Completando um ano e meio desde que assumiu o Executivo brasileiro para seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem acumulado mais derrotas do que vitórias em suas políticas externa e interna, especialmente na articulação com o Congresso.
Sem maioria na Câmara dos Deputados, a gestão petista precisou buscar coalizões com outros partidos, sobretudo com o Centrão, para conseguir aprovar pautas de seu interesse. A estratégia, contudo, não rendeu o esperado, com o governo tendo que enfrentar rejeição de medidas provisórias e derrubadas de vetos em várias matérias.
"Houve vitórias muito importantes e a reforma tributária foi uma delas, mas parece que o governo não se ajeitou ainda, não conseguiu se unificar, nem no discurso, nem na forma de agir", diz a cientista política Deysi Cioccari. Ela avalia que as derrotas de Lula estão pesando mais que as vitórias, deixando um resultado negativo para o governo.
Na política externa, a percepção de analistas sobre os 18 meses de Lula 3 também é ruim. Na avaliação de Rubens Ricupero, diplomata e ex-ministro da Fazenda, as promessas de Lula de "reintegrar o Brasil ao contexto internacional" foram frustradas com os posicionamentos do petista.
"A promessa não se realizou. O Brasil não conseguiu encontrar uma maneira de ter uma mensagem eficaz no mundo dividido [entre guerras e contexto de polarização entre China e Estados Unidos] e nem em uma América do Sul dividida", diz.
Relembre, a seguir, os piores momentos do governo Lula nas políticas interna e externa nos seus primeiros 18 meses do terceiro mandato.
1. Oposição levou a melhor e manteve veto sobre as "saidinhas"
Uma das sentidas derrotas de Lula foi a tentativa frustrada de vetar um dispositivo do Projeto de Lei (PL) 1483/24 que proibia a saída temporária de presos durante feriados, as conhecidas “saidinhas”. O projeto aprovado pelo Congresso em março restringia o benefício somente para detentos que cursam supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior.
Lula sancionou o projeto no mês seguinte, mas vetou o trecho que restringia as saidinhas, beneficiando detentos que estivessem respondendo em regime semiaberto e que não tivessem cometido crimes graves ou hediondos. O Congresso, porém, derrubou o veto do petista.
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, atuaram para tentar manter as saidinhas, mas sem sucesso. Na Câmara, 314 deputados defenderam a derrubada do veto de Lula, 126 a manutenção e 2 se abstiveram. O placar no Senado foi de 52 a 11 e uma abstenção.
2. Lula não conseguiu barrar o PL do marco temporal
O presidente Lula também não conseguiu manter o veto sobre o PL 490/2007, conhecido como PL do marco temporal para demarcação de terras indígenas. O projeto, impulsionado pela bancada do agronegócio no Congresso, determina que somente poderão ser demarcadas as terras já ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
De acordo com Cioccari, o PL do Marco Temporal e da Saidinhas podem ser vistos como as principais derrotas do presidente Lula em seu terceiro mandato devido ao apelo ideológico dado a essas leis.
3. Devolução da "MP do Fim do Mundo"
A derrota mais recente do governo foi a devolução feita pelo Congresso da medida provisória que limitava que as empresas usassem pagamento de PIS/Cofins para abatimento de outros tributos, proibindo o ressarcimento do crédito presumido. Ou seja, ela aumentava a carga tributária sobre o setor produtivo.
A MP 1.227/2024, apelidada de “MP do Fim do Mundo”, tinha o intuito de preencher o vácuo arrecadatório deixado pela desoneração da folha de pagamento de 17 setores, que havia sido mantida pelo Congresso contra a vontade do governo. Mas uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que uma compensação seja feita no Orçamento. O governo esperava arrecadar mais de R$ 29 bilhões neste ano por meio da limitação do uso de créditos tributários do PIS/Cofins pelas empresas.
O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolveu parte do texto ao governo sob alegação de “inconstitucionalidade”. Com isso, a medida perdeu efeito.
Como presidente do Congresso, Pacheco tem a prerrogativa de devolver uma MP ou parte dela caso julgue que o texto contrarie a Constituição. Aliado ao governo, o senador tomou a decisão após forte pressão do setor produtivo e de parlamentares.
