O Atlas da Violência divulgado na última quinta-feira (27) mostra que o Brasil registrou quase 58 mil assassinatos em 2018, uma queda de 12% em relação a 2017. Os pesquisadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) elencaram uma série de motivos para a redução do índice de violência no país e destacaram que o esforço dos governos estaduais têm feito diferença no combate ao crime no país.
Os dados mostram que enquanto entre 2016 e 2017 a taxa de homicídios diminuiu em 15 estados, em 2018 a queda de letalidade foi observada em 24 estados brasileiros. Outros dois estados apresentaram aumento inferior a 10%. Apenas Roraima se destacou por um aumento significativo no número de mortes (51,3%), que em parte pode ser explicado pela relação com a Venezuela, país que faz fronteira com o estado e que assistiu um êxodo de cidadãos para o lado brasileiro da fronteira.
Mas afinal, quais são os programas estaduais de segurança pública que têm conseguido diminuir o número de homicídios no país?
Espírito Santo é um dos destaques na redução da violência em 2018
O Espírito Santo foi o terceiro estado que mais conseguiu reduzir o número de assassinatos em 2018 em relação ao ano anterior. A queda foi de 22,6% na taxa de homicídios, atrás apenas do Acre (redução de 24,4%) e de Pernambuco (-22,9%).
Os pesquisadores ressaltam que houve uma diminuição gradativa das taxas de homicídio do estado a partir de 2010, como consequência de investimentos, da reforma do sistema penitenciário e da criação do Programa Estado Presente.
O Estado Presente é classificado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como um dos mais completos e eficazes projetos na prevenção e enfrentamento à criminalidade. O programa foi implantado em 2011, na primeira gestão do governador Renato Casagrande. Depois de ter sido desativado no período 2015-2018, o programa foi retomado pela atual gestão.
O programa tem dois eixos de atuação. No primeiro, as forças de Segurança atuam de forma integrada dentro do eixo de proteção policial. O outro eixo, de proteção social, com foco na prevenção, tem uma carteira de 37 projetos com os quais a administração estadual busca favorecer investimentos, especialmente nas áreas de Educação, Saúde, Cultura, Esporte, Infraestrutura, além de qualificação profissional.
Resultados do Estado Presente nos índices de homicídio
Em 2008, a taxa de homicídios no Espírito Santo era de 56,4 para cada 100 mil habitantes. O índice subiu para 56,9 em 2009 e o estado ocupava a posição de segundo mais violento do país. A partir de 2010, começa uma tendência de queda nos números. Veja a tabela abaixo, com a taxa de homicídios ano a ano:
Ano | Taxa de homicídio |
2008 | 56,4 |
2009 | 56,9 |
2010 | 51 |
2011 | 47,1 |
2012 | 46,6 |
2013 | 42,2 |
2014 | 41,4 |
2015 | 36,9 |
2016 | 32 |
2017 | 37,8 |
2018 | 29,3 |
O secretário de Economia e Planejamento do Espírito Santo, Álvaro Duboc, conta que o programa Estado Presente foi criado a partir da necessidade de diminuir os índices de violência do estado. “Estava muito claro que a política de segurança pública precisava de um realinhamento. A partir disso era preciso entender as causas da violência no Espírito Santo, por que um estado tão pequeno e organizado tinha indicadores tão altos de violência”, explica.
A partir de então, o programa foi implementado no Estado. Uma análise dos dados mostrou que 50% dos homicídios em 2010 se concentravam em 32 bairros, de 14 municípios do estado. “Percebemos que a violência tem endereço e tem identidade, nós sabemos quem são a s principais vítimas da violência. São jovens negros que moram em bairros vulneráveis”, conta Duboc.
Por isso, um dos eixos do programa visa melhorar condições de vida e gerar oportunidades para pessoas que vivem nesses bairros. Além disso, o programa também visa o enfrentamento qualificado da criminalidade, com o emprego da atividade policial baseado em evidências. A partir disso, o policiamento começou a ser concentrado em locais e horários onde os crimes costumavam ser cometidos.
