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“O Brasil deve apostar no futuro em vacina nacional.” A declaração feita pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante depoimento à CPI da Covid, dá uma pista de que a solução para o controle do coronavírus no futuro será a produção de imunizantes nacionais. Isso permitirá ao país não ser dependente de insumos ou da transferência de tecnologia estrangeira para enfrentar a Covid-19.
A dependência do Brasil em relação a outros países tem sido um dos principais entraves para a aceleração da campanha de vacinação no país. Sem o ingrediente farmacêutico ativo (IFA), grande parte importado da China, a fabricação dos imunizantes, tanto por parte do Instituto Butantan como da Fiocruz, tem sido paralisada constantemente e provocado atrasos no cronograma de vacinação do Plano Nacional de Imunizações (PNI).
Como as vacinas 100% nacionais não ficarão prontas no curto prazo, elas dificilmente poderão acelerar a vacinação ainda em 2021 – quando toda a população adulta terá sido vacinada. O Butantan e a Fiocruz até terão tecnologia para produzir em território nacional, até o fim de 2021, o IFA da Coronavac e da AstraZeneca/Oxford. Mas vacinas nacionais darão mais segurança ao país no futuro, pois novas variantes do coronavírus poderão vir a tornar os atuais imunizantes menos eficazes. E uma nova corrida mundial por doses é algo que não pode ser descartado.
O que está sendo feito para que o país tenha vacinas nacionais
No dia 1.º de junho, o Congresso aprovou um projeto de lei para a abertura de crédito suplementar no valor de R$ 415 milhões para o financiamento de testes clínicos nas fases 1 e 3 das vacinas nacionais contra o coronavírus. Segundo informações do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, atualmente há 15 vacinas contra a Covid-19 totalmente nacionais em desenvolvimento no Brasil.
No fim de maio, durante participação na Comissão Temporária da Covid-19 no Senado, o ministro Marcos Pontes reforçou a necessidade da independência tecnológica brasileira para dominar a produção das três fases do imunizante: a tecnológica, a produção de insumos e o envase.
Na ocasião, Pontes afirmou que a prioridade da pasta no momento é acelerar a produção de vacinas totalmente nacionais. “Além da Fiocruz e do Butantan, nós temos os nossos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), que congregam pesquisadores de diversas instituições, inclusive da Fiocruz e do Butantan, e são elas que estão desenvolvendo essas vacinas nacionais.”, afirmou.
Dentre os imunizantes em desenvolvimento, ao menos duas vacinas estão em processo avançado de pesquisa e podem começar a ser utilizadas ainda neste ano ou no início de 2022. A Gazeta do Povo listou abaixo as mais promissoras:
Butanvac, do Instituto Butantan
A vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan é uma das principais esperanças de um imunizante brasileiro que possa ser utilizado ainda este ano. Ao menos essa é a expectativa do instituto paulista.
Segundo com o governador de São Paulo, João Doria, o Butantan já produziu 7 milhões de doses da Butanvac e terá produzido 40 milhões até o final de outubro. A grande vantagem do imunizante fabricado pelo instituto é o custo, até quatro vezes menor que a própria Coronavac, também produzida pelo Butantan, e entre 6 a 7 vezes menor que outras vacinas disponíveis no Brasil.
A Anvisa autorizou nesta quarta-feira (7) o início da aplicação da Butanvac em voluntários que farão parte dos testes clínicos. A pesquisa clínica da fase 1 e 2 da Butanvac está dividida em três etapas. Neste momento, segundo o órgão regulador, está autorizada a etapa 1 do estudo, que vai envolver 400 voluntários. Ao todo, as duas fases têm previsão de 6 mil voluntários com 18 anos ou mais. Só depois disso será feita a fase 3, a última antes de o imunizante poder pedir autorização na Anvisa para uso em toda a população. A vacina será aplicada com duas doses, em um intervalo de 28 dias entre a primeira e a segunda dose.
A expectativa do governo paulista é de que, quando a vacina estiver aprovada, o novo imunizante seja utilizado para completar a vacinação de outros estados brasileiros ou ainda utilizá-la em um eventual plano de vacinação em 2022.
De acordo com Doria seis países da América Latina já solicitaram o imunizante. Segundo o diretor do Instituto Butantan, Dimas Tadeu Covas, a Butanvac será produzida integralmente no Brasil, sem dependência alguma por insumos estrangeiros. A tecnologia utilizada em sua produção será a mesma utilizada na fabricação da vacina da gripe. “O Butantan é o maior produtor da vacina da gripe do hemisfério sul”, lembra Covas.
