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Apuração em andamento
O julgamento contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi suspenso novamente e será retomado nesta sexta-feira (30). Até agora, três ministros votaram para tornar Bolsonaro inelegível por oito anos, sob a acusação de abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação por uma reunião com embaixadores realizada em julho de 2022. Apenas o ministro Raul Araújo votou pela absolvição do ex-presidente. Os quatro, porém, votaram para liberar o vice da chapa, Walter Braga Netto, das acusações.
A próxima sessão será retomada com o voto da ministra Cármen Lúcia, que poderá formar maioria pela condenação de Bolsonaro. A sessão foi encerrada nesta quinta-feira (29), porque às 14h está marcada uma sessão do Supremo Tribunal Federal (STF), da qual participam os ministros Alexandre de Moraes, Kassio Nunes Marques e Cármen Lúcia – que também compõem o TSE.
Resumo desta notícia
- Na sessão desta quinta, o ministro Raul Araújo votou pela absolvição de Bolsonaro no julgamento do TSE, divergindo do relator, Benedito Gonçalves, que na terça-feira votou pela condenação de Bolsonaro e absolvição de Braga Netto;
- Araújo argumentou que as críticas de Bolsonaro às urnas eletrônicas não representaram abuso de poder político e não foram capazes de alterar o resultado das eleições. Ele também considerou que a inelegibilidade seria uma medida extrema, levando em conta a supremacia do voto popular;
- Os ministro Floriano Azevedo e André Tavares, porém, votaram contra Bolsonaro, argumentando que o ex-presidente demonstrou comportamento de campanha eleitoral na reunião com embaixadores e proferiu "ataques infundados" contra o sistema eleitoral;
- O julgamento será retomado nesta sexta, com os votos dos ministros Cármen Lúcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes;
- Bolsonaro ficará inelegível por oito anos se quatro dos sete ministros votarem pela condenação.
O ministro Raul Araújo, primeiro a votar nesta sessão, se posicionou pela absolvição de ambos, abrindo divergência em relação ao voto do relator, ministro Benedito Gonçalves, que decidiu pela condenação do ex-presidente. Ao contrário do que Bolsonaro estava esperando, Raul Araújo não pediu a interrupção do julgamento para ter mais tempo para analisar o caso.
O magistrado entendeu que a reunião realizada pelo então pré-candidato à reeleição, em junho de 2022, com embaixadores, na qual teceu críticas às urnas eletrônicas, não representou abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Isso porque ele não acredita que os fatos imputados tivessem a capacidade real de alterar o resultado do processo eleitoral.
Ele também entendeu que a cassação e a inelegibilidade como sendo medidas extremas e excepcionais diante da supremacia do voto popular, que "somente se legitima em conjunturas absolutamente inescapáveis". Além disso, levou em consideração o período do ocorrido, antes do período propriamente eleitoral, antes do reconhecimento das candidaturas.
“A justiça eleitoral se preza pelo princípio mínima intervenção em favor da soberania do voto popular. Então, é de se perguntar: a referida conduta interferiu no resultado eleitoral?”, destacou.
O ministro Araújo esclareceu em seu voto que os cidadãos têm o direito de preferir e questionar os sistemas de votação atuais, de acordo com a garantia da liberdade de expressão estabelecida na Constituição. "Todos têm a liberdade de optar por aderir a modelos diferentes ou propor alternativas", disse. Nesse sentido, Bolsonaro apenas teria expressado uma discussão sobre o voto impresso.
"Por óbvio, não se defende que a liberdade de expressão abarque a desinformação orquestrada. O direito de exprimir ideias não protege quem pretende ludibriar os eleitores através de conteúdos editados, buscando enganá-los e confundi-los utilizando artifícios e gatilhos emocionais. No entanto, sob a justificativa de minimizar a desinformação nas campanhas, tampouco pode o poder público restringir indevidamente a liberdade de expressão em sua esfera individual, coibindo canais que existem para difundir os pensamentos e opiniões. Ao passo que a desinformação eleitoral tem de ser repelida, a atuação estatal deve estar balizada no respeito à liberdade de expressão", declarou.
Ele também citou a participação recorde de eleitores nas eleições de 2022 para argumentar que as declarações de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas na reunião com os embaixadores não foram suficientes para influenciar a votação.
Araújo também se posicionou contra a inclusão da minuta encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres nos autos da ação – o texto previa a imposição de um estado de defesa no TSE para rever a apuração das eleições. Raul Araújo considerou que isso caracteriza indevida ampliação objetiva da demanda, dizendo que o suposto documento não apresenta qualquer relação com a reunião dos embaixadores em período pré-eleitoral.
"Externalizo objeção ao predito documento [minuta] ao argumento de afronta à estabilização da demanda, bem como aos princípios da congruência e do contraditório e da segurança jurídica. Articulo inexistir qualquer conexão com a demanda, além de perfazer documento apócrifo que nem sequer pode ser considerado juridicamente como documento", disse.
