Primeira sessão no TSE em que ocorreu o julgamento de Bolsonaro| Foto: Alejandro Zambrana/Secom/TSE
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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem deixado critérios técnicos de lado e cria insegurança jurídica na ação que pode resultar na inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por oito anos, segundo analistas do Direito e juristas ouvidos pela Gazeta do Povo. O julgamento tem sua segunda sessão nesta terça-feira (27).

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Na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta pelo PDT em agosto de 2022, o partido alega abuso de poder político e apropriação de meios de comunicação por Bolsonaro e que houve “palanque eleitoral” durante a reunião com 80 embaixadores em 18 de julho de 2022. O encontro, transmitido pela TV estatal e pelas redes sociais do governo, foi marcado por declarações de Bolsonaro com desconfianças em relação às urnas eletrônicas.

O ex-procurador federal e ex-deputado Deltan Dallagnol sugeriu que há uma possível intenção prévia do TSE em punir o ex-presidente, sem levar em consideração a legislação pertinente e as decisões anteriores do tribunal relacionadas ao caso. Ou seja, na avaliação de Dallagnol, o TSE não estaria julgando fatos e acontecimentos, mas sim avaliando o político Jair Bolsonaro. O procedimento técnico seria o julgamento dos fatos sem levar em consideração aspectos políticos ou subjetivos.

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Bolsonaro não foi eleito, por isso não pode ser cassado e ficar inelegível

Uma das teses dos acusadores é de que a conduta atribuída a Bolsonaro poderia se enquadrar no artigo 73 da Lei 9.504/1997, que proíbe agentes públicos de utilizarem bens públicos para manter a disputa eleitoral equilibrada. Segundo juristas ouvidos pela reportagem, no entanto, Bolsonaro não foi eleito, não pode ser cassado e, portanto, não pode ficar inelegível.

Mas existem outras leituras para a questão. Segundo o advogado constitucionalista André Marsiglia Santos, Bolsonaro pode ser declarado inelegível por causa da interpretação equivocada do artigo 22 da Lei da Inelegibilidade (64/1990), que trata do uso abusivo dos meios de comunicação.

Tese de "desinformação" ser abuso de poder é interpretação equivocada da lei

A tese dos acusadores de Bolsonaro é a de tratar como um tipo de abuso de poder declarações do ex-presidente que são consideradas desinformação por seus críticos. Mas isso é uma interpretação subjetiva e não técnica.

“A concepção de que esse abuso pode ser utilizado para punir propagação de desinformação está sendo levada em conta, mas vejo isso como um erro. O artigo forma assim uma jurisprudência agressiva e pouco técnica. A inelegibilidade é algo muito sério e deve ser punição para casos graves de comprovada fraude”, disse Marsiglia.

Para ele, o ideal é que a condenação à inelegibilidade fosse sempre ser tratada como uma exceção, “afinal, nas eleições, o voto é do povo, o verdadeiro protagonista, e não dos ministros do TSE”.

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Suposto abuso de poder não ocorreu em período eleitoral

Dallagnol, por sua vez, ressaltou que a lei exige que o suposto abuso de poder ocorra durante o período eleitoral, mas a reunião com os diplomatas ocorreu antes mesmo da oficialização da chapa de Bolsonaro e Braga Neto pelo PL, que aconteceria apenas uma semana depois. Dallagnol argumentou que o julgamento ameaça o devido processo legal caso não dê mais oportunidades de defesa e analise provas.

O ex-procurador avaliou que o discurso contra o modelo eleitoral de quando era pré-candidato não proporcionou a Bolsonaro uma vantagem eleitoral. Isso porque prevaleceu a posição do TSE sobre as urnas, a maior parte da mídia brasileira combateu as afirmações de Bolsonaro e houve uma grande participação de eleitores no processo eleitoral.

Em um artigo publicado na Gazeta do Povo, Dallagnol destacou que a liberdade de expressão é um direito fundamental que se sobrepõe a outros, por ser também um pilar da democracia. Na opinião do ex-deputado, os excessos do Judiciário, em nome da suposta defesa do Estado de Direito, não deveriam ignorar os mecanismos já existentes para impedir ataques à ordem democrática. Em suma, segundo ele, se o suposto ato abusivo não é capaz de desequilibrar as eleições, a inelegibilidade não deveria ser aplicada.