Antes de obter uma decisão favorável no STF sobre a desoneração, Lula havia sido derrotado no Congresso, tendo seu veto à prorrogação do benefício derrubado. O assunto segue em aberto e deve ser debatido em breve no Senado.
4. Lula enfrenta resistência de congressistas para aprovar MP dos ministérios
A Medida Provisória (MP) que reorganizava a Esplanada dos Ministérios, na concepção de Deysi Cioccari, doutora em ciências políticas, deu início à gélida relação que o governo federal teria com o Congresso. A MP era importante para o governo e foi uma das primeiras a serem propostas por Lula ao assumir o Planalto para seu terceiro mandato.
A proposta tinha o intuito de criar pastas e redistribuir órgãos entre elas. Pauta cara à gestão petista, a MP se chocava diretamente com o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que reduziu o tamanho da Esplanada e deixou o governo com 23 ministérios. A medida de Lula aumentava este número para 37.
Após embates com o Legislativo e reclamações de Lira sobre a falta de articulação do governo, a MP só foi aprovada no último dia de sua vigência (no dia 31 de maio de 2023), quando estava prestes a caducar. O texto ainda passou por mudanças e retirou a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) e o CAR (Cadastro Ambiental Rural) das competências do Ministério do Meio-Ambiente.
5. Oposição emplaca "emenda patriota" no texto da LDO
Lula também enfrentou dificuldades com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e viu ainda uma vitória da oposição na aprovação do texto. Além de ter tido 28 vetos derrubados pelos congressistas, a Câmara manteve uma emenda proposta pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) que Lula tentou vetar.
A chamada “emenda patriota” de Bolsonaro vetou o governo de reservar recursos para custear uma série de atividades alinhadas com a pauta progressista de costumes. A permanência da revisão proposta por Bolsonaro foi aprovada por 339 votos a 107 na Câmara e 47 votos a 23 no Senado.
O texto proíbe o governo de promover, financiar de forma "direta ou indireta": a "invasão ou ocupação de propriedades rurais privadas; ações tendentes a influenciar crianças e adolescentes, da creche ao ensino médio, a terem opções sexuais diferentes do sexo biológico; ações tendentes a desconstruir, diminuir ou extinguir o conceito de família tradicional, formado por pai, mãe e filhos; cirurgias em crianças e adolescentes para mudança de sexo; e realização de abortos, exceto nos casos autorizados em lei".
Política externa de Lula acumula falas desastrosas e afastamento da tradicional imparcialidade do Itamaraty
Desde que retomou para seu terceiro mandato, o presidente Lula priorizou sua política externa. Durante o primeiro ano deste governo, o mandatário visitou 24 países em 62 dias e se tornou o presidente que mais viajou na história do Brasil. Ao focar em agendas internacionais, o objetivo de Lula era se projetar como um líder internacional, mas acabou falhando.
Antes mesmo de assumir a presidência, Lula externou seu interesse em intermediar as negociações de paz entre Rússia e Ucrânia. Porém suas declarações desastrosas e relativização sobre o conflito o afastaram das discussões. O petista também causou uma crise diplomática com o governo de Israel após comparar a contraofensiva israelense na Faixa de Gaza ao Holocausto de Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial e, apesar de ter priorizados as negociações com a União Europeia, não fechou o acordo de livre comércio entre o bloco e o Mercosul.
Na avaliação de Rubens Ricupero, diplomata e ex-ministro da Fazenda, as promessas de Lula para a política externa foram frustradas com os posicionamentos adotados pelo petista, apesar da "louvável" tentativa em tentar reintegrar o Brasil ao contexto internacional. "A promessa não se realizou. O Brasil não conseguiu encontrar uma maneira de ter uma mensagem eficaz no mundo dividido [entre guerras e contexto de polarização entre China e Estados Unidos] e nem em uma América do Sul dividida", pontua.
De acordo com Ricupero, que também foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Lula repetiu, em diversas oportunidades, "que o Brasil voltou [ao cenário internacional]", sem considerar o atual contexto geopolítico, o que contribuiu para afastá-lo de uma possível liderança internacional. "O mundo não é mais o mesmo [em comparação com seus primeiros mandatos]. É um mundo com muito conflito. E nesse mundo de conflito ele tomou as posições erradas [...] E naquilo que é problemático, como a Venezuela, o Brasil fica meio paralisado porque não é capaz de ter uma postura clara", analisa Ricupero.
