Ouça este conteúdo
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o pagamento da multa de R$ 3,8 bilhões (valor que ainda resta a pagar do total de 8,5 bilhões) imposta à empreiteira Odebrecht após o acordo de leniência firmado no âmbito das investigações da Operação Lava Jato. A suspensão ocorre após um pedido feito pela nova controladora do grupo, a Novonor.
A decisão ocorre cinco meses depois do próprio ministro anular todas as provas colhidas após o acordo e que foram levantadas nos sistemas Drousys e My Web Day B e das evidências encontradas durante a Operação Spoofing, que descobriu uma organização que invadiu contas de Telegram de autoridades brasileiras e de pessoas relacionadas à Operação Lava Jato -- o caso ficou conhecido como "vaza jato".
Na decisão proferida na quarta (31) e tornada pública nesta quinta (1º), e que a Gazeta do Povo teve acesso, Toffoli afirma que as informações obtidas até o momento pela Operação Spoofing apontam que havia um “conluio entre o juízo processante e o órgão de acusação” para conduzir a investigação que “conviesse a tais órgãos, e não à defesa em si”.
Toffoli se refere a mensagens atribuídas ao ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR), ao ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol e a outros membros da força-tarefa da Lava Jato.
“Tenho que, a princípio, há, no mínimo, dúvida razoável sobre o requisito da voluntariedade da requerente ao firmar o acordo de leniência com o Ministério Público Federal que lhe impôs obrigações patrimoniais, o que justifica, por ora, a paralisação dos pagamentos, tal como requerido pela Novonor”, escreveu Toffoli.
Dias Toffoli afirmou, ainda, que “existem mensagens em que o ex-Procurador Deltan Dallagnol antecipa informações de cunho confidencial e de forma extraoficial ao ex-Juiz Sérgio Moro a respeito das apurações relacionadas a executivos da Novonor. Nesta mesma ocasião, o ex-juiz Sérgio Moro ainda instruiu o membro da Força Tarefa da Operação Lava Jato a fazer um pedido de prisão do investigado em questão [Fernando Migliaccio da Silva, ex-executivo da Odebrecht]”.
Ainda de acordo com Toffoli, a Odebrecht/Novonor pode pedir uma reavaliação dos termos do acordo de leniência à Procuradoria-Geral da República (PGR), à Controladoria-Geral da União (CGU) e à Advocacia-Geral da União (AGU) “possibilitando-se a correção das ilicitudes e dos abusos identificados, praticados pelas autoridades do sistema de Justiça”.
"Deve-se oferecer condições à requerente [Novonor] para que avalie, diante dos elementos disponíveis coletados na Operação Spoofing, se de fato foram praticadas ilegalidades", completou o ministro em nota através da assessoria de imprensa.
À Gazeta do Povo, Moro afirmou que a Lava Jato foi reconhecida nacional e internacionalmente como uma das maiores operações de combate à corrupção no mundo, e que "não houve qualquer ação ilícita".
"O acordo de colaboração da Odebrecht foi homologado pelo Conselho Superior do MPF e teve depois reconhecida sua validade pela DPU/CGU. Saliente-se que, paralelamente, dezenas de acordos de colaboração celebrados com executivos da Odebrecht foram homologados pelo próprio STF", pontuou.
Já Deltan Dallagnol rebateu a decisão e afirmou que o acordo de leniência da Odebrecht foi firmado em conjunto com autoridades do Brasil, Estados Unidos e Suíça e que a companhia confessou os crimes cometidos, admitindo “ter pago subornos em mais de 10 países da América Latina”.
“O Departamento de Justiça dos Estados Unidos chamou o caso Odebrecht de ‘maior caso de suborno estrangeiro da história’. O Brasil é oficialmente o paraíso da corrupção”, disparou.
A Novonor foi procurada pela Gazeta do Povo para comentar a decisão e afirmou que não vai se pronunciar.
Segunda multa suspensa por Toffoli
A decisão tomada por Toffoli nesta quinta (1º) é a segunda de acordos de leniência firmados no âmbito das investigações da Operação Lava Jato. No final do ano passado, ele suspendeu o pagamento da multa de R$ 10,3 bilhões imposta ao grupo J&F em decorrência da Operação Greenfield.
A J&F foi envolvida, ainda, nas operações Sépsis, Cui Bono e Carne Fraca, e celebrou o acordo de leniência em 2017. Toffoli justificou a decisão ao afirmar que existe uma “dúvida razoável” sobre a natureza voluntária do acordo firmado.
Assim como na decisão favorável à Odebrecht/Novonor, Toffoli afirmou que “teria havido conluio” entre Moro e os procuradores do MPF. Ele ainda concedeu acesso aos arquivos de mensagens vazadas entre autoridades e membros da Lava Jato.
Toffoli ignorou parecer da PF sobre provas
Na decisão, Toffoli desconsiderou um laudo de 321 páginas da Polícia Federal que atestava a integridade dos dados entregues pela empresa ao Ministério Público Federal (MPF) em 2017. As informações contidas nesses documentos envolviam pagamentos de propina a centenas de políticos, lobistas e doleiros.
O laudo, elaborado em 2018, foi requisitado por Moro para certificar a validade das provas em um dos processos contra o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O petista era acusado de corrupção e lavagem de dinheiro relacionados à doação de um terreno pela Odebrecht ao Instituto Lula.
A decisão de Toffoli também gerou preocupação na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado “clube dos ricos” que o Brasil almejava entrar durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Um grupo de trabalho da organização esteve no Brasil no ano passado e constatou que, das 60 denúncias de suborno estrangeiro identificadas desde o início da Lava Jato em 2014, apenas 28 foram efetivamente investigadas.
Em suas conclusões, os examinadores da OCDE expressaram preocupação com a possibilidade de o Brasil ter negligenciado ou subutilizado documentos importantes durante as investigações, incluindo relatórios corporativos, encaminhamentos de autoridades estrangeiras e informações compiladas pelo grupo.
A entidade alertou para a necessidade de o Brasil aprimorar seus esforços de detecção e engajamento entre agências governamentais, destacando a importância de ser mais proativo na detecção e reação a alegações de suborno estrangeiro de outras fontes.