A Butanvac é produzida a partir de um vírus geneticamente modificado em laboratório que contém uma única proteína do novo coronavírus, que é utilizada para entrar nas células humanas. Esse processo é o mais utilizado atualmente em projetos de vacinas para gerar uma resposta imune do corpo humano ao coronavírus
No processo de produção da Butanvac serão utilizados ovos de galinha. O vírus modificado é injetado nesses ovos com os embriões vivos. Depois de um período, esse vírus se multiplica e acaba sendo liberado para o líquido que fica ao redor desse embrião. Depois de purificado e com o vírus inativado, esse líquido é adicionado na fórmula da vacina. Esse é o mesmo processo utilizado na vacina da gripe.
Versamune, vacina financiada pelo governo federal
O governo federal também trabalha para desenvolver uma vacina 100% nacional. A expectativa é de que os testes da Versamune MCTI sejam realizados ainda neste ano. O imunizante está sendo desenvolvido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, com supervisão e financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
De acordo com o secretário de Pesquisa e Formação Científica do MCTI, Marcelo Morales, os testes clínicos da vacina brasileira devem começar em breve. “Demos entrada na Anvisa no final de março. A agência pediu alguns ajustes, como o aumento do número de pacientes na fase 1 e 2, e esse ajuste foi feito. Foi elaborado um novo lote piloto e em breve nós vamos iniciar a vacinação em ensaio clínico com pacientes”, afirmou Morales, durante participação audiência Pública da Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 da Câmara dos Deputados no dia 15 de junho.
Durante entrevista para A Voz do Brasil, o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, cogitou a possibilidade da aceleração emergencial da fase 3 da Versamune MCTI, assim como aconteceu com outras vacinas já em uso que foram aprovadas pela Anvisa. “Esperamos que os testes aconteçam ainda neste ano, pelo menos para ter uma abertura em emergência da fase 3. Havendo eficiência e segurança comprovadas, a vacina será usada aqui no Brasil”, afirmou o ministro.
Em entrevista para o jornal da USP, o coordenador dos estudos da Versamune, professor Celio Lopes Silva, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, falou sobre os resultados promissores do imunizante, afirmando que ele deve gerar uma memória imunológica de até 12 anos.
“Os resultados dos estudos não clínicos mostraram que ela é segura para animais e, diferentemente das outras vacinas, ela tem a capacidade de ativar todo o sistema imunológico que impede não só a entrada do sars-cov-2 [coronavírus] para dentro das células como também matam as células já infectadas”, disse.
De acordo com ele a vacina é segura, pois não contém o vírus inativo ou partículas virais. “No geral, podemos definir essa como uma vacina nanoparticulada, que contém o antígeno S1, veiculada com um carreador. É um imunizante que, ao entrar na célula, estimula todo o sistema imunológico”, explicou o professor ao Jornal da USP.
Vacina multifuncional da UFPR
Uma terceira vacina, desenvolvida pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), tem se mostrado animadora nos testes em laboratório.
Ainda em fase inicial de pesquisas, os testes pré-clínicos devem ser encerrados até o fim deste ano. A expectativa dos pesquisadores é de que o imunizante possa ser disponibilizado para toda a população em 2022.
O trabalho de desenvolvimento da vacina utiliza a produção de partículas de um polímero biodegradável, revestidas com partes específicas da proteína Spike, responsável pela entrada do coronavírus nas células humanas.
O custo de produção, segundo os cientistas, é de menos de R$ 5 para cada dose. Uma das principais características do imunizante é que ele pode ser “recombinado” para ser utilizado também em outras doenças bastante comuns no Brasil, como dengue, zika vírus, leishmaniose e chikungunya, o que dá uma característica multifuncional à vacina.
“Essa vacina vai ser estratégica e necessária em 2022, em 2023, quem sabe até depois. É uma vacina paranaense, uma vacina de baixíssimo custo, que pode dar as condições no futuro para uma soberania tecnológica, que hoje tem afligido nossa sociedade, com a espera de IFA da Índia, da China. É uma vacina com um mecanismo tecnológico e imunização que até aqui se demonstrou bastante alvissareira”, afirma o reitor da UFPR, professor Ricardo Marcelo Fonseca.
A UFPR, porém, não tem os recursos financeiros necessários para desenvolver a vacina – a universidade estima que vai precisar entre R$ 50 milhões e R$ 76 milhões para desenvolvê-la. Por isso, a UFPR lançou uma campanha para arrecadar os recursos com a doação de pessoas e empresas. As informações para doar recursos para a vacina da UFPR podem ser acessadas no site ao qual este link da reportagem está relacionado.