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Assim como o presidente Jair Bolsonaro, a ala militar do governo federal também torce pela reeleição de Donald Trump na disputa pela Casa Branca. A leitura dos militares do Planalto é de que a relação entre os governos Bolsonaro e Trump foi produtiva para as Forças Armadas, para a política externa e até para os fins estratégicos da inteligência brasileira. Por isso, seria interessante mantê-la.
Historicamente, os militares brasileiros guardam uma posição de não alinhamento automático com os Estados Unidos e monitoram com atenção a relação do governo brasileiro com a Casa Branca. Isso não mudou nos dois anos de proximidade entre Bolsonaro e Trump. Nem vai mudar em uma eventual reeleição do americano. Mas os militares entendem que as semelhanças entre os dois governos na agenda geopolítica e de valores ajudaram a fortalecer um relacionamento que há muito tempo não era considerada tão boa para o Brasil.
Para os militares do Planalto, ter o republicano por mais quatro anos na Casa Branca seria a garantia de aprofundar as relações por pelo menos mais dois anos – ou seja, sem considerar uma possível reeleição do presidente brasileiro em 2022. “Teríamos mais espaço para consolidar essa aproximação”, diz um assessor do Palácio do Planalto.
Aliança militar, Alcântara, Amazônia: os motivos da torcida por Trump
Um ponto muito enaltecido pelos militares é a concessão oficial ao Brasil, pelo governo Trump, do status de aliado militar preferencial do país fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a principal aliança militar do Ocidente.
O status passou a facilitar a aquisição de tecnologia militar e armamentos dos Estados Unidos. Desde 2019, o Brasil pode comprar equipamentos, veículos e qualquer produto da indústria de defesa norte-americana não utilizado, localizado em depósitos ou não.
Outro ponto destacado pelos militares é o acordo do Brasil com os EUA para o uso, pelos americanos, do Centro de Lançamentos de Foguetes e Satélites de Alcântara, no Maranhão. É um projeto estratégico para o Brasil, tanto na questão militar quanto comercial. As negociações se estendiam desde o início dos anos 2000 e só foram concluídas pelos governos Bolsonaro e Trump.
Os Estados Unidos são detentores de praticamente 90% da tecnologia de lançamento de foguetes, e o relacionamento construído com o Brasil facilitou a conclusão do acordo – que pode colocar Alcântara no promissor mercado internacional de lançamento de satélites, além de possível transferência de tecnologia.
Com Bolsonaro e Trump no comando dos dos países, o Brasil também emplacou um general como subchefe do comando militar norte-americano responsável por cuidar da América Latina – o que indica o estreitamento das relações entre os dois países.
Além disso, o Exército vai participar, em 2021, nos Estados Unidos, de um intercâmbio entre paraquedistas brasileiros e norte-americanos. Trata-se de uma operação conjunta inédita que, segundo os militares do Planalto, vai conduzir o Brasil para uma reunião bilateral de Estado Maior entre as duas Forças Armadas.
A troca de experiências é vista como estratégica por militares no governo e das Forças Armadas. Uma das preocupações é com o dinheiro chinês e russo investido para armar países vizinhos, como a Venezuela. Por isso, a visão do Planalto é que é bom para o Brasil se alinhar aos Estados Unidos, pensando na defesa nacional e fronteiriça.
“A Colômbia era o principal aliado estratégico [na América do Sul] deles [EUA], por conta do combate às drogas. Mas, agora, eles têm uma preocupação maior com a geopolítica, de se contrapor à China. E isso nos elevou a outro patamar”, diz uma fonte do Palácio do Planalto. Aprofundar as relações com Trump é visto, portanto, como positivo para a geopolítica brasileira.
Na questão ambiental, os militares também veem com bons olhos o presidente Trump. O atual governo americano não é crítico das políticas do Brasil para o meio ambiente de um modo geral e da Amazônia em particular – ao contrário de líderes das principais nações europeias. Para integrantes das Forças Armadas, esse tipo de crítica pode encobrir desejos de questionar a soberania brasileira sobre a floresta amazônica.
A ala militar do Planalto avalia que só o fato de Trump não criticar o Brasil já é positivo. Mas o americano foi além. Em agosto de 2019, quando Bolsonaro era internacionalmente criticado por causa de queimadas na Amazônia, Trump postou em suas redes sociais ter conversado com o presidente brasileiro para demonstrar apoio: “Eu disse a ele que os Estados Unidos podem ajudar na questão dos incêndios da Floresta Amazônica. Estamos prontos para dar assistência”. A declaração foi comemorada no governo brasileiro.
Os militares reforçam, contudo, que não há alinhamento automático com os Estados Unidos e que o Brasil vai manter sua política de não intervenção à soberania de outra nação. Isso significa, por exemplo, que, se os EUA decidissem invadir a Venezuela, as Forças Armadas não cederiam território brasileiro para militares americanos. Tampouco apoiariam os ataques.
Benefícios da relação superam problemas, dizem militares do governo
Os militares do governo Bolsonaro reconhecem, porém, que há problemas para o Brasil no relacionamento com o governo Trump. Mas dizem que os benefícios dessa relação são maiores do que eventuais prejuízos.
As imposições comerciais por parte dos norte-americanos são exemplos de perdas recentes que o Brasil teve. Os Estados Unidos cortaram a importação de 80% do aço brasileiro até o fim do ano; e o Brasil ainda aumentou em quase 200 milhões de litros a importação com taxa zero de etanol produzido pelos americanos.
Ambas as medidas foram questionadas por senadores ao chanceler brasileiro Ernesto Araújo, em sabatina recente. Nos bastidores, especula-se que seriam concessões brasileiras para facilitar a reeleição de Trump, já que as medidas beneficiam produtores americanos às vésperas da eleição para a Casa Branca.
Além disso, o Brasil apoiou a eleição de um norte-americano para a presidência do Banco Interamericano (BID), tendo um candidato do Ministério da Economia para indicar. Foi um fato inédito: nunca um cidadão dos EUA havia ocupado a cadeira de presidente da organização financeira.
Mas, para interlocutores governistas oriundos das Forças Armadas, esses são exemplos de revezes pontuais que podem abrir caminho para a inserção do Estado brasileiro em fóruns estratégicos – a exemplo da Otan e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o "clube" dos países ricos. “São pequenos embates econômicos, não estratégicos e geopolíticos, se levarmos em consideração os avanços no acesso à Otan e à OCDE”, diz uma fonte militar do governo.