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Reação no Supremo

Veja na íntegra os discursos de Barroso e Gilmar Mendes sobre PEC aprovada pelo Senado

Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes criticaram a aprovação da PEC que limita decisões individuais no STF durante a sessão desta quinta-feira (23). (Foto: Carlos Moura/SCO/STF.)

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O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, e o decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, criticaram duramente nesta quinta-feira (23) a aprovação, pelo Senado, da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita as decisões individuais no STF. A PEC 8/2021 foi aprovada na quarta (22) e ainda precisa ser analisada pela Câmara dos Deputados.

Barroso defendeu que o país tem mais “demandas importantes e urgentes” do que discutir supostos “problemas prioritários do Brasil que estejam no Supremo Tribunal Federal”. Já Gilmar Mendes disse que a aprovação da PEC foi uma “ressurreição de um cadáver outrora enterrado” com apenas poucos votos acima do limite definido pela Constituição. Confira os discursos dos ministros na íntegra.

Ministro Luís Roberto Barroso

"Nesse momento em que o Supremo Tribunal Federal é alvo de propostas de mudanças legislativas que, na visão da Corte, não são necessárias e não contribuem para a institucionalidade do país, cabe fazer algumas reflexões objetivas. O desenho institucional traçado na Constituição para o Supremo Tribunal Federal tem algumas singularidades relevantes. A Constituição brasileira, como toda Constituição democrática, organiza o Estado, reparte a competência dos Poderes e define os direitos fundamentais do povo.

A Constituição brasileira faz isso, mas também faz algumas coisas a mais. Ela cuida, por igual, do sistema previdenciário, do sistema tributário, do sistema de saúde, do sistema de educação, do sistema de proteção ambiental, do sistema de proteção às comunidades indígenas, da intervenção do Estado no domínio econômico, dos meios de comunicação social, da proteção da família, da criança, do adolescente do idoso, em meio a muitas outras matérias.

Trazer uma matéria para a Constituição significa, em alguma medida, tirá-la da política e trazê-la para o direito. Vale dizer: retirá-la do domínio das decisões discricionárias para o espaço da razão pública do Judiciário. Não é uma vontade do Tribunal, é o arranjo institucional brasileiro.

Nesse cenário, chegam ao Supremo Tribunal Federal boa parte das questões de grande relevância nacional. Inclusive aquelas mais divisivas da sociedade, de pesquisas com células-tronco embrionárias a ensino religioso nas escolas públicas, de importação de pneus à autonomia do Banco Central. E, também, questões que envolvem produtores rurais, ambientalistas, comunidades indígenas.

Como intuitivo, é inevitável que o Supremo Tribunal Federal desagrade segmentos políticos, econômicos e sociais importantes, porque ao Tribunal não é dado recusar-se a julgar questões difíceis e controvertidas. Tribunais independentes e que atuam com coragem moral não disputam torneios de simpatia. Interpretar a Constituição é fazer a coisa certa, mesmo quando haja insatisfações.

Porque assim é, não há institucionalidade que resista se cada setor que se sentir contrariado por decisões do Tribunal quiser mudar a estrutura e funcionamento do Tribunal. Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas. O Senado Federal e seus integrantes merecem toda a consideração institucional do Supremo Tribunal Federal. E, naturalmente, merecem respeito as deliberações daquela casa legislativa. Porém, a vida democrática é feita do debate público constante e do diálogo institucional, em busca de soluções que sejam boas para o país e que possam transcender as circunstâncias particulares de cada momento.

Nesse espírito de diálogo institucional, o Supremo Tribunal Federal não
vê razão para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras de seu funcionamento. Num país que tem demandas importantes e urgentes, que vão do avanço do crime organizado à mudança climática que impactam a vida de milhões de pessoas, nada sugere que os problemas prioritários do Brasil estejam no Supremo Tribunal Federal. Até porque as mudanças sugeridas já foram acudidas, em sua maior parte, por alterações recentes no próprio Regimento do Supremo.

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal enfrentou o negacionismo em relação à pandemia, salvando milhares de vidas, o negacionismo ambiental, enfrentando o desmatamento da Amazônia e a mudança climática, bem como funcionou como um dique de resistência contra o avanço autoritário. Por esse papel, o Tribunal sofreu ataques verbais e a criminosa invasão física que vandalizou as instalações da Corte. Após esses ataques verbais e físicos, o Tribunal vê com preocupação avanços legislativos sobre sua atuação.

Nos últimos 35 anos, o Brasil viveu situações institucionais complexas,
que em outros tempos teriam levado à ruptura constitucional e democrática: crises econômicas, inflação descontrolada, escândalos de corrupção e dois impeachments. Apesar de tudo o que ocorreu, o país preservou a estabilidade institucional e a democracia.

