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Selfies "antidemocráticas"

Vídeos, fotos e áudios de invasores em 8 de janeiro pesam para pena maior no STF

Gilberto Ackermann, de Balneário Camboriu, em selfie no 8 de janeiro (Foto: Reprodução/AP 1123/STF)

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As pessoas condenadas com as maiores penas até o momento, no Supremo Tribunal Federal (STF), pela invasão das sedes dos Poderes, em 8 de janeiro, têm um ponto em comum: durante o ato, registraram em vídeos, fotos e áudios suas próprias ações, não apenas entrando e circulando nos edifícios, mas alguns comemorando e incentivando a “tomada do poder”. É basicamente o que as diferencia dos réus acusados pelos mesmos crimes, mas que tiveram punições mais brandas e que, por isso, não cumprirão pena na prisão.

Nas condenações mais severas, com penas entre 12 e 17 anos no regime fechado, os réus acabaram provando, com os arquivos gravados em seus celulares (veja na galeria abaixo), que não apenas invadiram o STF, o Congresso e o Palácio do Planalto, mas também estiveram, antes, no acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército (QGEx), em Brasília, onde manifestantes clamavam por uma ação das Forças Armadas que levassem a uma recontagem de votos e anulação da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na eleição.

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Para condenar Thiago Mathar a 14 anos de prisão, Moraes destacou vídeos das câmeras do Palácio do Planalto que mostram ele circulando perto de uma das salas da Presidência. “Tentou abrir portas, interagiu com outros invasores, expôs a bandeira do Brasil em janela de vidro para o público”, destacou o ministro.

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No celular de Edinéia dos Santos, condenada a 17 anos de prisão, Moraes destacou vídeo em que ela aparece no acampamento do QG do Exército e diversas mídias convocando população para “guerra” e para “tomar o poder”.

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Ao condenar Cibele Mateos a 17 anos de prisão, Alexandre de Moraes destacou foto dela na cozinha do Congresso e vídeo em que diz: “Tomamos, é nosso... É do povo, jamais será do comunismo, jamais será do Lula, jamais será do Xandão, jamais será do sistema. É nosso, do povo, e aqui ficaremos.”

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Matheus Lázaro, condenado a 17 anos de prisão, mandou mensagens para a mulher durante a invasão. “É pra quebrar, pra dar desordem, pro Exército vim, mor.”

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Fernando Feitosa, condenado a 17 anos, mandou áudio para um amigo durante os atos de vandalismo. “Era pra você estar aqui comigo, mas, está bom, vê se vai pelo quartel pelo menos!”

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No voto contra Claudio Augusto Felippe, condenado a 14 anos, Alexandre de Moraes destaca que ele mentiu ao dizer em depoimento que não estava fazendo uso de máscara ou cobertura facial.

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Gilberto Ackermann, condenado a 17 anos de prisão, fez vídeo em cima do Congresso. “Eles estão cercando nóis... por isso é que nóis viramo o sofá lá na beira da escada... Selva!”, bradou na gravação.

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Aécio Pereira, o primeiro condenado pelo 8 de janeiro. “Eu como representante do povo, estou aqui para dizer que não aceito esse governo fraudulento como nosso representante!”, disse na tribuna do Senado. Pena: 17 anos.

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Na condenação de Marcelo do Carmo a 17 anos de prisão, Alexandre de Moraes mencionou uso da máscara de gás, barreiras derrubadas e vídeo em que afirmou: “Quem disse que não dava... é o povo... tomamo!”

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Ao condenar Raquel de Souza Lopes a 17 anos de prisão, Alexandre de Moraes destacou que ela aparecia numa imagem sorrindo e depois, em vídeo, “festejando uma suposta chegada do Exército em apoio à horda golpista”.

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No voto para condenar Fernando Kevin a 17 anos de prisão, Alexandre de Moraes citou frases que bradou em vídeo, como “Basta! Chega! O povo vai tomar o poder! E se as Forças Armadas quiserem nos apoiar, estaremos aqui de braços abertos para recebê-la!”

Nos votos do ministro Alexandre de Moraes, relator das ações e seguido pela maioria, a presença no QGEx e a invasão foram os elementos determinantes para condenar os 18 réus (dos 20 julgados até agora) que pegaram as maiores penas, considerados culpados por todos os cinco crimes pelos quais foram denunciados: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa armada.

