As dificuldades na importação de doses e de insumos para produzir vacinas no Brasil são uma grande ameaça à recém-iniciada campanha de imunização contra a Covid-19. Para especialistas, há risco real de a vacinação contra o coronavírus ser interrompida em pouco tempo, por falta total de imunizantes.
O plano de imunização começou com apenas 6 milhões de doses da coronavac, importadas da China pelo Instituto Butantan. Outros dois milhões de doses da vacina de Oxford, produzidas na Índia, já deveriam ter chegado. Mas, depois de dois adiamentos, o governo desistiu de fixar nova data para receber as doses.
A quantidade de vacinas atualmente disponível não é suficiente nem mesmo para imunizar os profissionais de saúde, que somam cinco milhões de pessoas no Brasil. Para imunizar uma pessoa, são necessárias duas doses – ou seja, atualmente o Brasil vai conseguir imunizar 3 milhões de pessoas.
O Instituto Butantan já tem outros 4,8 milhões de doses em fase final de produção, mas aguarda nova autorização da Anvisa para uso emergencial. O pedido foi feito na segunda-feira (19). Ainda assim, a disponibilidade de doses no Brasil chega a apenas 10,8 milhões.
E o Butantan, por ora, não recebeu novas remessas do Insumo Farmacêutico Ativo, o princípio ativo da vacina, importado da China. "Temos um carregamento de matéria-prima pronto lá na China para ser despachado", afirmou o presidente do Butantan, Dimas Covas. "Estamos aguardando apenas a autorização do governo chinês para poder trazer e, assim, iniciar a segunda etapa de produção. Mas dependemos da matéria-prima para poder continuar esse processo." Segundo ele, o problema é de ordem burocrática.
O Butantan tem capacidade para fabricar um milhão de doses por dia. Mas, para isso, depende de insumos feitos pelo laboratório chinês Sinovac que, precisam ser importados. "A capacidade de produção foi atingida, mas precisamos dessa matéria-prima", disse Dimas Covas. A instituição estimar que ainda demore dez meses para ter capacidade de produzir a vacina sem depender de insumos importados. Uma nova fábrica do Butantan está em construção na zona oeste de São Paulo.
Dimas Covas não informou quantas doses poderão ser feitas com a matéria-prima que aguarda importação. Mas explicou que "mil litros [da matéria-prima] dão origem a um milhão de doses".
E a vacina de Oxford?
Já Fiocruz nem começou a sua produção da vacina de Oxford/AstraZeneca. O instituto ainda não recebeu nenhuma remessa dos insumos para produzir o imunizante. Embora seja vista como "vacina inglesa", o imunizante de Oxford também depende de insumos produzidos na China. Em nota, a instituição informou que a chegada dos insumos em janeiro ainda está dentro do calendário contratual. A Fiocruz pode produzir no Brasil até 1 milhõrs de doses por dia.
Por contrato, se a AstraZeneca não entregar o princípio ativo, deve fornecer as vacinas prontas. A farmacêutica diz que continua trabalhando na liberação dos lotes dos insumos de produção, na China.
Segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o governo chinês não está sendo célere na liberação da burocracia para a exportação das substâncias para a produção no Brasil do imunizante.
Sobre a importação de dois milhões de doses prontas do imunizante de Oxford, plano que o governo previa executar no fim de semana, Pazuello disse que ainda não havia recebido "resposta positiva" sobre a compra. Sem citar uma data, ele disse que teve "sinalização" de que o embarque vai se resolver nesta semana.
É importante começar a vacinação, mesmo com poucas doses
Especialistas concordam que foi muito importante ter começado a campanha de imunização contra o coronavírus, ainda que com poucas doses disponíveis.
"Certas estratégias não podem ser postergadas. Estamos no auge do número de novos casos e óbitos, qualquer estratégia com evidência científica deve ser implementada, mesmo que o ritmo da vacinação não seja o ideal", afirmou o chefe do setor de infectologia da Unesp, Alexandre Naime Barbosa. "Esse é o preço que estamos pagando pela falta de planejamento por parte do governo federal."
Especialistas destacam que o governo não levou adiante as negociações com a Pfizer e a Moderna para a compra de imunizantes. Lembram também que, num primeiro momento, o país não quis entrar no consórcio da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a compra de vacinas e, por fim, quando decidiu participar, foi com apenas 10% das doses. Segundo explicou o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, é uma tradição brasileira fazer esse tipo de compra em pool. É uma forma a ganhar preferência dos fabricantes.
"Isso tudo nos coloca numa condição extremamente fragilizada, sobretudo diante do aumento de demanda global para todas essas fábricas, como a da Índia, que estão com um cronograma altamente apertado em razão das próprias demandas internas e de outras externas", resume o virologista Flávio Guimarães, da UFMG.
"Mais do que nunca, vejo como alternativa a continuação do investimento brasileiro num imunizante nacional; temo que o fornecimento externo não vá oferecer a cobertura que precisamos" afirma Guimarães.
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