O presidente Jair Bolsonaro visita seu par argentino Mauricio Macri nesta quinta-feira (6). Na agenda da viagem de Bolsonaro à Argentina está a reforma do Mercosul – apenas um mês antes da reunião da cúpula do bloco comercial, marcada para julho, em Santa Fé, também em "solo hermano". É possível ainda que seja negociado um tratado para a construção de duas hidrelétricas binacionais, tal como o acordo entre Brasil e Paraguai que permitiu a instalação na usina de Itaipu.
A pauta da visita de Bolsonaro à Argentina inclui vários outros itens, e até por isso ele será acompanhado por diversos ministros, e inclui a preocupação dos brasileiros quanto à deterioração econômica e política do país vizinho. Por mais de uma vez, o capitão do Exército disse estar preocupado com a possível volta de Cristina Kirchner ao poder nas eleições presidenciais de outubro.
As frequentes críticas à "dinastia Kirchner" e à Venezuela sinalizam a tendência de Bolsonaro apoiar a reeleição de Macri e trabalhar juntamente com o argentino para isolar a Venezuela, país suspenso do Mercosul por ruptura da ordem democrática. Em uma live na internet, em 24 de maio, Bolsonaro voltou ao tema e afirmou: “Devemos anunciar uma coisa a mais com o presidente Macri”.
Assunto garantido em viagem de Bolsonaro à Argentina
Macri foi o primeiro chefe de estado a visitar o Brasil após a posse de Bolsonaro. Os presidentes trataram da necessidade de “enxugar” o Mercosul. A retomada do tema é uma certeza na viagem de Bolsonaro à Argentina, terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas de China e Estados Unidos.
“A visita do presidente Bolsonaro vem dar continuidade a um diálogo intenso, que começou logo no início do governo com a visita do presidente Macri a Brasília, no dia 16 de janeiro. Foi muito simbólico que fosse a primeira visita de um mandatário estrangeiro ao Brasil logo no início do governo Bolsonaro. E agora o presidente Bolsonaro vem dar continuidade a esse diálogo intenso iniciado naquela ocasião com essa visita de estado que ele realiza a Buenos Aires”, afirmou o embaixador do Brasil na Argentina, Sérgio França Danese, em vídeo do Planalto (veja abaixo).
Em janeiro, Bolsonaro e Macri debateram o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia – empacado desde que as negociações começaram em 1999 –, além da flexibilização das regras do bloco sul-americano, que atualmente impede que países integrantes negociem individualmente acordos de livre comércio com outras nações.
O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, comentou a estrutura do bloco ao lado de Bolsonaro, no dia 26 de maio: “O Brasil trabalha com os países membros do Mercosul em um acordo com a Comunidade Europeia, mas o Mercado Comum Europeu é muito complexo. É um acordo que pode render mais de US$ 60 bilhões ao Brasil. Estamos caminhando para esse trabalho de internacionalização e temos que trabalhar com países próximos e que tratam com respeito o empreendedor, e não as republiquetas”.
Reforma do Mercosul: economia e proximidade ideológica
Em abril, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi a Buenos Aires acertar a agenda de pauta da viagem de Bolsonaro à Argentina em reuniões com Macri e o chanceler local, Jorge Faurie. “Há uma pauta muito ampla de assuntos a serem tratados, com ênfase nas áreas de defesa, energia, cooperação jurídica, e toda a parte comercial”, reforçou o embaixador França Danese.
Na ocasião, em Buenos Aires, Araújo reforçou a importância do livre comércio. Em palestra no Conselho Argentino de Relações Internacionais, também fez críticas à Venezuela, destacou o protagonismo do Brasil nas negociações do Grupo de Lima e pontuou:
“Precisamos de um pacto de ideias, não apenas econômico. Com nossas ideias e valores, queremos uma região de democracia. Mas queremos coisas concretas, como grandes acordos que envolvem o Mercosul. Podemos, em curto prazo, fechar quatro grandes acordos: com a União Europeia, com o Canadá, com a Coreia e com o Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio). Assim podemos seguir com novos horizontes e com a flexibilização, se for o caso”.