Vale lembrar: cabe ao Supremo fazer valer Constituição, preservar a democracia e proteger direitos fundamentais. A pergunta a se fazer é a seguinte: esses objetivos foram alcançados? A resposta é afirmativa. Isso significa que o Supremo Tribunal Federal cumpriu o seu papel e serviu bem ao país. Não há porque alterar o que vem funcionando bem. E cumpre lembrar: em todos os países que, recentemente, viveram o retrocesso democrático, a erosão das instituições começou por mudanças nas supremas cortes. Os antecedentes não são bons."

Ministro Gilmar Mendes

"Na data de ontem, 22 de novembro de 2023, o Senado Federal aprovou, por quórum ligeiramente acima do imposto pela Constituição, a PEC 8/2021. Trata-se da ressureição de um cadáver outrora enterrado, eis que o seu teor é mera reprodução de proposta de emenda à Constituição que já havia sido rejeitada pelo Parlamento em 2020 (PEC 82/2019).

Originalmente, a PEC 8/2021 possuía, dentre outros pontos, o escopo de (i) estipular prazos para pedidos de vista e para conclusão de julgamento, (ii) proibir decisões monocráticas em ações do controle concentrado e contra atos dos Presidentes da República, do Congresso Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, (iii) aumentar o quórum necessário para tomada de decisões que interfiram na tramitação de proposições legislativas, que afetem políticas públicas ou criem despesas para quaisquer dos Poderes.

É importante ressaltar que os diálogos institucionais, em qualquer Estado de Direito, são sempre bem-vindos e fazem parte da democracia, desde que permeados por atitudes ponderadas e sóbrias, estando, nessa hipótese, amparados em procedimentos advindos da teoria dos poderes implícitos dos checks and balances. Com efeito, a jurisprudência desta Suprema Corte, em relação aos atos praticados pelo Poder Legislativo – matéria claramente interna corporis –, acolhe a fórmula da separação dos poderes, tradicionalmente citando-a de forma expressa como vetor de concretização do sistema constitucional de freios e contrapesos com deferência à própria independência e relevância do Poder Legislativo.

Mesmo quando isso não ocorre por questão de economia de sentido, a menção à separação dos poderes encontra-se implícita na “norma do caso” formulada pela decisão da Corte, a servir, ainda, como paradigma a ser observado por deliberações jurisdicionais futuras. A mesma postura deve ser igualmente observada de forma inversa, a impedir que Parlamento pretenda imiscuir-se nas normas de organização, de procedimento decisório e julgamento do STF.

Pontuo que a separação de poderes é cláusula pétrea (art. 60, § 4º, III, da CF), e não pode ser objeto de emenda constitucional que busque aviltá-la, sob pena de clara violação do pressuposto básico do exercício de um dos Poderes da República. Vale dizer, atenta contra a Constituição qualquer atitude do Poder Legislativo que vulnere o postulado da separação de poderes em acintoso menoscabo às atribuições essenciais do Poder Judiciário (entre as quais se encontra o controle de constitucionalidade).

O Poder Judiciário livre, independente e ciente de seu papel institucional é pressuposto para o adequado adimplemento dos objetivos da República, para fiel cumprimento dos postulados em que se fundam o Estado de Democrático de Direito e para o devido respeito à cláusula constitucional da separação de poderes.

É relevante vaticinar, mesmo na atual conjuntura histórica de nosso país, como já o fazia nosso sempre Decano, Ministro Celso de Mello, que “esta Corte Suprema, atenta à sua alta responsabilidade institucional, não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da Constituição, ao império das leis e à superioridade ético-jurídica das ideias que informam e animam o espírito da República”, pois, continua Sua Excelência, “sem juízes independentes, não há cidadãos livres”, sendo inquestionável que “inexiste na história das sociedades políticas qualquer registro de um Povo que, despojado de um Judiciário independente, tenha conseguido preservar os seus direitos e conservar a sua própria liberdade”.

O fato é que este Supremo Tribunal Federal, sempre atento às suas responsabilidades institucionais e ao contexto que o cerca, está preparado para enfrentar, uma vez mais e caso necessário, as investidas desmedidas e inconstitucionais provenientes, agora, do Poder Legislativo. Lembro aos Ministros: recados da rua chegam a todos nós dando conta de que o projeto de emenda aprovado é mal menor, tendo sido endereçado a esta Casa agora como forma de impedir possíveis reformas ainda mais drásticas ao funcionamento da Corte, ou, mesmo, a instauração de processos de impeachment contra membros deste Tribunal.

No particular, senhor presidente, é preciso altivez para rechaçar esse tipo de ameaça. Cumpre dizê-lo com a serenidade e com o desassombro que esse tipo de investida exige de todos nós, membros desta Casa multicentenária: este Supremo Tribunal Federal não admite intimidações. De resto, cabe lembrar a estes propagadores do caos institucional que os processos de responsabilidade dos Ministros desta Corte hão de estar submetidos ao crivo judicial garantidor do devido processo legal, impedindo que acusações mambembes turvem a independência judicial – cânone inafastável do Estado democrático de Direito.