6. Declarações pró-Rússia sobre a invasão da Ucrânia
Em busca de protagonismo internacional, Lula afirmou que gostaria de formar um “clube da paz” para encontrar uma solução para a guerra na Ucrânia. A ideia, contudo, foi deixada de lado pois, além de não ter um plano concreto para colocar a ação em prática, o petista se viu ainda isolado das discussões sobre conflito depois que fez declarações interpretadas como acenos ao ditador Vladimir Putin.
Em alguns dos posicionamentos controversos, Lula chegou a dizer que a Ucrânia seria tão culpada pelo conflito quanto a Rússia e que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, não tinha que “querer tudo”, dando a entender que o país deveria ceder seu território para a Moscou para encerrar a guerra. As declarações, é claro, não foram bem-vistas por Zelensky e nem pelas nações democráticas do Ocidente — essas que o brasileiro ainda chegou a acusar de patrocinar a guerra.
Vale ressaltar que o Brasil condenou por meio de sua diplomacia, de forma acanhada e dúbia, a invasão russa à Ucrânia. Mas as declarações de Lula se desencontram do posicionamento do Ministério das Relações Exteriores por serem pró-Kremlin. Em maio, Lula declinou um convite de Kyiv e da Suíça para participar da Cúpula da Paz na Ucrânia, que a Suíça sediou. Lula negou-se a participar de um evento sobre a guerra que não tivesse a presença de Vladimir Putin. O Brasil foi representado no encontro por um diplomata, enquanto outras nações convidadas enviaram seus chefes de Estado ou de governo. O Brasil também não assinou a declaração proposta no evento.
Por outro lado, o Brasil formulou junto à China um plano de paz para a guerra na Europa que leva em consideração os anseios da Rússia. Além de propor uma cúpula que conte com a presença de Putin e Zelensksy, o documento não prevê a retirada de tropas russas da Ucrânia e nem a devolução do território ucraniano invadido pelo exército de Putin.
7. Crise diplomática com Israel
As relações de Brasil com Israel também se deterioraram com Lula depois que o país entrou em guerra com o grupo terrorista Hamas. Em conflito desde outubro de 2023, depois que os terroristas fizeram um ataque brutal a Israel, Lula tem criticado a contraofensiva israelense. De acordo com o petista, o governo do primeiro-ministro de Benjamin Netanyahu tem se utilizado da guerra para "aniquilar” a população palestina que vive na Faixa de Gaza.
Desde o início da guerra, Lula tem apontado para uma alegada "desproporcionalidade" israelense e chegou a comparar as ações do país em Gaza ao Holocausto promovido por Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. As declarações causaram uma crise diplomática gravíssima e Lula foi declarado persona non-grata pelo governo de Israel. O embaixador Frederico Meyer foi levado ao Museu do Holocausto para explicar a comparação feita por Lula.
O Brasil de Lula retaliou removendo Meyer da embaixada em Tel Aviv e o designando para um posto nas Nações Unidas na Suíça. A retirada de um embaixador de um país não é bem-vista diplomaticamente e pode ser interpretada como um “rebaixamento” no trato dado àquele país. No momento, o relacionamento com o governo de Israel é intermediado por um encarregado de negócios.
Apesar da crise, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que a decisão está “aquém do rompimento diplomático”. De acordo com o chanceler, a decisão foi tomada devido a um descontentamento com o governo Netanyahu após chamar Meyer para prestar esclarecimentos sobre declarações de Lula de forma “constrangedora”.
8. Lula não conseguiu fechar o acordo entre Mercosul e União Europeia
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) tenta destravar há mais de 20 anos um acordo de livre comércio com a União Europeia. O tratado prevê uma série de negociações que envolvem facilitações comerciais entre os blocos e reduções tarifárias de importação e exportação. Sem sair do papel devido ao protecionismo adotado pelas nações europeias, Lula fez do acordo uma das prioridades deste seu terceiro mandato.
