O vandalismo nas sedes dos Três Poderes em Brasília, no último dia 8, deu sobrevida à pretensão do ministro Alexandre de Moraes de manter por mais tempo em suas mãos, no Supremo Tribunal Federal (STF), as investigações que miram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu grupo mais próximo de militantes e aliados. Isso inclui, dentre outros, os inquéritos das fake news e das milícias digitais – que são questionados por juristas e políticos por não obedecerem a todo o trâmite regular da Justiça.
Até o ano passado, alguns ministros do STF, incomodados com o desgaste que as medidas de Moraes causam à imagem da Corte, cogitavam convencê-lo a encerrar os inquéritos. Para esses ministros, os inquéritos alimentavam ainda mais a insatisfação popular contra o Supremo. Mas esse movimento se enfraqueceu com os atos de 8 de janeiro. E Moraes ganhou força interna para manter as investigações.
Aos inquéritos que já tramitavam no STF antes de 2023, agora se somarão ao menos mais duas investigações, recém-abertas pelo ministro, para elucidar a participação de autoridades, por omissão ou instigação, nos atos que depredaram os prédios do Congresso, Palácio do Planalto e STF.
A pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), foi aberto um inquérito específico para apurar se houve conivência, em razão da falta de efetivo policial na Esplanada dos Ministérios, por parte do governador afastado do Distrito Federal Ibaneis Rocha (MDB) e de seu ex-secretário de Segurança Anderson Torres, que também foi ministro da Justiça no governo Bolsonaro.
Outro inquérito específico contra o ex-presidente foi aberto com base num vídeo que Bolsonaro publicou dias depois do 8 de janeiro atribuindo a vitória eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à atuação do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A premissa da investigação é de que esse discurso, de deslegitimação do processo eleitoral, estimularia novos protestos contra o resultado das urnas.
Moraes ganhou força porque ministros do STF entenderam que ele tinha razão
Entre ministros da Corte, alguns fatores justificam o prolongamento das investigações no STF, sobretudo as que podem atingir Bolsonaro. A rigor, como já não tem mais foro privilegiado, o ex-presidente e boa parte dos investigados nesses casos poderiam responder na primeira instância judicial. Mas, desde 2019, tal regra vem sendo contornada por Moraes com base numa regra regimental do STF que permite à Corte abrir inquéritos próprios para apurar crimes que tenham ocorrido nas dependências do tribunal. Esse dispositivo recebeu, dos próprios ministros, uma interpretação alargada, para abarcar também ofensas e ameaças dirigidas aos membros do Supremo, sobretudo no ambiente virtual, que poderiam constranger a atuação deles.
A invasão do edifício-sede do STF em 8 de janeiro deu a Moraes fundamentação mais concreta para manter os inquéritos e abrir os novos com base na mesma regra do regimento. Isso ocorre porque a depredação do patrimônio, a ameaça de violência direta aos ministros do STF e a tentativa de afetar seu regular funcionamento configuram crimes praticados literalmente no interior do tribunal.
Outro entendimento que motiva ministros do STF a avalizar a manutenção dos inquéritos com Moraes é a confirmação de que as ameaças no ambiente virtual representavam um perigo real para a segurança deles. Colegas de Moraes na Corte avaliam que ele tinha razão em manter as investigações sob sua condução, ainda que à margem do Ministério Público, que sempre teve atuação tímida na descoberta de novas ameaças. As medidas mais importantes sempre foram autorizadas por Moraes a pedido de um grupo restrito de delegados da Polícia Federal (PF) com quem ele mantém relação direta.
Por fim, e mais importante, as diligências determinadas por Moraes para investigar os executores dos atos de vandalismo, os possíveis mandantes, financiadores e organizadores, poderá abastecer os inquéritos com novas informações. Esses dados ainda terão de ser cruzados e analisados para alimentar novos processos criminais. É um trabalho que deve se estender por um longo tempo.
Na quarta-feira (18), por exemplo, Moraes informou em nota que já foram tomados depoimentos de 1.459 pessoas presas, em audiências de custódia, realizadas por juízes convocados pelo ministro. Com base nessas audiências, ele decidiu manter a prisão de 740 detidos por tempo indeterminado. Outras 335 pessoas foram soltas até quinta-feira (19). Mas serão monitoradas, seja com tornozeleira ou comparecimento periódico perante a Justiça. Também foram proibidas de deixar o país, de manter contato com outros investigados e usar redes sociais.
Além da coleta das informações prestadas por essas pessoas, Moraes e seus auxiliares ainda terão como material de análise imagens coletadas nos palácios, registros de estada em hotéis de Brasília, relação de passageiros que viajaram à capital para o ato, além de dados obtidos em apreensões e possíveis quebras de sigilo – várias diligências correm em segredo de Justiça.
