Resolução do TSE diz que ordens de remoção proferidas durante campanha deixam de produzir efeitos após a eleição. Mas há conteúdos ainda indisponíveis.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil.
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Passados mais de três meses do fim da eleição, vídeos e páginas que foram removidos da internet pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante a campanha de 2022 e que já poderiam, em tese, ter voltado ao ar permanecem fora da rede. Em alguns casos, isso ocorre mesmo quando o ministro responsável por vetar aquele conteúdo liberou novamente sua exibição. Levantamento feito pela Gazeta do Povo verificou ao menos três situações do tipo.

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Um deles envolve um vídeo de um comício, exibido pela campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em que ele dizia que o ex-presidente Jair Bolsonaro era um “genocida”. No dia 6 de outubro, logo após o primeiro turno da eleição, a pedido de Bolsonaro, a ministra Cármen Lúcia mandou o Google e o Facebook retirarem o vídeo do YouTube e do Instagram.

Nesta terça, ao acessar o link do vídeo no Instagram, a reportagem constatou que ele voltou ao ar na íntegra. Ao acessar a URL do YouTube, porém, é exibida a seguinte mensagem: “Vídeo indisponível. Este conteúdo não está disponível neste domínio de país devido a um mandado.”

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O vídeo é uma gravação de um discurso de Lula num comício ocorrido em setembro de 2022 em Taboão da Serra (SP). Nele, o candidato petista dizia que a família de um apoiador, morto a facadas em Confresa (MT), “foi vítima do genocida chamado Bolsonaro”.

Cármen Lúcia mandou apagar o vídeo acolhendo pedido da defesa de Bolsonaro, pelo fato de Lula responsabilizá-lo pela morte. “As referências não evidenciam apenas críticas políticas ou legítima manifestação de pensamento. Tem-se a divulgação de mensagem sem demonstração de veracidade do que foi afirmado”, considerou a ministra à época.

A decisão ainda foi posteriormente referendada pelo plenário do TSE em 27 de outubro e, segundo informações contidas no processo, foi integralmente cumprida pelas empresas. Em 4 de novembro, porém, passada a eleição, Cármen Lúcia despachou no processo registrando que, com o fim do processo eleitoral, ocorreu a “perda superveniente do objeto” da ação.

Com isso, extinguiu o processo e liberou novamente a publicação dos vídeos. Citou para isso regra da resolução do TSE sobre a fiscalização da propaganda, segundo a qual “realizada a eleição, as ordens judiciais de remoção de conteúdo da internet não confirmadas por decisão de mérito transitada em julgado deixarão de produzir efeitos, cabendo à parte interessada requerer a remoção do conteúdo por meio de ação judicial autônoma perante a Justiça Comum”. Ou seja, o conteúdo só permanece fora do ar se a Justiça comum assim determinar. A regra está no parágrafo 7º, do artigo 38, da Resolução 23.610, de 2019.

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Situação semelhante ocorreu com a então candidata do MDB à Presidência, Simone Tebet, atual ministra do Planejamento. No dia 2 de setembro do ano passado, o ministro do TSE Paulo de Tarso Sanseverino atendeu a um pedido dela para tirar do ar textos, vídeos e postagens nas redes, publicadas pelo Partido da Causa Operária (PCO), que a ligavam a “massacre” de índios e “assassinato de crianças”.

A defesa dela apontou “patente ilegalidade das falas, dos vídeos e das mensagens, em que a candidata é associada a bárbaros crimes”, apontando calúnia por parte do PCO. Sanseverino mandou tirar tudo do ar e o plenário do TSE confirmou a ordem poucos dias depois, com a concordância do Ministério Público Eleitoral. Passado o primeiro turno, porém, com Tebet já fora da disputa, Sanseverino decretou a “perda superveniente do interesse processual”.

Assim como Cármen Lúcia, citou a regra interna que a ordem de remoção já não deveria mais produzir efeitos. Ainda acrescentou decisão de 2018 do TSE segundo a qual “uma vez encerrado o processo eleitoral, com a diplomação dos eleitos, cessa a razão de ser da medida limitadora à liberdade de expressão, consubstanciada na determinação de retirada de propaganda eleitoral tida por irregular, ante o descompasso entre essa decisão judicial e o fim colimado (tutela imediata das eleições)”. Em outras palavras, a remoção do conteúdo já não faria mais sentido por não poder mais afetar a disputa eleitoral.

Das quatro URLs removidas, três permanecem suspensas. Mas o próprio site do PCO ainda exibe um texto intitulado “Tebet quer reviver os assassinatos de criança da Era FHC” – o artigo diz que a candidata pretendia escolher nomes “da política neoliberal” para a equipe econômica, “o que remete à Era FHC, quando mais de 300 crianças morriam de fome por dia”.

Um terceiro caso está relacionado ao ex-candidato do PDT à Presidência Ciro Gomes. Em setembro, ele foi sabatinado pelo jornal O Estado de São Paulo, que exibiu o evento ao vivo. Em certo momento, questionado sobre o que achava da política identitária, disse que “se você divide a sociedade em mil fragmentos, você torna essa sociedade uma presa fácil da prepotência, do egoísmo dessa minoria poderosa que distrai a gente”.

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Depois, ao criticar o fato de tratar-se de uma agenda internacional, disparou: “Quem está financiando essas agendas no Brasil é a Open Society do George Soros, sabe?! O Psol é financiado pelo George Soros, aí faz esse discursinho e vai se aliar com Meirelles”.