Após priorizar as negociações com o bloco europeu, a expectativa de Lula era anunciar a ratificação do tratado durante a Cúpula do Mercosul que o Brasil sediou em dezembro do ano passado. Mas a tentativa foi frustrada após o presidente da França, Emmanuel Macron, chamar o acordo de “ultrapassado” e defender que ele precisa ser reescrito.
Ainda em dezembro, Lula passou a presidência rotativa do Mercosul para o Paraguai, mas disse que continuou à frente das negociações com a União Europeia para o acordo de livre comércio. Em declarações recentes, Lula e Mauro Vieira demonstraram otimismo para a ratificação do acordo, mas a avaliação de especialistas não é tão positiva.
Com o crescimento de partidos de direita no Parlamento Europeu, analistas ouvidos pela Gazeta do Povo anteriormente avaliam que as negociações sobre o acordo podem sofrer com novas barreiras, o que pode atrasar ou até mesmo impedir sua possível ratificação.
9. Apoio à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela e crimes ignorados
As inúmeras declarações de apoio ao ditador Nicolás Maduro também contribuíram para o ostracismo de Lula na política externa. Após dizer que a ditadura na Venezuela era uma “narrativa” e que o autocrata merecia “presunção de inocência”, Lula foi alvo de críticas de diferentes esferas políticas. Até aliados de esquerda do mandatário brasileiro o criticaram pelos acenos feitos ao chavista.
No poder há mais de 13 anos, Nicolás Maduro é acusado de cometer crimes contra os direitos humanos, de perseguir, agredir e prender dissidentes políticos, além de ser considerado o responsável pelo auge da crise financeira e humanitária do país. Mais recentemente, o mandatário venezuelano fez ameaças de invadir e anexar cerca de 70% do território da Guiana e também desclassificou opositores de concorrer às eleições presidenciais contra ele neste mês.
Com uma relação histórica com a Venezuela, a “amizade” do petista com o país teve início durante o regime de Hugo Chávez. A identificação ideológica do mandatário brasileiro com essas figuras favoreceu a aproximação do petista com regimes venezuelanos.
10. Antagonismo de Lula com Milei afasta Brasil da Argentina
Declarações recentes do presidente Javier Milei demonstram que o antagonismo entre os dois mandatários permanece e contribui para o afastamento de ambos os países. Na semana passada, Lula exigiu que Milei se desculpasse por tê-lo chamado de “corrupto e comunista” durante sua campanha eleitoral. Milei não mudou sua avaliação moral e argumentou que Lula já foi preso por corrupção e é comunista.
Lula afirmou em entrevista ao UOL que não conversou até o momento com Milei porque ele deve desculpas ao petista e ao Brasil "por falar muita bobagem". Questionado sobre o tema durante entrevista ao canal LN+, o argentino perguntou “desde quando você tem que se desculpar por dizer a verdade? Ou estamos tão cansados do politicamente correto que nada pode ser dito à esquerda, mesmo que seja verdade?”
O presidente brasileiro teve sua condenação anulada pelo STF em 2021 porque o julgamento ocorreu no Paraná e não no Distrito Federal.
Após as declarações, Milei cancelou sua viagem ao Paraguai, para participar da Cúpula do Mercosul, onde era esperado que ambos os presidentes se encontrassem. Ainda mais, o líder argentino confirmou viagem ao Brasil para participar da Conservative Political Action Conference (Conferência de Ação Política Conservadora, em português), considerado o maior evento conservador nos EUA.
Além de discursar na conferência, Milei já tem um encontro marcado com o ex-presidente Jair Bolsonaro, um dos brasileiros convidados e que compareceu à posse do argentino. Desde que assumiu a Casa Rosada, Milei e Lula não se encontraram - como de praxe acontece com os presidentes de ambos os países. Em seus discursos, Lula já chegou a afirmar que Milei e Bolsonaro são “contra o sistema” e parte da “extrema direita raivosa e bruta”.
A única agenda em comum entre os dois mandatários foi durante a Reunião de Líderes do G7, quando apenas se cumprimentaram. Na foto oficial, ambos aparecem em lados opostos, na extrema esquerda e na extrema direita, o que não deixa de demonstrar o abismo que os separa ideológica e moralmente.
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