Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm indicado nos bastidores que são favoráveis à vacinação obrigatória contra a Covid-19. Mas a tendência é que, nos julgamentos sobre o assunto, seja estabelecida uma solução de meio-termo: a fixação de restrições civis para pessoas que se neguem a se imunizar contra o coronavírus.
A possibilidade de uma solução intermediária está sendo cogitada porque alguns ministros manifestam preocupação em estabelecer a imunização compulsória para a população diante do fato de que a vacina, seja ela qual for, ainda estará na fase de testes. A liberação dos imunizantes para uso massivo na população, ao menos no início, será em caráter emergencial. Os estudos definitivos (e consequentemente a autorização definitiva) podem levar anos.
A vacina obrigatória é alvo de dois julgamentos no STF. Um deles vai abranger três ações impetradas, respectivamente, por PDT, Rede Sustentabilidade e PTB, cuja relatoria está nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski. Os partidos querem saber se o governo federal pode ou não estabelecer a vacinação compulsória contra a Covid-19. O outro julgamento trata de pais que, por convicção pessoal, deixaram de cumprir o calendário nacional de vacinação.
Vacina obrigatória: tendência é que julgamento ocorra nas próximas semanas
Poucos ministros do STF falam abertamente sobre o julgamento da vacina obrigatória. O decano da Corte, ministro Marco Aurélio Mello, é um deles. Em entrevista à Gazeta do Povo, ele classificou a discussão do assunto como “prematura”. Mas a tendência é que o Supremo julgue a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 no plenário da Corte nas próximas semanas.
Há nos bastidores do Supremo duas correntes distintas. Uma mais restritiva, liderada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que entender ser dever do Estado obrigar o cidadão a ser vacinar diante de casos como uma pandemia.
Já do outro lado, o ministro Ricardo Lewandowski tem dito a auxiliares que “um oficial de Justiça não pode simplesmente bater à porta do cidadão com um agente de saúde de lado”. E, dessa forma, seria mais eficaz se instituir restrições civis a se impor a vacinação compulsória.
A restrição civil tem sido bem vista por boa parte dos ministros. A ideia que começa a ser defendida nos bastidores é a institucionalização de algo que já ocorre em clubes, por exemplo. Quando um cidadão está com ferimentos ou alguma doença de pele, automaticamente os clubes proíbem o usuário de utilizar a piscina para preservar a saúde dos demais.
O receio dos ministros é que a imposição de uma vacina obrigatória, ainda mais de um imunizante que está em fase de testes, possa gerar efeitos negativos para a população. “O que está em discussão é a liberdade individual versus o direito coletivo à saúde. É um tema delicado”, admitiu um ministro em caráter reservado à Gazeta do Povo.
O que seriam as restrições civis para quem não se vacinar
Dentro das restrições civis cogitadas pelos ministros do STF está, por exemplo, a imposição por estados e municípios da obrigatoriedade de apresentação de uma carteira nacional de vacinação para deslocamentos interestaduais ou intermunicipais ou mesmo para acesso a locais públicos. Isso já ocorre com as máscaras contra o coronavírus: prefeituras e governos estaduais tiveram liberdade para determinar a obrigatoriedade, ou não, do acessório.
Desde sexta-feira passada (23), o ministro Ricardo Lewandowski tem se debruçado sobre esse tema e buscado uma solução consensual. Como integrante do grupo de risco, ele manifestou preocupação pela forma precoce com que essa temática foi levada ao Supremo. A auxiliares, manifestou desconforto em decidir sobre uma vacina que não tem eficácia totalmente comprovada. Por essa razão, ele tem sinalizado que a restrição civil seria a melhor solução neste momento.
Na semana passada, Lewandowski pediu informações à Presidência da República, à Advocacia-Geral da União (AGU) e à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o tema. A expectativa é que os órgãos se pronunciem nos próximos dias. Dessa forma, as ações teriam condições de ir a plenário até o final de novembro.
Já o ministro Luís Roberto Barroso tem uma visão mais incisiva. Tido como defensor da vacinação obrigatória, desde que o método seja comprovado cientificamente, Barroso vem buscando uma solução definitiva para esse problema. “A minha visão de mundo é uma visão de valorização da ciência e do conhecimento técnico”, disse Barroso à CNN Brasil na segunda-feira (27).
Marco Aurélio: "o que mais precisamos é cautela"
Nos bastidores, porém, integrantes do STF classificaram como açodada a tentativa de Barroso de incluir o tema vacinação obrigatória por questões pessoais durante a pandemia do coronavírus.
O decano do Supremo Marco Aurélio Mello é uma exceção e não trata do assunto apenas nos bastidores. Ele disse à Gazeta do Povo que a discussão sobre a obrigatoriedade ou não de uma vacina é prematura. “É tudo muito precoce. Não temos uma vacina adequada. Não estamos vivendo 1904 [ano da revolta da vacina]”, disse o ministro.
Para ele, o Supremo deveria esperar ao menos um processo de conciliação entre estados e municípios antes de se debruçar sobre o tema ou mesmo a possibilidade de uma campanha de conscientização do Ministério da Saúde.
“Agora, o que mais precisamos é cautela e esperar que a matéria fique madura”, disse o ministro. “Tudo que é empurrado goela abaixo é muito ruim. Vamos primeiramente confiar na sabedoria popular”, defendeu Mello sobre a disponibilidade ou não da população em tomar um imunizante.
O que dizem as ações que tratam da vacina obrigatória
O PDT quer que o Supremo garanta a competência de estados e municípios para impor vacinação obrigatória contra a Covid-19.
Já a Rede Sustentabilidade pretende obrigar o governo federal a assinar um protocolo de intenções para a aquisição de 46 milhões de doses da vacina chinesa Sinovac, que será produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo – além de incluir o imunizante no Programa Nacional de Imunização (PNI).
Por sua vez, o PTB quer limitar a abrangência da Lei 13.979/20, que instituiu “as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.
A partir de uma interpretação dessa lei federal, o STF permitiu que estados e municípios poderiam estabelecer medidas restritivas para conter a pandemia do coronavírus, como a implementação de lockdowns. Os estados entendem que, a partir dessa decisão, também teriam direito a impor vacinação obrigatória.
Já a outra ação, relatada pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso, vai discutir saber se os pais podem deixar de vacinar os seus filhos, tendo como fundamento convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais.
O julgamento tem como origem um recurso extraordinário impetrado por dois pais paulistanos que questionam ação impetrada pelo Ministério Público de São Paulo. O MP tenta na Justiça obrigá-los a seguir o calendário nacional de vacinação, alegando que os pais infringiram o artigo 249, do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda”. Para o MP, o bem-estar da criança está acima das convicções pessoais dos pais.
Os pais, do outro lado, alegam que seu filho está saudável e acompanhado por médicos e, por isso, não poderiam ser acusados de serem negligentes com a criança.
Em primeira instância, houve o reconhecimento de que os pais têm autonomia para vacinar ou não a criança. Em segunda instância, a Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu justamente o contrário. “A tutela da saúde da criança tem prioridade absoluta no que diz respeito à proteção dos interesses do menor, prevalecendo sobre interesses particulares ou decorrentes de posições ideológicas próprias dos genitores", disse o relator da matéria, o desembargador Fernando Torres Garcia. “O texto constitucional garante a prioridade absoluta da criança, devendo a sociedade, a família e o Estado garantirem, entre outros direitos, a saúde dos menores”, disse Barroso no pedido de repercussão geral desse processo.
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