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Análise

Tragédia do RS expõe cinco fragilidades do governo Lula 3

Presidente Lula com Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, na quinta (2).
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o governador Eduardo Leite (PSDB), na primeira visita ao Rio Grande do Sul após as cheias históricas: problemas expostos na crise. (Foto: Foto: Ricardo Stuckert / PR)

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Duas semanas após a devastadora tragédia que assola o Rio Grande do Sul, as águas das enchentes históricas ainda não baixaram, mas já se tornaram um espelho das principais fraquezas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ampliando a pressão sobre elas.

A incapacidade de controlar as finanças públicas, as falhas na comunicação, a falta de articulação política, a ineficiência da equipe ministerial e a persistente aposta na polarização ideológica foram claramente expostas na calamidade gaúcha, obrigando o Palácio do Planalto a lidar com esses problemas e a sair em busca de soluções.

Em meio a hesitações, recuos e embates com opositores e críticos da atuação do setor público na tragédia gaúcha, o governo tem tentado controlar a narrativa nos últimos dias, destacando esforços para ajudar o Rio Grande do Sul.

Em acordos com o governador Eduardo Leite (PSDB) e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foram anunciadas medidas, sendo uma das principais um voucher de R$ 5,1 mil para 200 mil famílias atingidas, além da liberação antecipada de emendas parlamentares, saldos do Fundo de Garantia pelo Temo de Serviço (FGTS) e adiantamento de auxílios, como Bolsa Família.

No Congresso, após a oficialização da calamidade, foram adotadas medidas com destaque para a suspensão da dívida com a União por três anos, sem cobrança de juros, resultando em um alívio financeiro de R$ 23 bilhões, incluindo juros.

Todas as medidas tomadas, seja pela forma ou pelo tempo gasto para ser anunciada, servem para ilustrar as dificuldades que o governo acumula desde a posse de Lula. A maior delas e que pode interferir em todas as demais diz respeito ao desequilíbrio fiscal.

1. Conta do socorro ao RS desafia o rombo fiscal

Com a popularidade em queda e resistindo a adotar medidas de austeridade, o presidente da República permitiu que a dívida pública do país subisse mais de R$ 1 trilhão de reais no seu atual mandato.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), que é a responsável pelo Orçamento, alertou para a necessidade de ajustes para garantir recursos em caixa nos próximos anos. Logo nos primeiros dias da crise do Rio Grande do Sul ela pediu para esperar “a água abaixar” para se saber o real tamanho da conta de reconstrução do estado, o que provocou ruídos políticos.

Lula trabalhava com a perspectiva de queda consistente no preço dos alimentos em 2024. Mas a tragédia climática gaúcha levou economistas a rever previsões para cima, o que acionou o alarme sobre o risco de ampliação da impopularidade.

Com receio de pressão inflacionária extra sobre o arroz, do qual o Rio Grande do Sul responde por 70% da produção brasileira, o presidente tratou logo de viabilizar a importação de um milhão de toneladas do produto.

Parte da safra perdeu-se sob as águas, mas 80% já estava colhida. Outros itens cuja contribuição do Rio Grande do Sul na oferta nacional é relevante também estão sendo monitorados.

Ex-ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Pedro Malan apoiou Lula no segundo turno em 2022 e agora dá sinais de decepção. Em recente artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, ele lamentou que predomine no governo o pensamento econômico arraiado do PT, com excesso de obrigações impostas ao setor público, sem claras definições de prioridades.

“Ao dispersar demais suas atividades, o Estado fica suscetível a ceder a interesses isolados e a persistir em promessas que não pode cumprir”, anotou.

2. Falhas de comunicação seguem na crise gaúcha

O segundo problema do governo escancarado pelas chuvas no Rio Grande do Sul trata dos erros na comunicação com a sociedade, algo que se tornou queixa frequente do próprio Lula e favoreceu a saída honrosa do seu ministro da Secretaria de Comunicação (Secom), o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), nomeado secretário extraordinário para a reconstrução do estado.

Orientado por marqueteiros, o chefe do Executivo também tratou de tirar do ar a campanha “Fé no Brasil”, com mensagens de otimismo e elogiosas à sua gestão, para priorizar mensagens de apoio ao povo gaúcho.

Mas nesses dias, ele próprio cometeu deslizes verbais em suas manifestações e deu carta branca para o governo combater com investigações da Policia Federal críticas sobre sua atuação tidas como campanhas de desinformação.

3. Desarticulação política no Congresso sem sinais de melhora

Durante as tratativas com o Congresso para aprovar projetos de socorro ao Rio Grande do Sul, Lula precisou abrir linha direta de negociação com os presidentes das duas Casas legislativas, mas também foi favorecido pelo espírito de solidariedade e cooperação que embalou o país e os parlamentares.

Isso não impediu que deputados e senadores buscassem pegar carona nas mudanças na lei orçamentária e na moratória da dívida gaúcha em favor de seus redutos pelo país. Nem diminuiu a cobrança para que Lula cumpra os acordos que fez com líderes partidários, como os que garantiram a vota da cobrança do seguro para acidentes de trânsito (Dpvat).

A avaliação de analistas é que os articuladores do Planalto continuam limitados, sem garantias de evitar derrotas e oportunismos do Legislativo.

Se não bastasse o contexto já estabelecido, a posse de Pimenta como representante do Planalto no estado gerou mal-estar por sugerir apoio à sua candidatura ao governo estadual. Em entrevista ao jornal Correio da Bahia, o vice-presidente do União Brasil, ACM Neto, afirmou que Lula continua “preso no passado”.

