Ao se despedir da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) no próximo dia 10, o ministro Dias Toffoli deixará como legado um histórico de polêmicas, como o inquérito das fake news e processos licitatórios pouco populares, como o relacionado à aquisição de lagostas. Do outro lado, deixará uma Corte mais unida internamente e o menor acervo processual dos últimos 20 anos.
Toffoli foi o ministro mais jovem a chegar ao STF e o mais novo a assumir posto de presidente da Corte. Quando se sentou na cadeira da presidência do Supremo, em setembro de 2018, Toffoli defendeu a harmonia e o respeito mútuo entre os poderes da República. “Não somos mais nem menos que os outros poderes”, disse em seu discurso de posse.
A prática, porém, foi um tanto quanto distinta da apregoada pelo próprio Toffoli naquela tarde de 13 de setembro. E um dos principais motivos foi o chamado inquérito das fake news, criticado, inclusive, por integrantes do próprio Supremo.
Em março de 2019, por meio de uma portaria e com base no artigo 43 do regimento interno do STF, Toffoli abriu um inquérito para investigar ameaças e ofensas à honra de membros da corte e de seus familiares. Desde então, o procedimento investigatório é conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes.
Em junho desse ano, o STF ratificou a legalidade do procedimento. Internamente, os próprios ministros reconhecem que foi adotado um expediente pouco ortodoxo para proteger a Corte e os ministros de ataques externos – principalmente por meio das redes sociais. Apesar disso, os integrantes da Corte são a favor do procedimento para, na visão deles, “resguardar a instituição”.
As polêmicas de Toffoli: fake news e lagostas
Desde quando foi instituída, a apuração das fake news foi contestada por juristas e políticos por ter sido instituída de ofício, sem a provocação da Procuradoria-Geral da República (PGR); por não ter fato determinado, nem prazo de conclusão. O próprio procurador-geral da República, Augusto Aras, já apresentou duas manifestações distintas sobre a investigação. Em outubro do ano passado, defendeu a “atuação legítima do Supremo”; em maio desse ano, afirmou que o inquérito exorbitou limites.
Em aproximadamente um ano e meio de tramitação, o inquérito das fake news foi responsável por censurar uma reportagem; por permitir a devassa de informações bancárias de críticos ao Supremo; por realizar buscas e apreensões contra militantes bolsonaristas e deputados que manifestaram apoio ao governo e até pela prisão de apoiadores.
A amplitude da investigação foi tanta que nos corredores do STF, o inquérito foi apelidado de "investigação Bombril" – com 1.001 utilidades. “Eu fui investigado simplesmente por ter dito que Bolsonaro tem razão. É inacreditável”, critica um dos vice-líderes do governo, deputado José Medeiros (Podemos-MT).
Em entrevista coletiva concedida na última sexta-feira (4), Toffoli disse que abrir o inquérito foi “a decisão mais difícil” de sua gestão e que a história vai mostrar o papel desta investigação na defesa da democracia brasileira.
“Foi a decisão mais difícil da minha gestão a abertura desse inquérito. Mas ali já vínhamos vivendo algo que vinha ocorrendo em outros países, o início de uma política de ódio plantada por setores que queriam, e querem, destruir instituições, que querem o caos”, afirmou.
"Isso [política de ódio] está sendo combatido e vai ser combatido porque nós não podemos deixar o ódio entrar em nossa sociedade, não podemos deixar o caos entrar em nossa nação”, disse o presidente do STF.
Esta, porém, não foi a única polêmica relacionada à condução de Toffoli à frente da Corte. Se a sua antecessora, a ministra Cármen Lúcia, tinha como bandeira a contenção de gastos públicos – tanto que durante sua posse, ela não deu festas, ofereceu apenas café e água aos convidados –, Toffoli foi obrigado a dar várias explicações sobre os dispêndios do Supremo.
O mais famoso ocorreu em abril do ano passado, quando o STF resolveu abrir um processo licitatório para a aquisição de refeições institucionais, que incluíam, no cardápio, lagostas, pratos à base de camarões, bacalhau, galinha d’Angola, champagnes, vinhos especiais e uísques 18 anos.
Houve outras tentativas de se fazer compras consideradas nababescas como a aquisição de lanches para o estafe do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em voos da Força Aérea Brasileira (FAB) e a restruturação técnica da TV Justiça. Mas essas aquisições, ao contrário da relacionada às lagostas, foram canceladas.
Aproximação de Toffoli com o presidente irritou outros ministros
Nestes dois anos, Toffoli buscou uma aproximação com o presidente da República, Jair Bolsonaro, em nome da estabilidade institucional. Porém, a forma como Toffoli conduziu crises entre o Supremo e o Palácio do Planalto foi criticada internamente pelos outros ministros.
Um episódio foi simbólico. Em 7 de maio, Bolsonaro visitou Toffoli na sede do STF, acompanhado de empresários e do ministro da Economia, Paulo Guedes, com o intuito de pressionar o Supremo a apoiar medidas de abertura da economia durante a pandemia do coronavírus.
O encontro não estava na agenda e o presidente da República seguiu a pé em direção ao Supremo. Ministros da Suprema Corte criticaram Toffoli por ter recebido o presidente naquela circunstância. Na visão dos integrantes do STF, Bolsonaro quebrou a liturgia e o gesto foi visto como uma tentativa de emparedar a Corte.
Além disso, fontes ligadas aos ministros admitiram à Gazeta do Povo que o fato de Toffoli não ter dado uma resposta ao presidente da República quando Bolsonaro tentou utilizar-se de decisões do Supremo em favor dos estados para tentar isentar a responsabilidade do governo federal em ações de contenção da Covid-19 gerou mal-estar entre os integrantes da Corte.
Esse tipo de resposta coube, por exemplo, ao ministro Luiz Fux, que será o próximo presidente do STF. “O que serve para a União, não serve para municípios. A União federal continua com a sua responsabilidade”, disse Fux em junho deste ano.
Na entrevista da última sexta-feira, Toffoli fez elogios a Bolsonaro e disse que nunca "viu da parte do presidente nenhuma atitude contra a democracia". "Meu diálogo com ele sempre foi direto, sempre foi franco, sempre foi respeitoso", afirmou.
"Tive um diálogo com ele intenso no sentido de manter a independência entre os poderes e fazer ele compreender que cabe ao Supremo declarar inconstitucionais determinadas normas, porque essa é nossa função e a dele é respeitar — e ele respeitou ao fim e ao cabo", completou Toffoli.
Ministro deixa o STF com o menor acervo processual
Apesar das polêmicas, Toffoli deixará a presidência da Corte com o menor acervo processual dos últimos 20 anos. Hoje, o Supremo tem pendentes de julgamento um total de 28,6 mil processos – uma queda de 8,5% em comparação com o acervo processual de 31 de dezembro do ano passado. Em 31 de dezembro de 2018, o STF contabilizava 37,2 mil processos em tramitação.
Apesar disso, o STF ainda tem vários desafios como a redução da taxa de congestionamento processual (índice que mede a efetividade do tribunal) e a diminuição do tempo de tramitação de cada ação que chega ao Supremo. Hoje, o STF tem taxa de congestionamento de 40%, pouco maior que a meta de 39%. Porém, a média de análise de um processo hoje no Supremo é de 366,2 dias; a meta é que as ações fiquem no Supremo em um período inferior a 519 dias.
Esse desempenho é resultado da combinação de alguns fatores, como a modernização administrativa, a adoção da chamada repercussão geral para processos com um mesmo objeto e o aumento de processos que foram julgados por meio do Plenário Virtual do Supremo.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF
Deixe sua opinião