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Em meio ao anúncio de relaxamento de quarentena em vários estados, o coronavírus avança pelo interior do Brasil. Essas regiões já registram um terço de todos os casos confirmados de Covid-19 no país e têm ritmo de crescimento mais acelerado do que o observado em capitais, segundo levantamento feito pelo Estadão com base em dados das Secretarias Estaduais da Saúde compilados pela plataforma colaborativa Brasil.IO, que reúne estatísticas por município.
Foram analisados os dados acumulados de casos e mortes por Covid-19 até 28 de maio, último dado disponível quando o levantamento começou a ser feito. Os números mais atuais foram então comparados com os cenários de um e dois meses antes para que fosse avaliada a evolução da doença pelo país.
No fim de março, apenas 12,4% dos casos confirmados de Covid-19 no Brasik haviam sido registrados em municípios do interior. No fim de abril, esse porcentual passou para 18,6% e, na data mais recente, saltou para 34,5%, o que representa mais de 150 mil infecções confirmadas.
O número de óbitos registrados no interior segue trajetória semelhante: passou de 9,2% no fim de março para 17,8% no fim de abril e agora representa 22% do total do Brasil. Em números absolutos, já eram quase 6 mil vítimas nessas regiões no fim de maio.
Quando calculada a taxa de casos por 100 mil habitantes nos municípios afetados, verifica-se maior aceleração nas cidades do interior. Embora a incidência da doença ainda seja maior nas capitais e suas regiões metropolitanas, o índice cresce quase duas vezes mais rápido no interior do país.
Somente no último mês, entre o fim de abril e o fim de maio, a taxa de infecções confirmadas cresceu 727% no interior, passando de 16,7 para 138,3 casos por 100 mil habitantes. Nas capitais e respectivas regiões metropolitanas, a alta foi de 371% no mesmo período, com o índice subindo de 68,4 para 323,1 registros por 100 mil habitantes.
Outro dado que indica a interiorização da pandemia é o crescente número de municípios brasileiros com ao menos um caso confirmado da doença. No fim de março, eram 299. Um mês depois, eram 1.953, e hoje já são 4.098, o equivalente a 73,5% de todas as cidades brasileiras.
Situação agravada
Oito estados já registram mais casos no interior do que nas capitais e regiões metropolitanas: Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Em alguns deles, como Santa Catarina, a pandemia já estava mais concentrada fora da capital e sua região metropolitana desde os primeiros casos. Em outros, porém, o fenômeno é mais recente. Observa-se que, enquanto a capital tem queda no número de casos novos, o interior registra crescimento acelerado de novas infecções.
É o caso do Pará, que, no fim de abril, tinha apenas 24% das suas infecções registradas fora da região metropolitana de Belém. Hoje, esse mesmo índice chega a 54,8%.
Em São Paulo, a maioria dos casos segue concentrada na Grande SP, mas a proporção de casos no interior subiu de 15,1% para 22,1% no último mês.
Falta de estrutura
Além de sinalizar a ocorrência de novos focos de disseminação do vírus, a interiorização da pandemia traz a preocupação de como o sistema de saúde menos estruturado dessas localidades vai conseguir oferecer assistência adequada ao crescente número de infectados.
Segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), embora as capitais reúnam 24% da população brasileira, 48% de todos os leitos de UTI adulto do país estão concentrados nelas.
Para o virologista Pedro Vasconcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e pesquisador do Instituto Evandro Chagas, é preciso que os governos estaduais fiquem atentos à situação do interior antes de saírem anunciando planos de reabertura ao primeiro sinal de declínio de novos casos nas capitais.
"A interiorização é um problema muito sério porque o interior não tem a mesma infraestrutura de atendimento e retaguarda hospitalar que as capitais. Isso já começou a acontecer em alguns estados e traz dois cenários possíveis: ou o número de infectados vai crescer de forma que o sistema de saúde dessas localidades não vai dar conta e acabará colapsando ou esses doentes irão para as capitais, sobrecarregando mais o sistema e aumentando risco de uma nova onda onde a situação já era de declínio", ressalta.