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Entre janeiro e 5 de julho de 2024 o governo liberou para os caixas de mais de 3 mil municípios R$ 3,98 bilhões em emendas parlamentares na modalidade de transferência especial, as conhecidas emendas pix, que foram suspensas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em ações judiciais que cobram mais transparência deste tipo de emenda.
Entre os dez municípios que mais receberam esse tipo de transferência figuram algumas capitais, como Macapá (AP), na primeira posição, e São Paulo, na sétima. A lista das 10 cidades que mais receberam emendas pix conta com pequenos municípios, como Coari (AM), em segundo lugar, e Coração de Maria (BA), em terceiro.
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- MACAPÁ-AP: R$44.391.815,83 - Prefeito: Dr Furlan (MDB)
- COARI-AM: R$33.648.764 - Prefeito: Keitton Pinheiro (PP)
- CORAÇÃO DE MARIA-BA: R$20.282.398 - Prefeito: Kley Carneiro Lima (PP)
- COTIA-SP: R$18.590.076 - Prefeito: Rogério Franco (PSD)
- SENA MADUREIRA-AC: R$18.582.668 - Prefeito: Mazinho Serafim (Podemos)
- CARAPICUÍBA-SP: R$18.285.054 - Prefeito: Marcos Neves (PSDB)
- SÃO PAULO-SP: R$16.343.729 - Prefeito: Ricardo Nunes (MDB)
- OSASCO-SP: R$16.084.268 - Prefeito: Rogério Lins (Podemos)
- SÃO MIGUEL DO GUAMÁ-PA: R$15.249.610 - Prefeito: Eduardo Pio X (MDB)
- GUARAREMA-SP: R$15.118.900 - Prefeito: Zé do PL (PL)
Esse tipo de transferência foi apelidado de emendas pix, pois são enviadas diretamente para o destinatário, sem a necessidade de especificar para quê os recursos devem ser utilizados, como ocorre com aqueles destinados a fundos municipais de saúde ou viários. É um dinheiro que entra na conta do município sem uma finalidade determinada e que pode ser utilizado pela prefeitura da forma como melhor lhe convenha.
No total, o valor do repasse efetuado em 2024 é 248% superior ao destinado no mesmo período do ano passado, quando as transferências especiais para os municípios chegaram a R$ 1,6 bilhão, além de ser maior do que nos anos inteiros de 2022, 2021 e 2020, quando o modelo de transferência especial foi implementado.
Na manhã desta sexta-feira (16), o Supremo Tribunal Federal formou maioria para manter as decisões do ministro Flávio Dino que suspenderam os pagamentos das emendas parlamentares impositivas, que incluem as “emendas pix”, as individuais e as de bancada estadual.
Já votaram favoráveis à decisão de Dino em três ações que pedem a revisão desse tipo de pagamento os ministros André Mendonça, Edson Fachin, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Os julgamentos começaram na madrugada desta sexta-feira (16) no plenário virtual e devem terminar no mesmo dia.
O STF analisa as decisões proferidas por Dino em três ADIs (Ação Direta de Inconstitucionalidade) propostas pela Procuradoria-Geral da União (ADI 7695), pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), na ADI 7688, e pelo PSOL (ADI 7697).
As duas primeiras ações pedem mais transparência no pagamento das chamadas “emendas pix”. Já o PSOL alega que a obrigatoriedade de execução das emendas parlamentares individuais e de bancada implicam “em um desarranjo na separação dos poderes, ao deslocar parte significativa da prerrogativa de gestão orçamentária do Poder Executivo para o Legislativo”.
Partidos do Centrão comandam 9 das 10 cidades que mais receberam emendas pix
Como demonstra a tabela no início desta reportagem, os partidos do Centrão comandam 9 das 10 prefeituras que receberam os maiores valores de "emendas pix". A única exceção é Guararema em São Paulo, governada pelo PL, o principal partido de oposição ao governo.
Além de Macapá, o MDB comanda outros dois municípios que estão no ranking. Depois aparecem empatados o PP e o Podemos com duas prefeituras cada, o PSDB, o PSD e o PL, com uma prefeitura cada.
Para fazer os cálculos, a Gazeta do Povo utilizou os dados disponibilizados no portal Siga Brasil, do Senado Federal, com atualização das transferências até o dia 5 de julho – data limite para que o Congresso fizesse transferências pix para municípios, em razão do período pré-eleitoral. Foram considerados os valores referentes às emendas de transferência especial que foram repassadas apenas para órgãos municipais.
Ano eleitoral motiva maior repasse de emendas às prefeituras
Não são apenas órgãos municipais que podem receber emendas de transferência especial. Cerca de R$ 500 milhões, de um total de R$ 4,48 bilhões repassados via emendas pix, foram transferidos para estados e Distrito Federal no período analisado.
