O vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), disse que tem "consultado juristas e também líderes políticos" para saber se poderia, na condição de presidente interino da Casa, abrir um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Isso poderia ocorrer, por exemplo, caso o titular Arthur Lira (PP-AL) viaje ao exterior ou ocupe provisoriamente a Presidência da República. A declaração foi dada por Ramos em entrevista à Gazeta do Povo.
Pela legislação brasileira, o primeiro passo de um impeachment é, obrigatoriamente, dado pelo presidente da Câmara, e corresponde à aceitação de um pedido de afastamento.
Para Ramos, Bolsonaro comete crime de responsabilidade ao colocar em dúvida a realização das eleições do ano que vem, o que faz ao acusar sem provas a existência de fraudes nas urnas eletrônicas.
O deputado reconhece que, hoje, a Câmara não daria votos para um impeachment, mas avalia que "existe um 'delayzinho' [atraso] entre as ruas e o parlamento".
Bolsonaro criticou Ramos recentemente, ao atribuir ao deputado a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a consequente possibilidade de que o Fundo Eleitoral tenha verbas superiores a R$ 5,7 bilhões. A medida foi criticada pela população, inclusive por apoiadores de Bolsonaro, e o presidente disse que a responsabilidade pelo valor do fundo era de Ramos, que presidiu a sessão do Congresso em que a LDO foi votada. Ramos chamou o episódio de "deslealdade" e, a partir daquele momento, disse que passaria a fazer oposição ao presidente da República.
Leia os principais momentos da entrevista concedida por Marcelo Ramos à Gazeta do Povo:
Na sexta-feira (30), o senhor publicou em suas redes sociais que Câmara, Senado e Supremo Tribunal Federal (STF) deveriam colocar um limite na "postura golpista de Bolsonaro". O que seria esse "limite"?
Marcelo Ramos: O limite primeiro são manifestações claras do presidente da Câmara, do presidente do Senado, do presidente do STF de que nós vamos ter eleição, de que as instituições são mais fortes do que os arroubos autoritários do presidente da República. E, no mais, é tomar medidas legais para que o presidente se comprometa com o cumprimento da Constituição. Quem decide se tem eleição ou não tem eleição não é ele. Quem decide se tem eleição ou não tem eleição é a Constituição. Ele jurou cumprir a Constituição quando tomou posse.
O que mudou na vida política do senhor, na vida parlamentar, desde que o senhor se declarou como de oposição ao governo Bolsonaro?
Marcelo Ramos: Não mudou nada. Eu sempre tive uma relação de independência em relação ao governo. Mas, todas as vezes que eu tinha críticas a algum projeto do governo, eu procurava construir por dentro, ajustar, emendar, conversar com os líderes, melhorar o texto. A diferença é que agora eu faço minha crítica publicamente.
Há a possibilidade de o senhor abrir um processo de impeachment no caso de eventual ausência de Arthur Lira?
Marcelo Ramos: Para mim, é muito claro de que no exercício provisório da presidência de uma sessão – ou seja, o presidente Arthur Lira está no Brasil, está no cargo de presidente, mas eu estou presidindo a sessão – não cabe a leitura do processo de impeachment. Agora, no caso de viagem do presidente Arthur Lira para o exterior ou no caso de ele assumir a Presidência da República por saída do presidente e do vice, aí eu não sou o presidente da sessão; aí eu sou o presidente da Câmara em exercício. Eu tenho consultado juristas e também líderes políticos para avaliar se nessa condição de presidente em exercício caberia a leitura do processo de impeachment. Ainda não tenho convicção sobre isso.
Se o senhor fosse o presidente efetivo, no caso de uma ausência em definitivo de Arthur Lira, o senhor abriria o impeachment?
Marcelo Ramos: Eu acho que é difícil especular sobre um processo de impeachment. Está crescendo em mim a convicção de que o presidente cometeu crime de responsabilidade, comete crime de responsabilidade quando ele diz que não terá eleição e, que se tiver eleição e se não for do jeito que ele quer, ele não dará posse ao próximo presidente. Por que isso é crime de responsabilidade? Porque o tipo penal da Lei do Impeachment é "ameaça à ordem democrática". Quando ele ameaça não ter eleição, ele está dizendo que vai fechar o Congresso no dia 31 de janeiro de 2023, que é a data que os nossos mandatos acabam. E quando ele diz que não vai dar posse para o próximo presidente eleito, ele está dizendo que não vai aceitar a vontade da maioria da população. Não há ameaça à ordem democrática mais clara do que essa. Eu estou formando convicção pessoal de que há crime de responsabilidade. Agora, uma coisa é, em o processo de impeachment sendo pautado, o meu voto; a outra coisa é a responsabilidade de, se estiver no exercício da presidência, de ler em substituição ao presidente Arthur Lira, que é o presidente.
O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ), também crítico de Bolsonaro, disse que não abriu o processo de impeachment por entender que não havia votos no plenário para a aprovação do afastamento. O senhor acha que ainda não há votos para um impeachment hoje?
