Ouça este conteúdo
Apuração em andamento
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu nesta sexta-feira (30), por cinco votos a dois, tornar inelegível por oito anos o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O voto decisivo veio da ministra Cármen Lúcia, primeira a votar nesta sexta. Depois, Alexandre de Moraes, presidente do TSE, se somou aos que votaram para impedir que Bolsonaro não concorra a cargos eletivos até 2030. Já tinham votado contra o ex-presidente os ministros Benedito Gonçalves, relator da ação, Floriano de Azevedo e André Tavares. Votaram pela improcedência da ação apenas os ministros Kassio Nunes Marques e Raul Araújo.
Em Minas Gerais, Bolsonaro comentou a decisão do TSE após a confirmação de sua inelegibilidade: "Aqui em Minas, tomei uma facada na barriga, e hoje levei uma facada nas costas por suposto abuso de poder político", disse.
O ex-presidente deve recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ele fará uma coletiva de imprensa ainda nesta sexta-feira. O vice da chapa, Walter Braga Netto, se livrou da condenação.
Bolsonaro foi condenado por abuso de poder e desvio de finalidade por realizar uma reunião com embaixadores em julho do ano passado, na qual criticou a credibilidade das urnas eletrônicas. A ação foi proposta pelo PDT no ano passado.
Último a votar, o ministro Alexandre de Moraes, fez um discurso repleto de críticas ao ex-presidente. Começou condenando o que chamou de “monólogo de Bolsonaro” com a finalidade de "conturbar o processo eleitoral" e "convencer o eleitor da iminência de uma grande conspiração para fraudar as eleições de 2022", o que não faz parte da atribuição presidencial, segundo ele.
“Reafirmamos a fé na democracia e ao Estado de Direito, saindo dos escombros das difamações e desse viés autoritário”, discursou. Ele rebateu as críticas segundo as quais o TSE estaria tendo um comportamento atípico, com base em julgamentos recentes.
“O candidato Jair Messias Bolsonaro não poderia alegar desconhecimento sobre o posicionamento das premissas para as eleições de 2022 do que seria abuso dos meios políticos e de comunicação, porque a Corte já havia definido”, disse. Para ele, como no caso de Francischini, estava definido desde 2001 que “os ataques fraudulentos de agentes públicos sobre o sistema eleitoral, gerando incertezas sobre a lisura do pleito em benefício eleitoral”, geraria cassação e inelegibilidade.
Moraes disse que a Justiça Eleitoral está dando uma resposta "de repulsa ao degradante populismo renascido a partir das chamas dos discursos de ódio, dos discursos antidemocráticos, dos discursos que propagam infame desinformação, desinformação produzida e divulgada por verdadeiros milicianos digitais em todo o mundo".
Cármen Lúcia deu voto que formou maioria contra Bolsonaro
Para a ministra Cármen Lúcia, que abdicou de ler todo o seu voto, houve abuso do cargo e uso indevido, com fins eleitorais, dos canais de comunicação do governo, contrariando a Constituição. Apesar de concordar que o condenado não foi eleito, lembra que “é preciso deixar claro as circunstâncias nas quais quase 50 milhões votaram” nele. “Abuso no cargo ou função tem de ser combatida na forma da lei”.
"A crítica faz parte. O que não se pode é um servidor público, no espaço público, com equipamento público, com divulgação pela EBC e pelas redes sociais oficiais, fazer achaques contra ministros do Supremo como se não estivesse atingindo a própria instituição. Não há democracia sem poder judiciário independente. A alegação que é feita, sem que houvesse provas nem contra o processo eleitoral, nem contra a Justiça Eleitoral, nem contra os ministros dessa casa, não tinha razão de ser, a não ser para efetivamente desqualificar a própria Justiça Eleitoral e o próprio Poder Judiciário e com isso atacar a democracia", afirmou Cármen.
A ministra aproveitou a sessão para fazer um desagravo aos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, que, segundo ela, foram atacados injustamente por Bolsonaro na reunião com diplomatas, para se desqualificar a Justiça Eleitoral e até os observadores internacionais. Ela insinuou a postura do ex-presidente como a de um "agente de uma perversão".
A ministra tem um histórico de votos determinantes para o contexto político do país. Em 2021, ela foi peça-chave no julgamento que declarou a suspeição do senador Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Na ocasião, ela modificou o voto que tinha feito em 2018, quando o julgamento começou.
Nunes Marques se junta a Araújo e vota a favor de Bolsonaro
O ministro Nunes Marques foi o segundo a ler o voto nesta sessão de sexta. Ele acompanhou a divergência aberta pelo ministro e descartou previamente o envolvimento da agência de notícias do governo como colaboradora de eventuais erros de Bolsonaro na reunião com embaixadores. Em favor do ex-presidente, também disse que o TSE já avaliou caso semelhante envolvendo a chapa Dilma-Temer, em 2017. Ele também excluiu Braga Netto do alcance da ação.
O ministro também fez uma defesa veemente da urna eletrônica, como sendo “símbolo da democracia brasileira” e orgulho da Justiça Eleitoral, para depois dizer que o julgamento não tratava do tema em si, mas de possíveis ilícitos de Bolsonaro.
Nunes Marques procurou mostrar que o debate em torno da confiabilidade do sistema eletrônico de votação “é tão antigo quanto a própria urna”. Ele afirmou que Bolsonaro há muito vinha mostrando o seu descontentamento com a ausência de comprovação física do voto. “E nem o ex-presidente foi o maior crítico do sistema ao longo de três décadas, incluindo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB)”, disse.
O ministro lembrou que o próprio Lula sancionou uma lei que previa o voto impresso e que o candidato presidencial Aécio Neves (PSDB) chegou a pedir ao TSE auditagem dos votos de 2018, além do fato de o Congresso ter chegado a aprovar esse dispositivo mais de uma vez. Contudo, as decisões posteriores do Judiciário acabaram por manter o sistema como é. Para Nunes Marques, a suspeição de Bolsonaro em relação à Justiça Eleitoral sequer foi objeto de discussão pela Corte enquanto ele era candidato.
Ele considerou incorreto imputar a gravidade do ato de Bolsonaro como abuso contra legitimidade e normalidade das eleições e como equivalente ao caso precedente que levou à cassação este ano do deputado Fernando Francischini (União Brasil-PR). “O evento de Bolsonaro foi o único do tipo que teve no ano eleitoral e envolveu público restrito e com discurso recheado por fatos questionáveis, mas sem citar casos específicos”, disse.
Bolsonaro diz que vai recorrer ao STF em caso de inelegibilidade
Antes da sessão desta sexta, Bolsonaro já tinha avisado que vai recorrer da decisão do TSE no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele afirmou que o julgamento “não tem pé e nem cabeça” e que o TSE não tem base jurídica para torná-lo inelegível.
“O meu advogado, dr. Tarcísio [Vieira], participou do julgamento da chapa Dilma-Temer, e o voto decisivo, de minerva, foi o do Gilmar Mendes. Ele votou pelo arquivamento e falou que a Justiça eleitoral não deve existir pra cassar mandatos, muito menos de presidente. […] Se costuma, no Brasil, se vê julgamento por corrupção e outras coisas. Pela primeira vez, abuso de poder político. Vou conversar com meus advogados e o recurso vai para o STF”, disse em entrevista à Rádio Itatiaia.
Com base na afirmação de Gilmar Mendes, o ex-presidente criticou a cassação do mandato do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), neste ano, e de Fernando Francischini (PSL-PR) em 2018, e que o mesmo pode vir a ocorrer com outros parlamentares.
Conteúdo editado por: Isabella Mayer de Moura