Para o ministro, crimes contra a democracia foram cometidos se levado em conta o contexto que havia se formado desde o segundo turno da eleição presidencial, numa sequência de acontecimentos que incluíram as manifestações em frente a quartéis em todo o país, de revolta contra o resultado da eleição; o protesto violento ocorrido em Brasília, em dezembro, quando Lula foi diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral; e os reiterados apelos para que o Exército tirasse o presidente do cargo; tudo isso, enfim, culminando na invasão e depredação dos edifícios-sede dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Denúncias da PGR e votos de Moraes seguem modelo padrão

Assim como as denúncias da Procuradoria-Geral da República, os votos de Moraes seguem um modelo padrão: narram esses fatos e enquadram as condutas nos crimes imputados, rejeitando antes as objeções processuais levantadas pelas defesas dos réus, como a falta de competência do STF. O que muda é a parte que descreve o que disse cada réu em seus interrogatórios e o que as imagens disponíveis mostraram.

As sentenças dos dois réus que, até o momento, pegaram penas leves, de 3 anos, não têm fotos, vídeos e áudios. É a principal diferença em relação a quem foi punido com as penas mais altas. Por causa da pena baixa, eles nem sequer vão para a prisão; no regime aberto, terão de pagar multa e prestar serviços à comunidade. Moraes considerou que, no caso deles, seria possível condená-los apenas pelos delitos de dano e deterioração do patrimônio, ainda que não haja imagem que os flagrasse quebrando alguma coisa.

O ministro sustentou que somente a presença deles no interior das sedes dos Poderes, no meio do quebra-quebra, seria suficiente para a condenação. Para isso, apoiou-se na tese, apresentada pela Procuradoria-Geral da República e aceita pela maioria do STF nos primeiros julgamentos, de que os crimes foram praticados por uma multidão, em que uma pessoa incentiva a outra, num efeito manada. As provas, nesse caso, foram os relatórios policiais e de outros órgãos que atestaram, de forma genérica, danos às instalações e obras de arte dos palácios. A presença deles ficou provada porque eles foram presos em flagrante dentro.

Quanto aos crimes contra a democracia e associação criminosa, houve absolvição, porque, segundo Moraes, não ficou provada, de forma individualizada, a presença de dolo, ou seja, uma intenção, expressa em palavras ou atos, de tentar destituir Lula e impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais.

Dezoito foram condenados pelo STF em todos os crimes

Já em relação aos 18 condenados em todos os crimes, as provas em fotos, áudios e vídeos demonstraram, segundo Moraes, que “os réus frequentaram os clandestinos acampamentos em frente aos quartéis do Exército – em Brasília e, alguns, em sua própria cidade – participando ativamente das ilícitas manifestações que pleiteavam golpe de Estado, induzindo, instigando e aguardando uma suposta intervenção militar e afastamento dos Poderes da República e encerramento de nosso Estado Democrático de Direito”.

O ministro apontou ações que “comprovaram a própria CONFISSÃO dos réus, com realização de diversas gravações de áudios e vídeos transmitidos pelos seus celulares demonstrando a prática dolosa dos crimes imputados pelo Ministério Público”. Em alguns processos, foram anexadas imagens de câmeras de segurança ou vestígios de DNA provando a presença dos condenados nos prédios invadidos.

Em relação aos dois réus condenados com 3 anos de pena, Moraes consignou que “inexiste qualquer outro elemento probatório que possa – sem dúvida razoável – comprovar seu elemento subjetivo do tipo – DOLO – para a prática dos crimes imputados pela Procuradoria Geral da República e previstos nos arts. 288, parágrafo único (associação criminosa armada), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), 359-M (golpe de Estado)”.

Foi o caso do autônomo Orlando Ribeiro Júnior, 55, que reside em Londrina (PR); e do nutricionista Felipe Feres Nassau, de 37 anos, de Brasília. Ambos foram presos dentro do Palácio do Planalto. O primeiro ficou calado em seu interrogatório após a prisão. O segundo disse que estava num shopping próximo, que aderiu à manifestação por “curiosidade” e que entrou na sede da Presidência quando a depredação já havia ocorrido.

A maioria dos outros condenados alegou coisas semelhantes quando interrogados no processo. Alguns disseram que estavam a passeio, outros que entraram nos edifícios apenas para conhecer, outros que não tinham qualquer motivação golpista nem queriam quebrar nada, e vários alegaram que queriam apenas se proteger das bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo trocadas entre os policiais e outros invasores.

Na maioria desses casos, Moraes rebateu as alegações com vídeos, fotos e áudios dos próprios réus comemorando uma pretensa “tomada do poder” pelos militares, ostentando para amigos que estariam participando de um momento histórico ou incentivando outros a aderirem ao movimento em suas cidades. Em alguns processos, há apenas imagens de réus circulando por áreas internas e restritas dos edifícios, o que também foi suficiente para uma condenação pesada.