Ainda, é desnecessário dizer que, ao realizar essa forma de controle, este Tribunal certamente não estará inovando em sua atuação jurisdicional, pois foi esse mesmo proceder que, num resgate da boa política, afastou do cenário institucional a ameaça a inúmeros agentes públicos representadas por tantos falsos heróis como aqueles que compuseram a chamada “República de Curitiba”.

Quanto ao seu conteúdo, a PEC 8/2021, aprovada na data de ontem, não possui – em absoluto - qualquer justificativa plausível, notadamente em face das alterações regimentais realizadas por este Supremo Tribunal Federal (ER 58/2022), a demonstrar a ausência de qualquer vácuo normativo que a legitime. Assim, é forçoso reconhecer que tal tentativa de alteração constitucional interfere direta e incisivamente no ato de julgamento, na validade e na eficácia das decisões do Poder Judiciário, em especial deste STF.

Com o devido respeito, chega a ser curioso, quiçá irônico, que após os bons serviços prestados por esta Suprema Corte no decorrer dos últimos anos, especialmente no curso da pandemia, esta instituição fundamental do Estado de Direito seja o primeiro alvo de alterações – casuísticas – engendradas no seio do Poder Legislativo, sem qualquer reflexão mais vagarosa e acurada, e que conte com a participação do principal ator institucional afetado. O trabalho desenvolvido por este Tribunal não só foi fundamental para enfrentamento da pandemia, como foi e continua sendo de importância singular para o enfretamento do autoritarismo, motivos pelos quais, certamente, desagradou muitos atores que sobrevivem em meio ao caos.

Nesse sentido, causa perplexidade que o texto aprovado pelo Senado Federal tenha sido cirúrgico ao proibir decisões monocráticas no curso de ações que questionem políticas públicas - como facilitação do acesso a armas de fogo pela população (ADIs 6.675, 6.676, 6.677, 6.680 e 6.695, Rel. Min. Rosa Weber, decisão monocrática, DJe 05.09.2023) ou desmonte de políticas ambientais (ADPF 623, Rel. Min. Rosa Weber, decisão monocrática, DJe 07.01.2022) - mas não tenha previsto idêntica vedação para ações constitucionais que são usualmente manejadas no interesse de agentes políticos investigados em procedimentos criminais.

Curiosamente, a PEC não impede decisões monocráticas em habeas corpus, mecanismo muitas vezes utilizado pela defesa de agentes políticos que, ontem mesmo, se articularam para restringir as competências da Corte Constitucional. É necessário ter em perspectiva que, caso a proposta que limita as decisões monocráticas já estivesse em vigor, o Tribunal teria sido impedido de interromper políticas públicas altamente lesivas para a sociedade. É o caso da abertura indiscriminada do comércio durante o auge da pandemia (ADPF 672, Rel. Min. Alexandre de Moraes, decisão monocrática, DJe 15.04.2020) e do estímulo a tratamentos ineficazes de combate ao coronavírus (ADPF 669, Rel. Min. Luis Roberto Barroso, decisão
monocrática, DJe 02.04.2020).

Não é necessário muito esforço argumentativo para demonstrar os danos que teriam sido impostos à sociedade, caso a Corte estivesse limitada, num passado recente, pelas amarras burocráticas desta PEC. Por fim, senhor Presidente, é preciso deixar claro à Nação Brasileira: este Supremo Tribunal Federal não se curvou à ditadura militar nas quase três décadas de escuridão que mancham a história nacional; este Tribunal, num passado recentíssimo, ainda presente entre nós por força da memória dos mais de setecentos mil mortos na pandemia da COVID, não sucumbiu ao populismo iliberal responsável pelo trágico 8 de janeiro – o dia da Infâmia, conforme a sempre lúcida visão da Min. Rosa Weber; Esta mesma Corte, senhor Presidente, não haverá de submeter-se ao tacão autoritário – venha de onde ele vier, ainda que escamoteado pela representação de maiorias eventuais.

As ditaduras são sempre deploráveis, e elas podem existir tendo como marco o Executivo ou, também, o Legislativo. Hans Kelsen já ensinava, em 1928, que a jurisdição constitucional era a matriz principal de defesa das minorias parlamentares contra abuso da maioria. Afinal, sem uma Corte Constitucional livre e independente, não há democracia nos termos exigidos pela Constituição de 1988. Estou certo, Presidente, que os autores desta empreitada começaram-na travestidos de estadistas presuntivos, e a encerram, melancolicamente, como inequívocos pigmeus morais."

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