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R$ 3,8 bilhões em três páginas

Toffoli usou citações em 95% da decisão que suspendeu multa da Odebrecht

"Dúvida razoável" levou Dias Toffoli a suspender multa de R$ 3,8 bilhões da Odebrecht (Foto: Antonio Augusto/SCO/STF)

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Ao suspender o pagamento de R$ 3,8 bilhões devidos pela Odebrecht em seu acordo de leniência, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), usou o espaço de três páginas inteiras para explicar e fundamentar sua decisão. Trata-se de 5% de um documento com 62 folhas, quase todo preenchido com alegações do grupo e citações de outras decisões do STF.

Ao analisar o pedido, o ministro apenas narrou, num parágrafo, que, no mesmo processo, já havia compartilhado com diversos órgãos e réus o material apreendido com hackers que invadiram celulares e roubaram mensagens de procuradores da Lava Jato. Em outra página, comunicou que faria o mesmo em favor da Odebrecht e que suspenderia a multa por considerar que um acordo de leniência “deve ser produto de uma escolha com liberdade”.

"Com efeito, é manifestamente ilegítima, por ausência de justificação constitucional, a adoção de medidas que tenham por finalidade obter a colaboração ou a confissão, a pretexto de sua necessidade para a investigação ou a instrução criminal”, escreveu em outro trecho da mesma página, citando, em seguida, precedentes do STF que reprovam confissões forçadas.

Só na penúltima e última página da decisão, Toffoli faz uma síntese das alegações da Odebrecht – de que teria ocorrido pressão sobre a empresa, por parte da força-tarefa do Ministério Público Federal e conluio dos procuradores com o ex-juiz Sergio Moro – para avaliar que haveria uma “dúvida razoável” sobre a voluntariedade na pactuação do acordo por parte dos executivos, justificando, assim, a necessidade de paralisar os pagamentos.

“Ora, diante das informações obtidas até o momento no âmbito da Operação Spoofing, no sentido de que teria havido conluio entre o juízo processante e o órgão de acusação para elaboração de cenário jurídico-processual-investigativo que conduzisse os investigados à adoção de medidas que melhor conviesse a tais órgãos, e não à defesa em si, tenho que, a princípio, há, no mínimo, dúvida razoável sobre o requisito da voluntariedade da requerente ao firmar o acordo de leniência com o Ministério Público Federal que lhe impôs obrigações patrimoniais, o que justifica, por ora, a paralisação dos pagamentos, tal como requerido pela Novonor [novo nome da Odebrecht]”, escreveu o ministro.

“Com efeito, o quadro revelado na inicial confere plausibilidade suficiente às teses levantadas, além de indicar identidade ou semelhança entre as premissas adotadas na decisão por mim proferida na RCL 43.007 e as que se verificam no presente caso, notadamente para fins de aplicação do poder geral de cautela”, completou Toffoli em seguida.

Resume-se a isso, praticamente, o entendimento do ministro, que, em dezembro, já havia tomado decisão semelhante, e em termos quase idênticos, em favor da J&F, suspendendo a multa de R$ 10,3 bilhões que o grupo havia se comprometido a pagar em acordo de leniência.

A brevidade da fundamentação chamou a atenção de procuradores. “Das 62 pgs, sobra uma e meia de fundamentação e nelas não se demonstra causa e efeito entre o que se obteve de gravação na Vaza Jato e a suposta ausência de voluntariedade no acordo. Não entendi a lógica…”, reparou, numa postagem no X, o procurador do MP do Paraná Rodrigo Chemin, que acompanhou de perto a Lava Jato.

Na decisão, Toffoli liberou as mensagens hackeadas para a Odebrecht – 7 terabytes de dados – para que os advogados analisem as conversas para provar, se de fato, o conluio e a alegada parcialidade dos procuradores e de Sergio Moro feriram a voluntariedade dos executivos. O mesmo foi dado aos defensores da J&F e provavelmente será feito com Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, e que já pediu ao ministro para suspender o pagamento de R$ 45 milhões, estipulado como multa em seu acordo de delação.

A sequência de pedidos, seguidos de decisões favoráveis de Toffoli, anima outros réus que confessaram corrupção na Petrobras e em outras estatais. Após a decisão favorável à Odebrecht, entraram com pedidos de anulação das acusações o lobista João Augusto Rezende Henriques e o operador Lúcio Funaro.

O que disse, afinal, a Odebrecht?

Toffoli dedicou 48 páginas de sua decisão para reproduzir, entre aspas, as alegações da Odebrecht. O grupo relata inicialmente como se deram as negociações para aderir ao acordo de leniência, destacando várias decisões de Moro que determinaram a prisão de executivos, incluindo de Marcelo Odebrecht, então presidente da companhia.