O Psol acionou o TSE negando ser bancado pelo milionário húngaro, apontou “difamação” e pediu direito de resposta, bem como a retirada do vídeo ou a supressão da declaração de Ciro sobre o partido. No final de setembro, a ministra Maria Claudia Bucchianeri mandou o Estadão retirar essa fala de Ciro Gomes do vídeo e, em outubro, mandou o jornal publicar o direito de resposta do Psol.

O Estadão publicou a resposta, mas recorreu. Em novembro, passada a eleição, a ministra despachou no processo reconhecendo o cumprimento de suas ordens, e então afirmou que, por isso, o recurso estaria prejudicado. “Satisfeita a obrigação decorrente da decisão deferitória do direito de resposta, os recursos remanescentes revelam-se prejudicados, dada a irreversibilidade do provimento jurisdicional”.

Ela deu o caso por encerrado, mas não fez nenhuma consideração sobre a possiblidade de o vídeo da sabatina voltar ao ar. Dos três links do YouTube vetados pela ministra, dois permanecem fora do ar, mas um terceiro, com a íntegra da sabatina, está disponível, inclusive com a fala completa de Ciro Gomes sobre o Psol.

A reportagem questionou o TSE o motivo de o mesmo conteúdo continuar suspenso em determinadas plataformas e de volta em outras, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem – o espaço segue aberto.

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Falta de clareza do TSE e de organização das plataformas favorece suspensão ilimitada

Pesquisador da área, o advogado Diogo Rais lembra que a regra que permite o retorno do conteúdo suspenso na campanha foi criada em 2017. Nas eleições de 2018, na qual foi aplicada, o ministro Alexandre de Moraes já defendia, em julgamentos, que ela fosse superada, para permitir que o conteúdo permanecesse removido após o período eleitoral.

Seu argumento era de que honra dos candidatos deveria ser protegida após as eleições. A maioria dos ministros, no entanto, considerou que o papel da Justiça Eleitoral era somente garantir o equilíbrio e a lisura na disputa eleitoral, e que os políticos deveriam recorrer à Justiça comum para defender sua honra, argumento que prevaleceu à época.

A resolução mudou em 2019, para estabelecer que, quando o TSE removesse um conteúdo numa decisão de mérito (mais aprofundada), ele deveria permanecer suspenso. Isso ocorreu poucas vezes nas eleições de 2022. Na maioria dos casos, apenas liminares foram proferidas pelo relator e depois referendadas ou revertidas pelo plenário. Nesses casos, a resolução permite a volta do conteúdo.

Para Rais, é possível que o retorno não esteja ocorrendo por falta de clareza do TSE quanto à data em que isso seja possível, por falta de intimação das plataformas, ou, por outro lado, falta de organização interna e insegurança das empresas para republicar o conteúdo.

“Está no escuro e deveria haver luz sobre isso. Se houvesse clareza nas decisões, as plataformas programariam o retorno do conteúdo. Evidente que falta uma previsão de procedimento para poder fazer cumprir esse dispositivo. Mas não há uma nova etapa para a plataforma. Assim, coloca-se a possiblidade de não voltar nada e a intervenção da Justiça Eleitoral, que deveria ser mínima, passa a ser máxima, sem que isso também esteja estabelecido de forma clara”, diz.

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Censura à Brasil Paralelo teve data para acabar

Uma clareza maior ocorreu no caso mais evidente de censura prévia, determinada pelo TSE, no ano passado, envolvendo a produtora de documentários Brasil Paralelo. Em outubro, acolhendo um pedido do PT, o ministro Benedito Gonçalves proibiu que a empresa promovesse e lançasse, no dia 24, a seis dias do segundo turno, um episódio do programa “Investigação Paralela” que abordava as “teorias” sobre o atentado a faca sofrido por Jair Bolsonaro na campanha de 2018. A decisão, no entanto, era clara ao dizer que proibição valeria somente até 31 de outubro, um dia após a etapa final da disputa eleitoral.

Uma das hipóteses abordadas pelo filme é de que o autor do crime, Adélio Bispo de Oliveira, teria seguido ordens de um mandante, interessado em retirar Bolsonaro da disputa daquele ano. Isso nunca foi confirmado pelas investigações, nem foi endossado pelo documentário, mas a ideia passou a ser ecoada por Bolsonaro ao longo de seu mandato para acusar a esquerda de tentar matá-lo.

Sem assistir à produção, que ainda não estava finalizada, o PT disse que o documentário tinha finalidade eleitoral e poderia prejudicar Lula. A produtora sempre negou esse objetivo, sustentou que o programa apenas relembrava as várias suspeitas que surgiram sobre o caso e que a escolha da data se dava por razões de mercado, não em razão das eleições. Ainda assim, a maioria do TSE referendou a proibição de que o filme fosse promovido e lançado antes do segundo turno.

A Brasil Paralelo recorreu. Informou inicialmente que, por iniciativa própria, iria adiar a exibição para novembro, mas pediu que fosse retirada a possibilidade de multa de R$ 500 mil. O ministro negou, apontando que a decisão também proibia a empresa de arrecadar recursos por meio de assinaturas e publicidade em seus filmes exibidos no YouTube; e ainda de impulsionar “quaisquer conteúdos político-eleitorais, especialmente envolvendo os candidatos Jair Messias Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, seus partidos e apoiadores”.

Em novembro, com o fim de todas essas restrições, o programa sobre a facada em Bolsonaro foi finalmente exibido. Segundo a Brasil Paralelo, não houve qualquer problema depois.

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