Jurisprudência foi ignorada com a inclusão no julgamento de episódios posteriores à ação

No entanto, a maior contradição do processo surgiu com a inclusão inesperada de fatos não relacionados ao objeto da ação. Ignorando os limites da lei e os entendimentos anteriores do TSE, a ação agregou elementos não relacionados à reunião com os diplomatas para pedir a condenação de Bolsonaro pelo "conjunto da obra".

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A jurisprudência do TSE, estabelecida durante o julgamento da chapa Dilma-Temer em 2017, é clara ao proibir a adição de provas no processo após a petição inicial, uma vez que a ação de investigação não permite que fatos alheios sejam utilizados para julgar réus. Mesmo assim, o PDT apresentou outros fatos, como a suposta minuta de um golpe encontrada na residência do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e os atos de 8 de janeiro.

Essa minuta é um documento sem identificação de autoria encontrado na casa de Torres pela polícia que traria orientações para um suposto golpe de Estado. O ex-ministro afirmou que havia recebido o documento, mas não tinha nenhuma ligação com sua elaboração nem pretendia colocá-lo em prática. Os atos de 8 de janeiro foram uma série de manifestações que causaram vandalismo na Praça dos Três Poderes, mas estão sendo interpretados por críticos de Bolsonaro como uma "tentativa de golpe".

Ambas as provas acrescentadas foram aceitas pelo relator, ministro Benedito Gonçalves, e referendadas pelo plenário do TSE em 16 de janeiro. Durante a sessão da quinta-feira (20), a primeira do julgamento, o ministro relator Benedito Gonçalves apresentou seu longo relatório, as defesas fizeram sustentações orais e a Procuradoria-Geral Eleitoral apoiou a tese de que Bolsonaro deve ser considerado inelegível.

O advogado Horácio Neiva, mestre em Teoria Geral do Direito pela USP, levantou questões relevantes e as publicou nas redes sociais. Ele afirmou que os principais fundamentos apresentados pelo PDT na ação, para justificar desvio de finalidade e ataques à Justiça Eleitoral, não mencionam termos como "golpe", "golpismo" ou "incitação".

Em vez disso, o partido sustenta que Bolsonaro incentivou a "desordem informacional". Além disso, quando o ministro relator Benedito Gonçalves, em 8 de dezembro de 2022, delimitou a controvérsia da ação à reunião com embaixadores, se foi ou não ato de campanha, foi bastante específico sobre os pontos em discussão.

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Neiva lembrou que o TSE costuma "mudar de entendimento ao sabor dos ventos políticos", especialmente em eleições presidenciais. Segundo ele, no julgamento da chapa Dilma-Temer em 2017, o tribunal não aceitou a inclusão de novas provas no processo, mesmo diante das evidências trazidas pela Operação Lava Jato, que indicavam o financiamento da campanha petista por dinheiro proveniente de corrupção. "A razão disso era que Temer estava no poder, e o custo de cassar um presidente eleito ou em exercício do mandato é sempre imenso", afirmou. "Com Bolsonaro fora da Presidência, o TSE tem menos receio para julgá-lo inelegível", acrescentou.

Julgamento é atípico e aumenta insegurança jurídica no Brasil, segundo analista

O advogado Fabricio Rebelo, fundador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), alerta para o risco de o julgamento de Bolsonaro no TSE gerar insegurança jurídica e, também, dar a impressão de parcialidade por parte do tribunal, ao parecer alterar entendimentos consolidados de forma conveniente.

Rebelo ressalta que a fundamentação da ação é frágil e que o TSE, ao admiti-la e incluir fatos posteriores no processo, acaba estabelecendo precedente perigoso, pois permite se adicionar provas e alegações sem conexão com a causa original.

Para Rebelo, o julgamento de Bolsonaro é absolutamente atípico. Neste sentido, a própria sustentação oral do advogado do PDT evidenciou não se tratar da apreciação de fato jurídico específico, como deveria ser qualquer julgamento, “mas da tentativa de anular o ex-presidente como líder de movimento político de oposição”. “Isso, inclusive, fica ainda mais claro quando se tenta abertamente incluir no julgamento fatos muito posteriores à própria denúncia, como os atos de vandalismo de 8 de janeiro”, avaliou.

Diante das divergências de opiniões entre juristas, a decisão final sobre a inelegibilidade de Jair Bolsonaro caberá aos sete ministros do TSE. O julgamento, que promete ser um marco na história política do país, está em curso e espera-se que seja concluído em breve. Mas os desdobramentos dessa ação terão implicações significativas nas futuras eleições brasileiras e irão influenciar o cenário político e a democracia do país.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]