O técnico de saneamento Aécio Pereira, primeiro a ser condenado no STF, gravou e divulgou nas redes sociais vídeo em que ele aparece na Mesa do Senado dizendo a amigos do trabalho: “não desistam, saiam nas ruas, é..., parem as avenidas”. Depois, na rampa do Congresso, bradando frases como: “supremo é povo, quem manda no Brasil é o povo”, “não aceito esse governo fraudulento”, “não vamos deixar o comunismo entrar”, “saiam nos quartéis”. Ele foi condenado a 17 anos de prisão e terá de pagar, junto com outros condenados, R$ 30 milhões de indenização.

O segundo condenado, Thiago Mattar, que pegou 14 anos de prisão, apareceu nas imagens das câmeras de segurança circulando dentro do Palácio do Planalto. Apesar de não haver vídeos próprios, Moraes destacou que ele “tentou abrir portas, interagiu com outros invasores (inclusive com uma dupla que manuseava mangueira de incêndio do edifício para passá-la por uma janela basculante), expôs a bandeira do Brasil em janela de vidro para o público que estava fora”. “Tudo a indicar que se aliava e aderia plenamente ao intento criminoso direcionado a uma ruptura institucional”, concluiu o ministro no voto.

O terceiro condenado, Matheus Lázaro, punido com 17 anos de prisão, mandou para a mulher diversos vídeos e áudios no WhatsApp registrando vários momentos da invasão. “É pra quebrar, pra dar desordem, pro exército vim, mor. Mô, cabou pacificamente, não existe isso [...] tem que quebrar tudo, pra ter reforma, pra ter guerra, amor. Guerra... Pro Exército entrar... entendeu? A gente tem que fazer isso aí pro exército entrar, e todo mundo ficar tranquilo. O Exército tem que entrar pra dentro”, disse à mulher.

Essas três primeiras condenações, julgadas presencialmente, no plenário físico, acabaram servindo de parâmetro para as outras 15 sentenças mais pesadas.

É o caso de Gilberto Ackermann, de Balneário Camboriú (SC), que disse no processo que entrou no Palácio do Planalto apenas para se esconder das bombas de gás. Em seu celular, a PF encontrou foto da barraca onde acampou no QG e selfies em que segura uma carcaça de bomba de gás lacrimogênio atirada pela polícia. “Eles estão cercando nóis... por isso é que nóis viramo o sofá lá na beira da escada... Selva... Selva, p****... Vamo pra dentro... Isso galera... vem, vem, vem”, disse, em vídeo que gravou em cima de uma das marquises do Congresso. Assim como o primeiro condenado, ele pegou 17 anos de prisão.

A mesma pena foi aplicada a Fernando Feitosa, de São Paulo, que fez diversas fotos dele mesmo perto e dentro do Palácio do Planalto. Num vídeo, ele gravou manifestantes atirando objetos num veículo da polícia. Em áudio enviado a um amigo, diz: “Era pra você estar aqui comigo, mas, está bom, vê se vai pelo quartel pelo menos! Convence seu pai a ir nas refinarias! Faz a sua parte!”.

Para algumas outras condenações, no entanto, bastaram fotos de “selfies”, tiradas pelos próprios réus, para que as penas fossem elevadas.

O voto de Moraes contra Claudio Augusto Felippe, de 59 anos, morador de São Paulo e policial militar aposentado, apresenta apenas imagens que ele fez dele mesmo em direção ao Congresso e depois dentro do Palácio do Planalto. Nas fotos, ele aparece com o rosto encoberto por um lenço, detalhe destacado por Moraes. Em depoimento, ele disse que viajou para Brasília para “fazer turismo”, mas admitiu que passou a noite no QG do Exército – a geolocalização do celular confirmou isso. Foi condenado a 14 anos de prisão.

Raquel de Souza Lopes, de Joinville (SC), afirmou em interrogatório que queria conhecer Brasília e que “não pretendia auxiliar a depor o governo”, mas orar. No seu celular, a PF encontrou panfletos digitais chamando as pessoas para “greve geral” em 7 e 8 de janeiro, e com ordem para “acampar” dentro do STF, Palácio do Planalto e Congresso. Além disso, achou fotos dela acampada no QG do Exército e depois na rampa do Congresso e perto do gabinete de Lula, no Palácio do Planalto. Ela foi condenada a 17 anos de prisão.

No caso dela e de todos os outros condenados pelas penas mais altas, Moraes considerou comprovado que os réus buscavam, “em claro atentado à Democracia e ao Estado de Direito, a realização de um golpe de Estado com decretação de intervenção e destituição dos Poderes”. Como frequentadores do QG do Exército naquele fim de semana, acrescentou o ministro, esse conjunto de réus, “com emprego de violência ou grave ameaça, tentou abolir o Estado Democrático de Direito, visando o impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, tudo para depor o governo legitimamente eleito, com uso de violência e por meio da depredação do patrimônio público e ocupação dos edifícios-sede do Três Poderes da República”.

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