A jornalistas argentinos, o chanceler afirmou que a revisão de taxas de exportação em produtos exportados entre os países está com negociações avançadas. E citou ainda a necessidade de parcerias em acordos internacionais sobre direitos humanos, e no combate ao crime organizado. “Podemos ter uma grande abertura e conexão de valores fundamentais”, comentou.
Visita de Bolsonaro à Argentina: cooperação nuclear e energética
Quase às vésperas da viagem, em 23 de maio, aconteceu em Brasília uma reunião do Comitê Permanente de Política Nuclear Brasil-Argentina (CPPN). Os países são signatários há 25 anos de um tratado mútuo de não proliferação de armas nucleares.
Além do intercâmbio de informações sobre os programas nucleares, foi encaminhado um projeto de cooperação da construção do Reator Multipropósito Brasileiro com participação de uma empresa argentina, e o fornecimento de urânio enriquecido do Brasil para o país aliado.
Em Buenos Aires, o jornal El Cronista afirma ter obtido a informação de que podem ser assinados ou ocorrer o avanço de até três acordos energéticos durante a viagem de Bolsonaro à Argentina.
Usinas hidrelétricas Garabi e Panambi no Rio Uruguai
Um dos projetos busca destravar os estudos de construção de duas hidrelétricas na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina, no Rio Uruguai: Garabi e Panambi. Em estudo desde 1972, o projeto foi interrompido em 2015, entre outros motivos, pelo impacto ambiental.
A execução seria da Eletrobras e da Ebisa, estatal argentina de energia. “O Tratado para o Aproveitamento dos Recursos Hídricos Compartilhados dos Trechos Limítrofes do Rio Uruguai e de seu Afluente o Rio Peperi-Guaçu, assinado em 17 de maio de 1980, entre o Brasil e a Argentina, prevê que as obras e a operação das usinas serão executadas pelas duas empresas”, esclarece a Eletrobras, em seu portal oficial.
"Atualmente estão sendo retomadas as negociações para reiniciar a etapa de estudos, com o objetivo de finalização e apresentação Às autoridades de ambos os países para obter as autorizações necessárias às futuras etapas de construção e operação", informa a Ebisa.
A proposta é utilizar o trecho binacional do Rio Uruguai entre Brasil e Argentina para a instalação das usinas, a exemplo do que ocorre com a usina de Itaipu, na fronteira do Paraguai com o Brasil, no estado do Paraná. A capacidade das duas usinas, contudo, é menor: juntas somariam 2.200 MW de capacidade instalada, contra 14.000 MW de Itaipu. O custo estimado em estudos de inventário para instalação gira em torno de US$ 5,2 bilhões.
Acordo de integração energética Brasil-Argentina e biocombustíveis
Outro projeto Brasil-Argentina busca renovar um acordo de integração energética que facilita a exportação de energia entre os países, por um lado, aproveitando a farta produção de gás natural argentina e, por outro, as hidrelétricas brasileiras, utilizadas em emergências no país vizinho. Outra oportunidade é a Argentina vender excedentes de energia produzida em termelétricas.
Há também um acordo que busca aproveitar o potencial produtivo do agronegócio, com a transformação de produtos em biocombustíveis, o que tem o entrave das políticas diferentes de mistura de etanol e bioedisel nas produções de combustíveis dos dois países. Um acordo poderia gerar um mercado regional de biocombustíveis.
Um acordo de biocombustíveis Brasil-Argentina, inclusive, reforça outro assinado em agosto de 2018: o Memorando de Entendimento sobre Regulamentos Técnicos do Setor Automotivo entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina. “O setor automotivo é o mais representativo nos fluxos comerciais de bens entre os dois países”, destacou o Itamaraty em nota.