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O início da campanha de vacinação contra a Covid-19 no Brasil está sendo marcado por uma série de incertezas. O principal desafio é adquirir doses suficientes para imunizar toda a população no prazo mais rápido possível. Mas, além disso, outros entraves menores já surgiram e, se não forem corrigidos, podem impactar negativamente a campanha. A Gazeta do Povo elencou cinco desses desafios:
1. Informação correta, precisa e amplamente divulgada
Um dos desafios da campanha de vacinação é repassar informações corretas para a população e conter a disseminação de notícias falsas. Isso é importante, dizem os especialistas, para que não haja dúvidas e até mesmo questionamentos sobre critérios de escolha dos grupos prioritários na vacinação. Se isso não for feito, o poder público pode cair em descrédito – o que, por sua vez, pode "contaminar" a credibilidade da campanha de imunização.
Isso inclui desde fatores mais básicos – como locais, horários de vacinação, como fazer o cadastro para se vacinar, como comprovar se a pessoa tem fator de risco – até aqueles um pouco mais complexos, como os motivos científicos para a escolha dos grupos prioritários.
“A gente tem uma falta de informação do governo sobre qualquer coisa. Ninguém está sabendo de nada da campanha. Estamos vendo as pessoas que foram vacinadas. Mas a gente não sabe, por exemplo, o que a pessoa que é diabética vai precisar apresentar para se vacinar”, diz Ethel Maciel, epidemiologista e professora vinculada ao Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Ela ressalta que a falta de informações claras afeta inclusive a credibilidade da campanha junto ao público.
E as primeiras semanas de vacinação já deixaram claro que existe muita confusão em definir a ordem de escolha dos vacinados, inclusive com registros de pessoas furando a fila.
Embora em tese haja um plano nacional de imunização, que deve ser seguido em todo o país, os municípios estão escolhendo subgrupos prioritários diferentes dentro dos grupos prioritários. Há cidades que já começaram a vacinar, por exemplo, idosos. Outras, não. Preferiram imunizar antes profissionais de saúde que não estão diretamente na linha de frente do combate à Covid-19, como psicólogos, dentistas e até veterinários.
“Se a população entende, sabe quem é o público alvo, entende que tem ordens de vacinação, etapas, isso diminui bastante a ansiedade, Melhora a adesão. Então, quanto maior é a divulgação, quanto maior é o número de profissionais que estão esclarecendo dúvidas, melhor”, explica Karin Luhm, epidemiologista e professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Outro desafio é combater fortemente as fake news envolvendo a vacinação. “Eu acompanhei o início da vacinação contra gripe. No começo, todo mundo achava que a vacina contra a gripe era para matar velhinhos para diminuir o número de pagamento de aposentadorias”, afirma Karin Luhm.
E as vacinas contra a Covid-19 já são alvo de informações falsas que circulam amplamente nas redes sociais.
2. Cadastramento facilitado para a fila da vacinação
Grande parte dos municípios está promovendo um cadastro online, via site ou aplicativo, para a pessoa entrar na fila de vacinação e ser convocada quando chega a sua vez. Por um lado, o cadastramento online agiliza e pode facilitar o andamento da fila. Além disso, também permite um controle melhor de quem foi imunizado, com qual vacina, para que receba a segunda dose no prazo certo. Essas informações servem ainda para monitorar a segurança da vacina a longo prazo, com a imunização em massa.
Mas a eficácia do cadastro online esbarra muitas vezes nas limitações de acesso à internet (sobretudo da população mais carente) e na dificuldade de muitas pessoas de lidarem com tecnologia (especialmente os idosos). Por isso, há especialistas que recomendam que haja alternativas, como agendamento telefônico.
Outro problema verificado em alguns sistemas de cadastro é que a pessoa não tem como informar, por exemplo, se apresenta comorbidades que a colocariam num dos grupos prioritários de vacinação.
3. Descentralizar ou centralizar os locais de vacinação?
Em cidades que decidiram centralizar a vacinação em um único local ou em poucos pontos, houve registros de filas, demora na imunização e aglomerações – o exato oposto do que recomendam os especialistas.
Foi o caso de Curitiba (PR), que centralizou a aplicação dos imunizantes num espaço amplo batizado de "Pavilhão da Cura". O Ministério Público e a Defensoria Pública pediram à prefeitura que os locais de vacinação sejam descentralizados para facilitar o acesso da população.
Nos municípios com vacinação descentralizada, com várias unidades de imunização, não foram registrados casos de aglomeração de pessoas na proporção de Curitiba.
Por outro lado, quem defende a centralização afirma que, como o imunizante é escasso, um único local permite às autoridades sanitárias terem um controle maior tanto na questão da perda de doses quanto do risco de que haja desvios de vacinas. Porém, para que não ocorram problemas de aglomerações, o sistema de agendamento da vacinação tem de funcionar muito bem – o que não ocorreu em vários momentos em Curitiba, por exemplo.
4. Acabar com as furadas de fila
Em um contexto de doses insuficientes para a imunização até mesmo dos grupos definidos como prioritários pelo Ministério da Saúde, crescem os relatos de "fura-filas" – pessoas que não têm direito à vacina nessa etapa da campanha mas que conseguiram uma dose.
A epidemiologista Ethel Maciel classifica esses episódios como um “desastre”. Só no Rio Grande do Sul, por exemplo, o Ministério Público investiga ao menos 200 suspeitas de fura-filas.
As furadas de fila desacreditam a campanha de vacinação, indiretamente incentivam que outras pessoas tentem fazer o mesmo e distorcem o plano nacional de vacinação, que foi concebido para proteger os mais vulneráveis na primeira etapa. Em última análise, uma furada de fila pode representar a morte de uma pessoa que era do grupo prioritário porque, em algum momento, vão faltar vacinas.
5. Não exigir termo de responsabilidade
Ao menos por enquanto, a exigência para que a pessoa assine um termo de responsabilidade ao se vacinar não tem sido um problema na campanha de vacinação contra a Covid-19. Até mesmo porque isso não está sendo exigido. Mas, eventualmente, isso pode vir a ocorrer caso o Brasil passe a usar algumas vacinas que ainda não estão sendo usadas no plano nacional de imunização.
Para a epidemiologista Karin Luhm, o termo de responsabilidade não é recomendado se as vacinas forem aprovadas pelas agências reguladoras, mesmo que para uso emergencial. Segundo Karin, as vacinas já aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são seguras, e não apresentaram relatos de eventos adversos graves durante os testes.
Mas, se as autoridades sanitárias passarem a exigir um termo de responsabilidade, isso pode lançar dúvida sobre a segurança do imunizante, ou seja, se a vacina provoca alguma reação adversa grave. E ao menos parte das pessoas pode desistir de ser vacinada – o que pode comprometer a eficácia do combate à Covid-19, já que o vírus só deixará de circular quando uma parcela muito grande da população, de pelo menos 70%, estiver imunizada.
A possibilidade de as autoridades exigirem um termo de responsabilidade foi levantada em dezembro pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Ele se referia às negociações para a compra de vacinas da Pfizer – que, segundo Bolsonaro, queria incluir no contrato uma cláusula para que não ser responsabilizada por eventuais efeitos colaterais.