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O governo ucraniano está usando a viagem do assessor da Presidência, ex-chanceler Celso Amorim, ao país para pedir ao Brasil que venda blindados de transporte de tropas convertidos em ambulância de campo para transportar feridos e refugiados na guerra da Ucrânia. Os blindados Guarani, produzidos em Sete Lagoas (MG), pela empresa Iveco, são os carros de combate mais modernos do Brasil, mas não são tanques de guerra.
Amorim está na Ucrânia para tentar amenizar a crise internacional com as potências do Ocidente causada pelas falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de apoio à Rússia. A visita ao governo ucraniano ocorre antes da ida de Lula para a cúpula do G7, o grupo dos países ricos do Ocidente. O presidente brasileiro vinha afirmando que a Ucrânia seria tão culpada quanto a Rússia pela invasão e acusou os Estados Unidos e seus aliados europeus de fomentar a guerra enviando armas para a Ucrânia.
A versão correta dos fatos é que a Rússia, sem ter sido agredida, invadiu militarmente a Ucrânia em fevereiro de 2022. O presidente russo Vladimir Putin foi até condenado no Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra. As potências ocidentais passaram então a enviar recursos e armamentos para a Ucrânia a fim de ajudar a conter a expansão militar russa e proteger a população civil.
Os blindados Guarani são blindados anfíbios de transporte de tropas de infantaria. Eles resistem a tiros de armas pesadas, mas não a disparos de foguetes e mísseis. Eles são armados com uma metralhadora calibre 50 e são usados pelo Exército na defesa nacional e já participaram de operações de Garantia da Lei e da Ordem em áreas dominadas pelo crime organizado no Brasil.
Retirada segura de civis do campo de batalha é um desafio para a Ucrânia
A intenção da Ucrânia, segundo apurou a reportagem com diplomatas do país, é comprar uma versão desse blindado na qual ele funciona como ambulância. Dessa forma, os Guarani versão ambulância serão usados como apoio para evacuar civis das zonas de conflito e transportar feridos das áreas de combate aos hospitais. Ou seja, eles não participariam diretamente do conflito, sendo até pintados nas cores laranja e amarela, para designá-los como não combatentes.
A retirada de civis de áreas de combate tem sido um grande problema para os ucranianos. A Rússia nunca respeitou completamente acordos que criaram corredores humanitários para a retirada de civis de cidades na linha de contato entre os dois exércitos ou em território invadido.
Blindado Guarani é um projeto estratégico do Exército
Os blindados Guarani fazem parte do principal projeto estratégico do Exército de desenvolvimento de armamentos. Embora o veículo seja produzido pela multinacional Iveco, o Exército é dono do projeto. Por isso, o Brasil precisa autorizar a exportação. Ainda não se sabe, ao certo, quantos veículos a Ucrânia solicitou ao Brasil.
Segundo a publicação especializada Tecnologia e Defesa, o número de veículos comprados pode chegar a 450. Seu preço depende de diversos fatores do contrato de fornecimento, mas gira em torno de R$ 5 milhões por unidade. O Itamaraty foi procurado pela reportagem para dar mais detalhes sobre o pedido e afirmou que não poderia passar as informações por se tratarem de segredos industriais.
Hoje o Brasil possui cerca de 600 Guaranis em atividade. Na prática, a exportação dos blindados significa que a base industrial de defesa do Brasil passaria a se beneficiar das verbas bilionárias que vêm sendo enviadas à Ucrânia pelos Estados Unidos e seus aliados. A ideia é que a Iveco produza a nova versão ambulância do blindado para os ucranianos, mas o projeto pode depois ser aproveitado no Brasil.
Lula não quis correr o risco de viajar para o campo de batalha
A solicitação dos veículos já havia sido formalizada para o Ministério da Defesa, mas na prática as negociações devem passar por Celso Amorim.
Lula havia sido convidado pelo próprio presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, para fazer uma visita a Kyiv. O convite veio depois que Amorim foi até a Rússia e se encontrou com o presidente Vladimir Putin. De acordo com o encarregado de Negócios da Ucrânia no Brasil, Anatoliy Tkach, uma visita de Lula à Ucrânia poderia “mudar a atitude” do petista sobre guerra.
Lula decidiu não ir e mandar seu assessor. Essa visita, no entanto, não deve ser nem um pouco confortável ou luxuosa, já que a Ucrânia sofre com bombardeios quase diários da Rússia. Entre o último domingo (7) e essa terça (9), a Rússia lançou 15 mísseis de cruzeiro contra a capital ucraniana e fez, durante o final de semana, o maior ataque de drones suicidas contra a Ucrânia desde o início da guerra.
Além disso, chegar ao país não tem sido fácil e não pode ser feito pelos métodos tradicionais. O espaço aéreo está fechado e chegar de avião ou helicóptero seria praticamente impossível. Em fevereiro deste ano, quando o conflito entre os países marcava um ano, o atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (Democratas), fez uma visita surpresa à capita ucraniana e passou "sufoco" até desembarcar em Kyiv.
Além das horas de voo, a comitiva presidencial também precisou pegar mais de 10 horas de trem em um percurso utilizado para levar ajuda à Ucrânia e também por onde milhões de mulheres e crianças ucranianas fugiram do conflito. Celso Amorim encontrou um cenário parecido para chegar na capital ucraniana. Além de Biden, diversos chefes de Estado e de governo da Europa fizeram o trajeto.
Brasil já negou envio de munição antiaérea para proteger cidades ucranianas
Os presidentes Lula e Jair Bolsonaro já haviam negado pedidos do governo ucraniano para o envio de munições antiaéreas para o blindado alemão Gepard, que o Brasil também possui. O governo Bolsonaro não deu explicações sobre a negação. Já o governo de Lula argumentou que o envio de munições seria tomar partido na guerra.
Os ucranianos haviam alegado questões humanitárias para pedir as munições. Eles precisavam defender sua população contra ataques de drones suicidas e o Brasil era praticamente o único país com estoques suficientes para ajudar.
Como Amorim foi mandado para a Ucrânia para amenizar as declarações de Lula contra o Ocidente e preparar o terreno para a participação do Brasil na cúpula do G7, a resposta sobre os blindados pode ser decisiva. A decisão de Lula sobre o pedido de compra dos Guaranis deve mostrar se o governo brasileiro de fato está disposto a colaborar com o G7 ou se a viagem de Amorim era apenas uma tentativa de amenizar o estrago por meio de conversas diplomáticas.