“Também cheiram a mofo as ações de governo, suas práticas políticas e os seus projetos para o país”, disse o ex-prefeito de Salvador.

Para ele, o chefe do Executivo não soube fazer uma construção política mais ampla, preferindo reeditar a lógica do passado do “toma lá, dá cá”. O União Brasil tem três ministérios na Esplanada e há indicativos de que a sigla possa desembarcar da base de sustentação parlamentar da gestão petista.

4. Ineficiência da equipe ministerial tende a ficar mais exposta

As dificuldades de a equipe ministerial fazer entregas prometidas e esperadas por Lula já fomentaram tensões na Esplanada, como se evidenciou nas cobranças do presidente em cada vez mais frequentes reuniões.

Agora com seu 39º ministro, dedicado especialmente à tragédia gaúcha, Lula não só iguala o número de pastas ao do período Dilma Rousseff (PT). Ele expõe o time a mais críticas, em meio ao desconforto da queda de popularidade.

O diretor de relações governamentais da consultoria BCW Brasil, Eduardo Galvão, acredita que o ocorrido no Rio Grande do Sul vai desafiar a capacidade do time ministerial em fazer entregas.

Por outro lado, a tragédia vai interferir no jogo da governabilidade e pode até apoiar a estratégia de Lula para se reeleger em 2026. “A situação das enchentes no estado, embora seja uma tragédia em todos os aspectos, representa oportunidade para o presidente reforçar a sua liderança e recuperar a sua popularidade. O sul é uma região conhecida por inclinações políticas conservadoras e pode ter peso definitivo para a consolidação do apoio nacional ao presidente, caso o governo consiga agir de maneira eficaz”, diz.

Segundo o especialista, para capitalizar essa oportunidade, Lula precisa demonstrar empatia, responsividade e alguma eficácia na gestão da crise. “Ele tem de reverter as percepções de uma Presidência com aprovação popular em declínio, sobretudo se as ações do governo puderem ser claramente comunicadas e percebidas como efetivas pelo público”, pondera.

A abordagem do governo, focando na reconstrução essencial de residências modestas, escolas e unidades de saúde atenua o sofrimento imediato e ainda estabelece as bases para uma recuperação de longo prazo. “Isso pode ser visto como sinal de cuidado tanto com a emergência atual quanto com o futuro da população afetada”, diz.

5. Aposta na polarização ideológica é reforçada na tragédia gaúcha

Uma calamidade de grande proporção como a que sofre o Rio Grande do Sul, afetando mais de dois milhões de brasileiros, traz consigo uma natural demanda por união nacional, superando todas as diferenças regionais e políticas, em nome da solidariedade. Essa seria também uma oportunidade para Lula exercer na prática o slogan de "união e reconstrução" de seu governo.

Mas desde o começo da crise, seus gestos só serviram para aprofundar o discurso que carrega desde a eleição de 2022, de divisão da sociedade e enfrentamento aos grupos conservadores e de direita. Até mesmo a questão racial foi explorada por ele na sua abordagem sobre a tragédia no Rio Grande do Sul.

Para o professor de Ciência Política da UDF André Felipe Rosa, o governo enfrenta no Rio Grande do Sul o seu maior desafio: mobilizar recursos bilionários sem prejudicar a economia nacional. Mas o cientista político receia que a tendência é a de gastos exponenciais, acentuando o descontrole financeiro.

“Tempos de pandemia e desastres naturais exercem pressão considerável sobre investimentos e testam a capacidade de gestão pública. A calamidade sanitária de 2020 revelou a importância de o país lidar com inesperadas e pesadíssimas despesas, mas também de contingenciar verbas. Lula, contudo, segue rumo perigoso”, diz.

A situação, acrescenta Rosa, é agravada pela polarização ideológica sempre presente em cada discurso público do presidente da República aprofunda a divisão na sociedade brasileira.

“A falta de coerência na comunicação do Executivo gera confusão e desalinhamento, especialmente entre os ministros, o que atrapalha a já complicada relação com o Congresso e ainda perturba os mercados”, sublinha.

Logo no começo da crise, Lula fez questão de comparar sua performance diante da catástrofe atual à de Jair Bolsonaro (PL) nas enchentes que assolaram a Bahia no fim de 2021, sendo rebatido por aliados do ex-presidente.

Coleção de fragilidades surpreendem até lulistas

O conselheiro de empresas e palestrante Ismar Becker acredita que os 16 meses do governo surpreenderam até seus apoiadores mais fervorosos.

“Desde declarações desastrosas no Brasil e no exterior até constantes brigas entre ministros, passando por reuniões de emergência transmitidas ao vivo para cobrar resultados e repreender a equipe e uma campanha eleitoral antecipada em evento esvaziado do Dia do Trabalhador financiado pela Petrobras, foram muitos episódios nos quais Lula evidenciou as suas fragilidades”, observa.

Ele acrescenta que, da mesma forma, o presidente parece não querer aproveitar o momento da crise gaúcha, revelador de suas maiores fraquezas, para corrigir os rumos da administração federal e converter problemas em oportunidades.

Becker estranha ainda a persistência do discurso ideológico de Lula centrado no “nós contra eles”, mesmo diante da tragédia no Rio Grande do Sul, sem demonstrar qualquer constrangimento. Essa postura já lhe causou prejuízos, que deverão agora se agravar.

“Um político não pode se permitir pensar de maneira binária, vendo como amigo aquele que concorda em tudo e como inimigo aquele que discorda de algo”, detalha. Essa característica do governo, acredita ele, contribui para dificuldades no projeto de reeleição de Lula.

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