“Todos os casos serão analisados pelo STF, que está responsável por decidir quem segue preso e quem eventualmente pode responder em liberdade”, diz a nota do ministro. A concentração da investigação na Corte, descartando assim a possibilidade de distribui-la para tribunais de primeira instância, indica a intenção de Moraes de continuar no comando dos casos.
Procurador vê risco em manter inquéritos contra Bolsonaro no STF
Nos bastidores do Ministério Público, a centralização dos inquéritos no STF é vista como temerária, dada a dimensão tomada pelo caso. “A investigação do Alexandre de Moraes não resolve. Pedimos para mandar para o primeiro grau, que entende do assunto e sabe melhor investigar. Até hoje, no STF, não se descobriu exatamente quem manda e financia. E agora a coisa explodiu”, diz sob condição de sigilo de fonte, um procurador que acompanha o caso.
A depredação nas sedes dos três poderes, no entanto, jogou mais pressão sobre o procurador-geral da República, Augusto Aras, muito criticado dentro do Ministério Público Federal (MPF) e também por alguns ministros do STF por não ter se empenhado mais nas investigações sobre a “milícia digital”. Desde os atos de vandalismo, ele reagiu às críticas montando um “Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos” e delegando a um subprocurador, Carlos Frederico Santos, o papel de processar os infratores.
Na segunda-feira (16), Aras denunciou ao STF 39 pessoas que participaram do quebra-quebra no Senado, pedindo R$ 40 milhões dos acusados para reparar os danos. Na quarta (18), mais cinco foram denunciados por depredar a sede do Supremo, inclusive o homem flagrado roubando uma cópia do volume original da Constituição. Há mais denúncias em preparação para serem ajuizadas.
As acusações de Aras seguem a linha adotada por Moraes, de considerar a invasão um atentado contra a democracia. “O ataque às sedes dos Três Poderes tinha por objetivo final a instalação de um regime de governo alternativo, produto da abolição do Estado Democrático de Direito. [...] Os autores pretendiam impedir de forma contínua o exercício dos Poderes Constitucionais, o que implicaria a prática reiterada de delitos até que se pudesse consolidar o regime de exceção pretendido pela massa antidemocrática”, diz a PGR.
Até agora, a iniciativa mais incisiva da Procuradoria-Geral da República se deu contra o próprio Bolsonaro, na apresentação de um novo pedido de inquérito para investigar suposta instigação e autoria intelectual do ex-presidente nos “atos antidemocráticos”. A representação sugere que, ao postar vídeo no dia 10 de janeiro questionando a regularidade das eleições presidenciais de 2022, Bolsonaro teria feito incitação pública à prática de crime. No vídeo, um procurador do Mato Grosso do Sul dizia que “Lula não foi eleito pelo povo brasileiro, foi escolhido pelo serviço eleitoral, pelos ministros do STF e pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral”.
Moraes aceitou o pedido e instaurou um novo inquérito, que se soma a outros quatro que o ministro mantém contra Bolsonaro na Corte. Ele apontou relação próxima entre eles. “O pedido encaminhado pela Procuradoria-Geral da República, em análise inicial, aponta que, tanto a conduta noticiada quanto sua posterior divulgação por meio das redes sociais se assemelham ao modus operandi anteriormente detalhado e investigado nos autos dos Inqs. 4.781/DF [fake news] e 4.874/DF [milícias digitais], no qual se revela a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político, com a nítida finalidade de atentar contra as Instituições, a Democracia e o Estado de Direito”, afirmou o ministro do STF.
Mais adiante, em seu despacho, Moraes deixou mais clara a sua interpretação de que há relação entre as investigações: “O mesmo modus operandi de divulgação utilizado pela organização criminosa investigada em ambos os inquéritos anteriormente mencionadas, com intensas reações por meio das redes virtuais, pregando discursos de ódio e contrários às Instituições, ao Estado de Direito e à Democracia, circunstâncias que, em tese, podem ter contribuído, de maneira muito relevante, para a ocorrência dos atos criminosos e terroristas tais como aqueles ocorridos em 8/1/2023, em Brasília/DF”.
É possível que material já colhido em parte das investigações mais antigas seja incorporado ao novo inquérito em razão de terem objetos similares. A necessidade de compartilhamento é mais um motivo que justifica a manutenção dos inquéritos das fake news e das milícias digitais sob a supervisão de Moraes. A PGR já pediu o interrogatório de Bolsonaro, mas o ministro do STF disse que só vai decidir depois que o ex-presidente retornar dos Estados Unidos, para onde viajou um dia antes do final de seu mandato.
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