A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ampliou nesta quinta-feira (10) as possibilidades para o uso emergencial de vacinas contra a Covid-19. Na prática, a medida tem efeito complementar à Lei 14.006/2020, a chamada “Lei Covid”, que estabelece o prazo de 72h para que a agência reguladora autorize a importação e distribuição de quaisquer vacinas registrados por autoridades sanitárias estrangeiras.
Essa é uma resposta técnica a uma pressão política. Nesta semana, governadores pressionaram o governo e a agência para que a liberação de vacinas contra a Covid-19 se desse em um prazo célere. O movimento ganhou força após o governador de São Paulo, João Doria, anunciar que a vacinação no estado de São Paulo iniciaria em janeiro com a Coronavac, imunizantes desenvolvido pela Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Apesar de estar na fase 3 dos testes, não há liberação para uso.
Esse anúncio repercutiu mal entre governadores e União. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a mencionar um período de 60 dias para análise em reunião com esse grupo, mas depois voltou atrás na própria declaração. Segundo o ministro, há possibilidade de a vacinação contra Covid-19, com doses desenvolvidas pela Pfizer e BioNTech, ter início entre dezembro e janeiro. Pazuello, no entanto, reforçou que cabe à pasta, e não aos Estados, planejar a estratégia da vacinação no país.
A resolução aprovada pela Anvisa autoriza o uso emergencial e em caráter experimental de vacinas contra a Covid-19, desde que sejam usadas para imunizar um público restrito no SUS, como idosos e profissionais de saúde, preferencialmente em programa do Ministério da Saúde.
Essa autorização só será concedida caso os laboratórios façam a solicitação na reguladora. O imunizante precisará estar em estudo clínico na fase 3 no Brasil, a última etapa de testes, e deverá ter comprovação de sua qualidade. Por ora, nenhum pedido foi feito, nem para registro de vacinas.
Resolução da Anvisa é resposta técnica a pressões políticas
Com as regulamentações, a Anvisa dá uma resposta técnica a uma pressão política. Governadores integrantes do Fórum Nacional dos Governadores e do Consórcio do Nordeste afirmaram que vão evocar a “Lei Covid” para exigir que a Anvisa aprove, em 72h, o uso emergencial da vacina do laboratório Pfizer tão logo o Food and Drug Administration (FDA) — a autoridade reguladora norte-americana — conceda a autorização para uso emergencial da empresa nos Estados Unidos.
As novas resoluções da Anvisa, na prática, possibilitam que a Pfizer possa solicitar o uso emergencial de sua vacina no Brasil, mesmo sem a aprovação do FDA. A diferença está no período em que a análise e aprovação ou não seria concedida, explica a advogada sanitarista Dryelle Costa, sócia da Dryelle Costa Advocacia, Assessoria e Consultoria Jurídica.
A especialista explica que a Pfizer poderia demandar à Anvisa o uso emergencial sob a alegação de que, no Reino Unido, o processo de imunização teve início, ainda que a vacina não tenha obtido registro de uma das unidades reguladoras internacionais previstas na “Lei Covid”. “Com base nas regras da RDC [Resolução de Diretoria Colegiada] aprovadas hoje, o uso emergencial fica sujeito a avaliação e autorização da Anvisa mesmo que não tenha o registro em uma das autoridades reguladoras previstas em lei”, afirma.
Atualmente, há quatro vacinas estão em testes de fase 3 no Brasil: a da Pfizer, a de Oxford, a da Johnson e a da Sinovac. No caso da Pfizer, os testes de seu imunizante indicam uma eficácia de 95%. Ou seja, a empresa preenche dois dos requisitos para solicitação do uso emergencial.
Pelas resoluções da Anvisa, o laboratório pode dar entrada no pedido. “A diferença é que não entraria na regra da lei. Então, a autoridade reguladora brasileira pode não cumprir o período de 72h previstos em lei”, explica Dryelle.
Estados podem acionar STF exigindo liberação de vacinas
Estados e municípios já demonstraram interesse em organizar os próprios calendários de vacinação contra a Covid-19 e estão de olho na movimentação para a liberação dos imunizantes. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PcdoB), afirmou que acionaria o Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a compra de vacinas contra a Covid-19 aprovadas por agências internacionais, ainda que sem o aval da Anvisa.
A Corte é o caminho natural para resolver a questão, incluindo a possibilidade de a Anvisa descumprir o período de 72h para autorização do uso emergencial de alguma vacina. “Numa situação como essa, o caminho com certeza é a Suprema Corte. Estaríamos falando de um possível conflito entre a União e os estados, e aí seria o objeto de matéria a ser avaliado pelo STF”, explica a advogada Dryelle Costa.
A leitura é a mesma do advogado sanitarista Daniel Dourado, pesquisador da Universidade de Paris e cofundador do think tank HealthTech & Society. Em entrevista ao Estadão, ele ressalta que o Estado poderia entrar com uma ação no STF demandando que a Corte obrigue a Anvisa a emitir a autorização. “Se isso acontecer, é uma liberação que tem que ser para o país inteiro, mesmo que seja só um estado que tenha entrado com a ação”, justifica.
O que diz a "Lei Covid"
Pela “Lei Covid”, a Anvisa tem o período de três dias para autorizar a “importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde registrados por autoridade sanitária estrangeira e autorizados à distribuição comercial em seus respectivos países”.
Além do FDA, dos Estados Unidos, estão previstas outras três reguladoras: a European Medicines Agency (EMA), da União Europeia; a Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA), do Japão; e a National Medical Products Administration (NMPA), da China.
A lei não traz o uso emergencial de vacinas e outros insumos sanitários previstos na certificação do Reino Unido, que se tornou na última quarta-feira (2) o primeiro país do Ocidente a aprovar o uso de uma vacina contra a Covid-19. Por ter desembarcado da União Europeia por meio do Brexit, não precisou esperar a autorização emergencial da Pfizer pela EMA. A Medicines and Healthcare products Regulatory Agency (MHRA), a autoridade reguladora nacional, emitiu o certificado emergencial.
Pela “Lei Covid”, a Anvisa não pode conceder em 72h o uso emergencial da Pfizer. Mas, pela resolução, reforça a advogada sanitarista Dryelle Costa, ela poderia autorizar, ainda que não nos três dias previstos em lei. Membros do FDA discutem nesta quinta-feira (10) a aprovação da vacina da Pfizer para uso emergencial nos Estados Unidos.
Não há data definida para a divulgação da decisão do FDA sobre a liberação do imunizante. Já a EMA informou na última terça-feira (1º) que decidirá até 29 de dezembro se vai autorizar provisoriamente o imunizante em caráter emergencial do mesmo laboratório.
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