Marcelo Ramos: Eu acho que não há votos para o impeachment. Primeiro, porque o presidente ainda tem certo apoio popular. Cada vez menor; mas ainda tem. E segundo, porque o presidente fez uma opção de construir uma base pela distribuição de recursos e emendas. Mas eu sempre digo o seguinte: a temperatura na rua está esquentando. E sempre tem um "delay" [atraso] em relação ao parlamento. Quando a rua está quente, o parlamento está morno. Quando a rua ferve, o parlamento esquenta. Tem um "delayzinho". Eu acho que a oposição ao presidente tem crescido muito. A oposição não à esquerda ainda não embarcou em manifestações porque as manifestações estão com um viés muito esquerdista, o que não permite que esse grupo mais moderado, que também não aceita mais o presidente, de participar. Então acho que existe um grande desafio do lado de fora para influenciar o Congresso, que é a construção de uma grande aliança de todo o campo democrático do país, que não pode ser a esquerda. Tem que ser uma aliança ampla: do campo democrático. Depois, a gente vai disputar opinião sobre economia, sobre costumes, sobre meio ambiente, sobre tudo. Mas, agora, é [momento] de união em defesa da democracia.
Como o senhor qualifica a relação entre o senhor e Arthur Lira?
Marcelo Ramos: Eu respeito o presidente Arthur Lira. Ele é o presidente da Câmara. As pessoas não me elegeram para ser presidente da Câmara; elegeram ele. E eu tenho o dever de respeitar a autoridade dele, até porque eu votei nele para presidente. Agora, nem o presidente Arthur Lira mudou depois da eleição, e nem eu mudei. Ele era bastante alinhado com o governo, e continua bastante alinhado com o governo. E eu, quando fui para a composição com ele, já era um deputado de posições independentes. Eu já era um deputado crítico a esses arroubos do presidente Bolsonaro. Então nem eu posso reclamar da postura dele, porque quando votei nele já sabia qual seria [a posição dele], e nem ele pode reclamar da minha, porque quando votou em mim já sabia [de meus posicionamentos].
O partido do senhor é um partido com muitos governistas e até uma ministra [Flávia Arruda, da Secretaria de Governo]. Estar no PL e ser oposição é algo desconfortável?
Marcelo Ramos: Não. Porque nesse episódio, dessa deslealdade que o presidente Bolsonaro tentou fazer comigo para livrar a cara do filho dele que votou a favor do fundo eleitoral, eu só recebi solidariedade do meu partido. Todos os meus gestos, todas as minhas manifestações eu dei ciência à direção do meu partido. Eu não cobro que o meu partido tome uma postura de oposição – se em algum momento houver a discussão disso dentro do partido, eu vou defender o que eu penso. Mas tenho liberdade dentro do partido. Não tive problema nenhum até aqui. Para mim, não há nenhum desconforto.
Quais os planos do senhor para as eleições do ano que vem? Governo do Amazonas, reeleição para a Câmara, disputa do Senado?
Marcelo Ramos: A ordem natural das coisas é que eu dispute a minha reeleição de deputado federal. É o que eu desejo. Eu acho que estou cumprindo um papel importante para o Amazonas e para o Brasil, e quero continuar nessa experiência. Eu não descarto outras possibilidades. Mas ainda é muito cedo para falar de eleição. Eu acho que agora a gente tem coisas mais importantes para gastar nossas energias. O Brasil tem 550 mil mortos [pela Covid], 15 milhões de desempregados, 19 milhões de pessoas com fome. Quem tiver com a cabeça em eleição, não está entendendo em que país nós estamos vivendo.
Qual a avaliação que o senhor faz da CPI da Covid?
Marcelo Ramos: Eu acho que a CPI, num primeiro momento, traçou um rumo de investigação que tinha como objetivo demonstrar que o presidente geriu mal a pandemia e que muitas mortes aconteceram por conta dessa má gestão – o que era algo absolutamente desnecessário, porque tem que ser muito cego no país para não saber que ele geriu mal e que muitas mortes que poderiam ser evitadas não foram por conta do negacionismo dele. Agora, a CPI mudou um pouco a linha de investigação. Surgiram fortes indícios de desvio, de tentativa de fraude na compra de vacina, tentativa de roubo na compra de vacina. Eu acho que a CPI já prestou dois relevantíssimos serviços ao país: primeiro, ela acelerou um processo de vacinação. Se você olhar o crescimento da vacinação... e o governo se dobrou à vacinação só depois que a CPI começou a funcionar. E segundo, ela impediu um roubo de R$ 500 milhões só na primeira leva [de vacinas]. Porque seriam R$ 500 milhões, US$ 100 milhões, só na primeira leva. Só nas 30 milhões de doses compradas, pactuadas no primeiro acordo [com a vacina Covaxin]. Então, só por isso ela já prestou um serviço relevante para o país.
Quais devem ser, na opinião do senhor, as prioridades da Câmara para o segundo semestre?
Marcelo Ramos: A prioridade da Câmara, absoluta, deveria ser matérias relacionadas a três temas: vacina, emprego e comida. É angustiante um país que precisa de vacina, de emprego e de comida estar gastando toda a sua energia com golpismo, com voto impresso e com outras baboseiras do tipo. Nós precisamos centrar no que é importante, que é colocar comida na mesa do brasileiro, para devolver dignidade e emprego aos brasileiros, e para garantir que empreendedores voltem a confiar no país. Isso pressupõe uma reforma tributária – que não é aquela que está na Câmara. Mas uma reforma tributária estruturante, que realmente simplifique o nosso modelo, que garanta neutralidade, que diminua a regressividade do nosso sistema para que os mais ricos paguem mais para que os mais pobres paguem menos, e mexer na tributação sobre o consumo. Precisamos de uma reforma administrativa que não parta da premissa da criminalização do servidor público, mas que crie mecanismos de avaliação de desempenho para que o serviço público seja mais eficiente para o cidadão, que é a razão dele de existir. E [precisamos da] melhoria de ambiente de negócios no nosso país: ações de combate à burocracia, ações de combate à insegurança jurídica.
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