A priorização aos municípios, segundo o cientista político e consultor independente Antônio Flávio Testa, é explicada pelas eleições municipais que ocorrerão em 6 de outubro. Ele lembra que muito da campanha política local, especialmente para candidatos a reeleição, é focada em mostrar realizações de obras, cujos recursos vêm de verbas federais ou emendas parlamentares.
Testa ainda comenta que, neste ano, o cenário está mais tenso, com projeções que indicam derrotas para o governo. “Daí, o esforço enorme de cooptar aliados”, no caso, o Centrão, com a liberação de altos valores em emendas.
O cientista político e assessor legislativo da Malta Advogados, Luiz Felipe Freitas, afirma que o aumento no repasse de verbas para as prefeituras é um movimento esperado, principalmente quando se considera que o parlamento é o responsável por executar essas emendas. “Foi assim em 2022, está sendo agora e provavelmente em 2026 se manterá”, comenta ele.
Municípios pequenos recebem mais emendas pix que metrópoles como São Paulo
Dos 10 municípios que mais receberam recursos, alguns têm apenas algumas dezenas de milhares de habitantes. É o caso de Coari (AM), cuja população é de 70.616 pessoas de acordo com o IBGE. O município recebeu R$ 33,6 milhões, o segundo maior valor provindo de emendas pix, atrás apenas de Macapá (AP), com R$ 44,4 milhões.
O valor recebido por Coari é pouco mais que o dobro do montante recebido por São Paulo, R$ 16,3 milhões. Luiz Felipe explica que, com a aproximação das eleições municipais, chega a hora dos deputados eleitos em 2022 devolverem o apoio obtido nos municípios. “Neste sentido, municípios menores acabam virando alvo”, afirma o analista.
No entanto, ele avalia que cabe à sociedade cobrar uma fiscalização mais severa para o uso dessas aplicações, pois o uso de forma indiscriminada desse tipo de transferência não deveria ser normalizado.
Testa também avalia que as transferências especiais deveriam ser mais transparentes nas suas destinações e aplicações, demandando mais fiscalização, inclusive do Tribunal de Contas da União (TCU).
Pagamento de emendas se tornou moeda política entre governo e parlamento
O repasse de emendas se tornou um ponto tão importante na relação entre o Executivo e Legislativo que, na Lei Orçamentária desse ano, o Congresso previu um cronograma de repasses.
O artifício foi barrado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o veto foi mantido pelo Congresso diante do compromisso do Planalto em fazer os repasses conforme previsto.
O acordo foi cumprido às pressas antes do travamento imposto pela legislação eleitoral: a soma de todas as emendas (individual, inclusive as pix, de bancada, de comissão e de relator) pagas somente na primeira semana de julho chegou a R$ 8,63 bilhões.
Ainda que algumas emendas tenham repasse obrigatório, como as individuais e as de bancadas estaduais, cabe ao governo federal liberar esses repasses de acordo com sua adequação a programas e ações ministeriais. Muitas vezes, os valores das emendas aprovadas em um determinado ano são repassados somente nos anos posteriores.
Essa discricionariedade do governo para realizar os repasses de acordo com seu calendário faz com que as emendas se tornem um ativo de barganha política. Por essa razão, o Congresso tentará novamente aprovar o cronograma de pagamentos na Lei Orçamentária de 2025. Ao estabelecer um calendário de repasses, os parlamentares obteriam maior liberdade e controle sobre o orçamento anual.
Decisões do STF influem na guerra pelo controle do orçamento
No entanto, em suas decisões recentes, Dino determinou que “a execução de emendas impositivas fica sustada até que os poderes Legislativo e Executivo, em diálogo institucional, regulem os novos procedimentos”.
O ministro aceitou manter como exceções os recursos destinados a obras já iniciadas e em andamento ou a ações para atendimento de calamidade pública formalmente declarada e reconhecida.
Diante das decisões de Dino nas semanas anteriores, o Congresso previa não somente reavivar o cronograma, mas adotar outras medidas para garantir a continuidade dos repasses, atendendo aos parâmetros de transparência estipulados pelo ministro.
Por se tratar de uma decisão monocrática, ou seja, tomada individualmente pelo ministro, Dino teve que submetê-la à análise do plenário da Corte. Agora, diante da reafirmação pelo Plenário das decisões de Dino, resta saber quais movimentos o Congresso fará para manter o controle sobre a parte do orçamento que lhe cabe.
Na terça-feira (13), o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) disse que é papel do Congresso limitar as emendas e não do STF. A publicidade dos dados, imposta pela Constituição, desagrada parlamentares, pois revela quais deles têm recebido mais verbas do que outros, o que tende a criar atritos dentro da base de apoio ao governo Lula, por insatisfação de quem recebeu menos.
Nesta sexta, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, negou um pedido do Congresso para suspender as decisões de Flávio Dino sobre as emendas.
De acordo com Barroso, não cabe à presidência do STF “sustar os efeitos de decisões proferidas por um de seus integrantes, em sede de suspensão de liminar, quando tais decisões já estão sendo objeto de deliberação pelo Colegiado do Tribunal”.