Araújo destacou ainda que "a legislação processual expressamente rechaça o alargamento do objeto da ação, conforme dispõe o artigo 329 do Código de Processo Civil". Ele afirmou que não é cabível "aproveitar elemento periférico e ainda estranho, carente de relação com os fatos narrados" para uso no processo, "sob pena de indevida extrapolação da causa de pedir, em verdadeira ampliação descabida".
Ele também lembrou o entendimento do próprio TSE no julgamento da chapa Dilma-Temer em 2017. Naquela ocasião, ao julgar sobre a cassação dos ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), a Corte não admitiu a inclusão de elementos que não estavam nos autos desde o início do processo.
Raul Araújo disse ainda que o voto do relator da ação, ministro Benedito Gonçalves, pela condenação de Bolsonaro, extrapola "os contornos originais da pretensão autoral", ao referir-se sobre a inclusão da minuta na ação.
Ministro Floriano de Azevedo vota contra Bolsonaro e diz que ele "desqualificou nossa democracia"
O voto seguinte foi o do ministro Floriano de Azevedo Marques. Ele acompanhou o relator, focando apenas o episódio da reunião de Bolsonaro com embaixadores. Ele viu quebra da liturgia do cargo, com comportamento típico de candidato à reeleição e discurso relacionado a assuntos internos com “claro objetivo eleitoral”, angariando vantagens em relação aos concorrentes.
Segundo ele, Bolsonaro "deveria ter abstido desde sempre de adentrar um debate sobre o processo eleitoral". Afirmou também que a performance do ex-presidente na reunião "patinou-se menos como a de um chefe de Estado no exercício da competência de travar relações com nações estrangeiras e mais como um comportamento típico de campanha eleitoral" e adotou "os meios à disposição do Presidente da República" para atuar como candidato.
Floriano disse que identificou "quatro linhas de retórica" no discurso de Bolsonaro na reunião com embaixadores, "todas com conotação eleitoral": a linha "autopromocional, consistente em se posicionar como um candidato"; "linha de argumentação negativa aos adversários"; "linha de automartirização, pela deslegitimação dos juízes e a tentativa de criação de empatia eleitoral com a figura de candidato antissistema"; e "linha de desqualificação do sistema eleitoral" e "desestimulador da participação do eleitor". O discurso, segundo ele, teve "claro objetivo de se colocar dentro da estratégia eleitoral".
O ministro também citou a decisão da corte eleitoral, em 2021, a favor da cassação do ex-deputado estadual do Paraná Fernando Francischini. Ele foi condenado por ter dito, no dia das eleições em 2018, que duas urnas que precisaram ser substituídas no Paraná, por falhas técnicas, teriam sido manipuladas para desviar votos em favor do então candidato à Presidência pelo PT, Fernando Haddad. Para Azevedo, uma decisão diferente no caso de Bolsonaro seria incoerente à jurisprudência criada no caso de Francischini.
Na visão de Floriano, houve "abuso de poder e desvio de finalidade", já que:
- "o evento não se inseriu nas atividades diplomáticas de representação do país diante de autoridades estrangeiras";
- "a organização da reunião não ficou a cargo dos órgãos que seriam competentes para fazê-lo, o que demonstra que não se tratou de um ato regular de governo";
- o Palácio da Alvorada foi usado;
- "o discurso proferido teve nítido caráter de estratégia eleitoral";
- "o discurso teve também caráter voltado a deslegitimar e colocar sob suspeita o sistema eleitoral";
- "o discurso primou pela difusão de desinformação e acusações sabidamente falsas ou no mínimo improvadas";
- e o ex-presidente serviu-se "dos meios e instrumentos oficiais, inclusive de comunicação social, para alcançar seu real destinatário, o eleitor".
Por fim, Azevedo disse que entende como grave o caso, afirmando que Bolsonaro, na reunião, tentou "desqualificar a democracia" do Brasil. "Não há nada mais abusivo”, concluiu.
Ministro Tavares deu terceiro voto contra Bolsonaro
O ministro André Ramos Tavares representou o terceiro voto contra Bolsonaro, frisando a “promoção da desinformação” do encontro do ex-presidente com diplomatas, com “críticas infundadas” às urnas eletrônicas e “narrativas deliberantes com finalidade eleitoreira”, além do abuso de poder, considerando a ampla divulgação e o grande poder de influência das redes sociais.
“A liberdade de expressão consagrada na Constituição é limitada pelo direito à informação verdadeira”, frisou.
Ramos destacou ainda a gravidade de uma estratégia não ortodoxa de Bolsonaro visando benefício eleitoral, envolvendo abuso político, desestabilização da normalidade democrática e uso abusivo dos meios de comunicação.
Ministra Cármen Lúcia é a próxima a votar
Esta foi a terceira sessão do julgamento. O primeiro voto, do relator da ação, o ministro Benedito Gonçalves, foi lido na terça-feira (27). Ele votou pela condenação de Bolsonaro e absolvição de Braga Netto.
Depois de Floriano de Azevedo e André Ramos Tavares, devem votar na sexta-feira os seguintes ministros: Cármen Lúcia, Nunes Marques e, por último, Alexandre de Moraes, presidente do TSE. Caso mais um destes ministros vote pela condenação, formando uma maioria entre os sete membros da corte, Bolsonaro ficará inelegível até 2030.
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