentos sociais [...] sem que se submeta aos órgãos de fiscalização e controle do estado”.
Na decisão, Toffoli afirmou ser “duvidosa a legalidade de previsão da criação e constituição de fundação privada para gerir recursos derivados do pagamento de multa às autoridades brasileiras” que seriam destinados a um fundo a ser criado por lei do Congresso Nacional. Esse fundo foi sugerido pelo então procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, para gerir parte dos recursos das multas impostas às empresas que firmaram acordos.
"Conforme registrado no ato [do acordo de leniência, em 2017], os procuradores da República signatários determinaram a expedição de ofício a J&F, para 'que comece imediatamente a execução dos projetos sociais pactuados no acordo de leniência respeitadas as melhores práticas indicadas pela Transparência Internacional'", reproduziu Toffoli no despacho.
Toffoli também relatou no despacho que a Transparência Internacional "é uma organização não governamental (ONG) internacional sediada em Berlim. Cuida-se de instituição de natureza privada cuja fiscalização escapa da atuação do Ministério Publico Federal", o que gerou o primeiro questionamento do ministro Alexandre de Moraes, em 2019, que deu origem ao pedido de investigação desta segunda (5).
“Tal providência faz-se necessária especialmente para investigar eventual apropriação indevida de recursos públicos por parte da Transparência Internacional e seus respectivos responsáveis, sejam pessoas públicas ou privadas”, escreveu o magistrado no despacho.
Toffoli determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) instaure um processo na Corregedoria do Ministério Público Federal para “averiguar o cumprimento de regras gerais relativas a tratativas e negociações internacionais por parte dos membros integrantes da força-tarefa da Lava Jato”, além de acompanhar o próprio cumprimento do acordo de leniência entre a promotoria e a J&F.
Ele ainda determinou que o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) também tenham acesso ao que for apurado pelos órgãos.
No final do ano passado, Toffoli beneficiou a J&F com a suspensão do pagamento da multa de R$ 10,3 bilhões imposta ao grupo em decorrência da Operação Greenfield, seguindo a mesma alegação de que a empresa teria sido pressionada de forma abusiva pelo Ministério Público Federal a fazer o acordo. A J&F usou a mesma pecha de perseguição e parcialidade colocada por políticos sobre a Lava Jato para obter o benefício.
Transparência internacional nega relação com o acordo
O diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, disse no começo da tarde que recebeu "com espanto" o pedido de investigação feito por Dias Toffoli, afirmando que não manteve nenhum tipo de tratativa com o MPF sobre o acordo de leniência feito pela J&F.
"A Transparência Internacional jamais recebeu, receberia ou receberá qualquer recurso do acordo de leniência da J&F ou de qualquer outro acordo de leniência no Brasil", disse em entrevista à GloboNews e confirmado depois em nota à Gazeta do Povo (veja mais abaixo).
Brandão afirmou, ainda, que chegou a ser procurado pela J&F em 2017 para dar encaminhamento aos R$ 2,3 bilhões do acordo para a realização de ações anticorrupção, mas a ong teria se negado a receber os recursos como conta em documentos que, diz, não foram sequer citados por Toffoli na decisão.
Já o ex-procurador Deltan Dallagnol afirmou que não participou da elaboração deste acordo e que a fundação que receberia os recursos foi considerada legal e legítima por nove órgãos "em geral melhor informados, experientes e capacitados do que o STF (que suspendeu a fundação) no tema anticorrupção", entre eles a Câmara de Combate à Corrupção do MPF, Justiça Federal, Justiça Federal, procuradores do grupo da Lava Jato da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, Corregedoria da Justiça Federal da 4ª Região, Corregedoria do Ministério Público Federal e Corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público.
"A Transparência Internacional foi extremamente crítica às decisões de Toffoli que favorecem as empresas que praticaram corrupção", disse ressaltando que "graças às decisões do ministro Toffoli, o Brasil se torna um cemitério de provas de crimes que geraram miséria, violência e sofrimento humano em mais de uma dezena de países da América Latina e África". Ele lembra, ainda, que "a esposa de Toffoli é advogada da J&F, favorecida em bilhões pela decisão do ministro", pontuou.
Ainda segundo Dallagnol, "o acordo entre MPF e J&F ia na mesma linha, seguindo igualmente as melhores práticas internacionais e nacionais e prevendo uma série de regras de controle, fiscalização e governança para garantir que o dinheiro fosse empregado em favor da sociedade e sem qualquer tipo de benefício a partes relacionadas".
A Gazeta do Povo procurou também a J&F para comentar a decisão e aguarda retorno.
Veja o que diz a Transparência Internacional sobre o pedido de investigação feito por Dias Toffoli:
Em resposta à decisão do min. Dias Toffoli divulgada hoje, a Transparência Internacional – Brasil esclarece, mais uma vez, que são falsas as informações de que valores recuperados através de acordos de leniência seriam recebidos ou gerenciados pela organização.
A Transparência Internacional jamais recebeu ou receberia, direta ou indiretamente, qualquer recurso do acordo de leniência do grupo J&F ou de qualquer acordo de leniência no Brasil. A organização tampouco teria – e jamais pleiteou – qualquer papel de gestão de tais recursos. Através de acordos formais e públicos, que vedavam explicitamente o repasse de recursos à organização, a Transparência Internacional – Brasil produziu e apresentou estudo técnico com princípios, diretrizes e melhores práticas de transparência e governança para a destinação de “recursos compensatórios” (multas e recuperação de ativos) em casos de corrupção. [1]
O relatório incluía recomendação de que o Ministério Público não deveria ter envolvimento na gestão destes recursos. O estudo e as recomendações não tiveram e não têm qualquer caráter vinculante ou decisório. O Memorando de Entendimento [2] que estabeleceu esta cooperação expirou em dezembro de 2019 e não foi renovado, encerrando qualquer participação da Transparência Internacional. Tais alegações já foram desmentidas diversas vezes pela própria Transparência Internacional [3] e por autoridades brasileiras, inclusive pelo Ministério Público Federal. [4]
Apesar disso, estas fake news vêm sendo utilizadas há quase cinco anos em graves e crescentes campanhas de difamação e assédio à organização. Reações hostis ao trabalho anticorrupção da Transparência Internacional são cada vez mais graves e comuns, em diversas partes do mundo.
Ataques às vozes críticas na sociedade, que denunciam a corrupção e a impunidade de poderosos, não podem ser naturalizados.
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