Os fatos são apresentados de forma dramática, levando a crer que houve uma pressão indevida, por meio de operações de busca e apreensão, para forçar a Odebrecht a colaborar com as investigações. “Apesar das negociações em andamento, as medidas persecutórias continuaram. Em 19 de outubro de 2016, quase um mês antes da adesão das pessoas físicas ao Acordo de Confidencialidade, o então Presidente da Companhia foi alvo de um terceiro mandado de prisão preventiva pelo ex-Juiz Sérgio Moro”, destacam os advogados.

Em seguida, a defesa da companhia reproduz uma parte considerável do pedido de suspensão da multa apresentado pela J&F, na qual este grupo alega ter sido vítima das mesmas pressões exercidas pela Odebrecht – embora tivessem sido investigadas em operações distintas, por outros procuradores. Como Toffoli já havia decidido em favor da holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, a repetição do que a defesa deles apresentou reforçou o pedido.

“A J&F, assim como a Odebrecht, foi, também, vítima do ‘pau de arara do século XXI’ e do ‘cover-up de combate à corrupção’ que eram as operações que culminaram no acordo de leniência da Requerente. Ou seja, a J&F e a Odebrecht estão em igual situação, o que justifica o presente pedido de extensão”, dizia a J&F, reproduzindo por sua vez, expressões cunhadas pelo próprio Toffoli em setembro, quando anulou as provas entregues pela Odebrecht – nesta decisão, ele escreveu também que a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria sido um dos maiores erros judiciários da história do país.

A petição da Odebrecht passa então a descrever pejorativamente métodos da Lava Jato: prisões preventivas com “longos lapsos temporais”, “penas privativas de liberdade altíssimas”, “instrumentalização da mídia”, “pressão sobre o Poder Judiciário” e “técnicas inquisitórias de condução processual”.

Depois há um longo trecho de reprodução de mensagens trocadas entre os procuradores da força-tarefa que, na visão da defesa, demonstrariam a coação do MPF para fechar o acordo de leniência. “As mensagens a que a Requerente já teve acesso no âmbito da Operação Spoofing revelam um cenário preocupante e digno da intervenção deste E. STF, caracterizado pela parcialidade na atividade jurisdicional, por abusos nas 'estratégias de inteligência' da Força Tarefa e atuação orquestrada das autoridades para promover a ruína econômica de uma das maiores companhias brasileiras do setor de infraestrutura”, diz.

Parte dos supostos diálogos – a integridade e autenticidade das mensagens nunca foram atestadas pela Polícia Federal – trata sobre a obtenção dos sistemas Drousys e MyWebDay, usados para registrar os pagamentos de propina e obtidos junto à Suíça. A defesa da Odebrecht sustenta que as tratativas com as autoridades estrangeiras foram irregulares, porque não teriam passado pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, e que oficialmente faz as parcerias de investigação internacional entre o Brasil e outros países.

Na época, procuradores da Lava Jato apresentaram o pedido de obtenção junto ao órgão, mas segundo a Odebrecht, as mensagens mostrariam que eles conseguiram algumas partes antes, em contatos diretos com autoridades do MP suíço.

Outra parte das mensagens destacadas indica conversas em que os procuradores montam estratégias, principalmente para garantir a participação de Emílio Odebrecht, pai de Marcelo Odebrecht e ex-presidente, nos acordos de delação premiada.

Na última parte citada por Toffoli, a Odebrecht acusa o MPF de não cumprir com sua parte no acordo, qual seja, de evitar que novas multas, de MPs estaduais e o Tribunal de Contas da União (TCU). Além disso, a companhia alega que as dificuldades econômicas do país nos últimos anos esfriaram o mercado, impedindo que as empresas do grupo conseguissem lucrar e, assim, honrar com os pagamentos, a ponto de entrar em recuperação judicial.

“Conquanto a projeção do fluxo de caixa da Companhia tenha, em tese, se baseado em expectativas existentes à época, diversos fatores alheios à gestão do Grupo prejudicaram significativamente as suas finanças, merecendo destaque: (i) o crescimento econômico aquém das expectativas no Brasil e em outros mercados relevantes de atuação do Grupo; e (ii) a abrupta redução da demanda dos setores público e privado no Brasil, especialmente nos mercados de construção civil, infraestrutura transporte e mobilidade, inclusive como decorrência da Operação Lava Jato, cuja inércia no cumprimento das garantias oferecidas no Acordo apenas agravou a desejada retomada empresarial”, diz a petição.

No final da decisão, Toffoli não fixou um prazo para a Odebrecht analisar os arquivos da Operação Spoofing – que apreendeu o material dos hackers – nem para rever seus acordos com os órgãos federais. Com isso, não há previsão de julgamento do mérito da ação – o cancelamento ou redução da multa – pelo plenário do STF. Entre advogados e no mercado, é dado como certo que o pagamento não será mais retomado.

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