A decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, nesta quarta-feira (23), de condenar por litigância de má-fé a coligação do presidente Jair Bolsonaro (PL), por considerar injustificado o pedido de invalidação dos votos de quase 60% das urnas eletrônicas no segundo turno da eleição, tem um precedente de 2010 na Corte.
Trata-se de um caso conhecido no meio jurídico e foi o que mais se aprofundou no questionamento do sistema eletrônico de votação. A ação foi ajuizada pelo ex-deputado João Lyra (PTB) para contestar sua derrota, em 2006, para Teotônio Vilela Filho (PSDB), na disputa pelo governo de Alagoas. Em entrevistas após o pleito, Lyra disse ter sido “roubado”. “Tenho tudo sobre a fraude, desde nomes e valores para que o trabalho fosse executado. Fui miseravelmente fraudado e, por isso, sou de fato o verdadeiro governador de Alagoas”, afirmou. Argumentava ainda que pesquisas eleitorais projetavam sua vitória na disputa.
Como estava envolvida uma disputa estadual, Lyra ingressou no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do estado com uma “ação de impugnação de mandato eleitoral”. Conhecida como Aime e prevista na Constituição, é considerada o único instrumento possível para contestar o resultado de uma eleição com base na acusação de fraude no sistema eletrônico de votação.
Para embasar a acusação, a defesa do ex-deputado juntou ao processo estudo do professor de computação Clóvis Torres Fernandes, do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA). Ele apontava “sinais evidentes de programas que operavam nas urnas eletrônicas de forma errática e com reações não compatíveis com os programas oficiais do TSE”. “Não se pode afastar a hipótese de manipulação irregular destes programas e, além do mais, não se pode garantir que os resultados de sua apuração sejam confiáveis”, dizia outro trecho.
A conclusão era que o “funcionamento do sistema eletrônico de votação utilizado em Alagoas se mostrou falho, vulnerável e inconfiável em relação à eleição de governador”. Tratava-se, no entanto, de um laudo preliminar, que não havia encontrado indícios de procedimentos fraudulentos, isto é, rastrear uma ação maliciosa e intencional de adulteração nas urnas para favorecer Teotônio Vilela Filho. Havia somente a suspeita inicial de falha nas máquinas. Para avançar, a Aime deveria ter provas mais robustas de fraude.
Um grande imbróglio se formou para aprofundar a investigação. O estudo preliminar do ITA havia sido aprovado pelo TRE de Alagoas, mas para buscar provas de uma suposta fraude, o instituto cobrou R$ 2 milhões por uma perícia judicial, que deveria ser bancada por Lyra, na condição de autor da ação. Ele não quis pagar e tentou jogar a conta para a própria Justiça Eleitoral, em razão do interesse público na lisura de uma eleição. Não houve sucesso.
Em paralelo, a defesa de Teotônio adotou uma providência ousada: acionou o TSE, de forma administrativa, para que técnicos do tribunal analisassem as suspeitas. A Secretaria de Tecnologia reconheceu problemas de funcionamento, especialmente nos “logs”, arquivos digitais que registram todas as atividades que se passam nas urnas (ligação, instalação de programas, carregamento de dados dos candidatos, votos, emissão do boletim com os resultados, etc.) – curiosamente, trata-se do mesmo arquivo que, segundo o PL, apresentou problemas na votação do segundo turno deste ano, com identificação igual e inválida para 279 mil urnas.
Em 2006, apesar de admitirem “inconsistências” na operação das urnas, os técnicos do TSE garantiram que não elas não teriam desviado votos, de modo a alterar o resultado, e muito menos haveria qualquer tipo de fraude, ou seja, uma manipulação intencional dos programas.
Ainda assim, a defesa de Lyra insistiu em apontar problemas considerados graves, agora com um segundo estudo, feito pelo engenheiro Amílcar Brunazzo. Ele apontava, por exemplo, suposta diferença de 22 mil votos, ao comparar logs com o sistema de totalização. Ainda assim, faltava a evidência de uma fraude, um vício.
A perícia judicial do ITA, enfim, não foi realizada porque Lyra não quis pagar, e o ex-deputado ainda pediu ao TSE para suspender o exame iniciado pelos técnicos da Corte. Seus advogados alegaram que não poderiam participar dessa análise, por se dar no âmbito administrativo – possivelmente, não poderiam, assim, constituir provas para o processo de contestação.
Lyra acabou condenado porque, após iniciar o processo, não quis dar curso à perícia judicial, alegando alto custo, nem à análise técnica do TSE. No julgamento do caso, em 2010, por 4 votos a 3, os ministros da Corte consideraram que houve má-fé.
O relator da ação à época, Fernando Gonçalves, disse que, do material apresentado, não era possível inferir ato malicioso, muito menos por parte do vencedor, Teotônio Vilela, e que as inconsistências encontradas não evidenciaram fraude. Assim, e em razão da desistência de Lyra em avançar, considerou a ação “temerária”. “Estando já com prazo precluso [vencido], impugnando-se sem dizer qual era a fraude, quem era o fraudador, a quem se dirigia.”
O ministro Ricardo Lewandowski o acompanhou. “Precisamos começar a disciplinar, de certa maneira, essa possibilidade infinita de recursos que temos, que já são suficientes para termos de dar conta, além daqueles que beiram a temeridade e a litigância de má-fé”, disse. Cármen Lúcia seguiu a mesma linha. “Quando se litiga não tendo um objeto que possa ser considerado como disputável juridicamente; leva-se a comprometimento do próprio direito da sociedade de ver os seus casos legítimos julgados”, afirmou. Ayres Britto, então presidente do TSE, deu o quarto voto pela condenação.
TSE multa coligação de Bolsonaro por litigância de má-fé
Nesta quarta-feira (23), o atual presidente do TSE, Alexandre de Moraes, condenou a coligação do presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo mesmo motivo: litigância de má-fé. A coligação havia solicitado junto ao tribunal a invalidação dos votos de 279.336 urnas eletrônicas de modelos anteriores a 2022, alegando mau funcionamento dos dispositivos e vício na numeração.
Moraes apontou “ausência de quaisquer indícios e circunstâncias que justifiquem a instauração” da verificação, rejeitou o pedido de invalidação dos votos e aplicou multa de R$ 22,9 milhões ao PL, ao Progressistas e ao Republicanos.
E foi além: determinou a investigação criminal do presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, e do presidente do Instituto Voto Legal (IVL), Carlos Rocha, no âmbito do inquérito das milícias digitais, que o próprio ministro conduz com mão de ferro no Supremo Tribunal Federal (STF).
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