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Uma porção do Brasil começou falar o dialeto da Calábria. As mais recentes investigações da polícia estadual da Itália apontam que integrantes da ‘Ndrangheta, a mais poderosa mafia italiana, fizeram acordos com as facções paulistas para negociar cocaína.
A investigação ainda apura quais são os níveis das relações da ‘Ndrangheta com o PCC, mas tudo indica que a máfia mais poderosa da Itália acredita que o Brasil é a nova Colômbia.
O personagem mais importante nos processos da Justiça italiana é Nicola Assisi, preso com o filho Patrick em julho de 2019 no litoral de São Paulo. A sentença contra o clã indica que Assisi “dirige e organiza” um grupo que opera entre Turim e a Calábria e mantém relações com os traficantes sul-americanos.
Ele é apontado como broker: compra cocaína na América Latina e leva para a Itália. É quando entra em ação Antonio Agresta, afiliado ao grupo da máfia italiana que controla o Noroeste do país. Também ele é expoente do clã Assisi, que “tem os contatos com os compradores da Calábria”, como mostra a investigação.
Por que a máfia italiana está de olho no Brasil?
O clã Assisi tentou entrar em contato com traficantes peruanos e colombianos, mas, como está escrito na sentença do Supremo Tribunal italiano, “eles não tinham dado garantias suficientes”. Por essa razão, o grupo fez um acordo com facções brasileiras, consideradas mais confiáveis do que seus concorrentes sul-americanos, afirmaram os membros do grupo de Assisi.
Os documentos processuais italianos assinalam que os traficantes brasileiros estavam dispostos a emprestar um avião Falcon 50 ao clã, para transportar cocaína para a Itália. De acordo com o Ministério Público de Turim, Assisi conseguiu importar quase 800 quilos da droga entre maio e setembro de 2014.
As autoridades brasileiras acreditam que os fornecedores do clã italiano são integrantes do PCC, a principal facção que atua dentro e fora dos presídios de São Paulo. Criminosos aliados a Marcos Willians Herbas Camacho – o Marcola, líder do PCC – importam cocaína da Colômbia, pela proximidade com o clã do Golfo e da Bolívia, onde o traficante paulista Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho do PCC, domina a área de Santa Cruz de la Sierra.
É aí que um advogado conhecido por prestar serviços ao PCC se aproxima dos italianos que viveram no Brasil. Patrick Assisi, o filho de Nicola, contatou Eugenio Malavasi para gerenciar sua extradição para a Itália. O mesmo defensor já havia prestado, juntos com outros colegas, assistência a alguns integrantes da facção paulista e também a Bodizar Kapetanovic, broker do clã Saric, enviado ao Brasil para comprar lotes de cocaína do PCC, em nome de seu chefe Darko.
O clã Pelle Vottari e seu acordo com traficantes brasileiros
As investigações da Polícia Federal confirmaram o que a apuração italiana descobriu e acrescentaram novas evidências da relação entre algumas famílias de 'Ndrangheta e o PCC. Em setembro de 2019, André de Oliveira Macedo – conhecido como André do Rap, que também atuou como agente de jogadores e artistas brasileiros – foi preso no Rio de Janeiro por suspeita de ser integrante da facção paulista.
Os investigadores acreditam que ele pode ser a personagem que comandava o esquema de envio de drogas do PCC à Itália. A PF suspeita que ele era o supervisor do porto de Santos, o principal ponto de partida da droga para a Europa e África.
A importância estratégica de Santos é expressa por criminosos de São Paulo que Domenico Pelle, filho de Antonio e integrante do clã Pelle Vottari, contata para organizar uma importação de cocaína. “É mais fácil usar o porto de Santos para eles. O navio chega, carrega e vai embora”, relata Domenico, em uma interceptação.
Para “começar esta colaboração” com a ‘Ndrina (o nome usado para indicar uma família de ‘Ndrangheta), os traficantes paulistanos fazem alguns testes para ver se os calabreses conseguem recuperar a droga no porto de Gioia Tauro, a principal porta de entrada da cocaína na Europa.
Os contatos entre os criminosos brasileiros e os homens da ‘Ndrangheta foram facilitados por outros dois italianos que moravam no Brasil. As investigações da policia estadual da Itália ainda não conseguiram identificar essas duas personagens.
As negociações sempre ocorrem em uma situação de igualdade entre os dois grupos. No momento da entrega do dinheiro, os traficantes informaram a Pelle o número de identificação do contêiner onde a cocaína estava escondida. Domenico Pelle, mostra a investigação da polícia italiana, fez duas viagens ao Brasil, entre 2016 e 2017, para acertar diretamente o envio da droga com os traficantes do litoral paulista.
Os juízes italianos, na sentença que levou o jovem chefe do clã para a cadeia, não conseguiram entender se os traficantes brasileiros eram integrantes do PCC, mas os documentos processuais sublinham “uma soldagem criminal atual entre as famílias da ‘Ndrangheta e os clãs da máfia de outras áreas”.
Fontes da Polícia Federal, como relatado pelo Insight crime, argumentam que os Pelle encontraram os representantes do PCC. Em uma dessas reuniões, Fuminho, o braço direito de Marcola, teria participado. Ele é o barão das drogas na Bolívia, onde mora protegido por alguns agentes corruptos da Polícia Nacional.