Houve um aumento em 2017, quando a taxa de homicídios passou de 32 para 37,9 mortes para cada 100 mil habitantes. Os pesquisadores atribuem o aumento ao período de greve da Polícia Militar, em fevereiro, quando 215 pessoas foram assassinadas.
“Entende-se que o movimento de redução de homicídios em 2018 possui relação com a recomposição da tendência anterior de diminuição da letalidade no estado”, analisam os pesquisadores.
Segundo Duboc, o governo capixaba acompanha mensalmente os indicadores de violência do estado. “Com isso, nos conseguimos sair de uma resolutividade de inquéritos de homicídios de 8% para 60% nos quatro primeiros anos do programa”, conta o secretário.
Um estudo do Ipea mostra que, entre 2010 e 2014, houve diminuição de 10,2% no número de homicídios no Espírito Santo, e se não fosse o Programa Estado Presente em Defesa da Vida, nesse mesmo período o número de homicídios teria sido 29% maior.
O Ipea aponta que o Estado Presente é um “programa de segurança pública baseado no planejamento, no método e nas evidências empíricas, cujo principal fiador foi o próprio governador do Estado”.
Em relação aos investimentos, os pesquisadores afirmam que cada real aplicado pelo governo estadual nas ações realizadas pelo programa, entre 2010 e 2014, aliadas também ao saneamento do sistema prisional capixaba, em 2010, gerou um ganho de bem-estar social equivalente a R$ 2,40, comparando-se os custos financeiros correspondentes à implantação da política com o valor estatístico das vidas poupadas.
Duboc destaca a importância de integração dos eixos de proteção policial e social para o sucesso do programa. “Estamos falando de prevenção primária, prevenção secundária e prevenção terciária. Não adianta pensar só em prevenção primária e achar que isso vai resolver o problema, porque ele está sendo retroalimentado pela ausência de políticas públicas para resolver a situação dessas populações em situação de vulnerabilidade”, diz o secretário. “Se nós não trabalharmos as politicas públicas para poder minimizar a vulnerabilidade da juventude vamos estar cada vez mais apenas retroalimentando o sistema”, completa.
Projeto da Paraíba também é destaque
O Atlas da Violência divulgado nesta semana também chamou atenção para “o mais longevo período de redução das taxas de homicídio, que vem ocorrendo na Paraíba”.
Desde 2011, quando foi implantado o programa Paraíba Unidos pela Paz, por sete anos consecutivos a taxa de homicídio vem diminuindo naquele estado.
O estado viu a taxa de homicídios saltar de 27,5, em 2008, para 42,6 em 2011, ano da implementação do Paraíba Unidos pela Paz. De lá para cá, o estado registra queda no índice todos os anos. Entre 2013 e 2018, a queda foi de 21,4% no número de assassinatos.
Ano | Taxa de homicídio |
2008 | 27,5 |
2009 | 33,5 |
2010 | 38,6 |
2011 | 42,6 |
2012 | 40 |
2013 | 39,6 |
2014 | 39,3 |
2015 | 38,3 |
2016 | 33,9 |
2017 | 33,3 |
2018 | 31,1 |
O programa de segurança pública da Paraíba segue os mesmos princípios do Pacto pela Vida (2007), de Pernambuco, e do Estado Presente (2011), do Espírito Santo.
Ambos os programas mesclaram três ingredientes fundamentais:
- Política orientada por resultados, com planejamento e liderança pessoal de governadores;
- Integração e qualificação do trabalho policial, com ênfase na inteligência;
- Ações de prevenção social focalizadas nos jovens residentes em territórios conflagrados e com alta vulnerabilidade social.
Outros programas de segurança pública que reduziram a violência
O Atlas da Violência também destaca outros programas de segurança pública que trouxeram resultados positivos para o Brasil a partir dos anos 2000.
Entre eles estão o Infocrim (2000), em São Paulo; o Programa “Ficar Vivo” (2002) e o Igesp (2008), em Minas Gerais; o Pacto pela Vida (2007), em Pernambuco; as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) (2008), no Rio de Janeiro; o “Paraíba Unidos pela Paz” (2011); o “Estado Presente” (2011), no Espírito Santo.
São Paulo atualmente é o estado com menor taxa de homicídios a cada 100 mil habitantes. O índice em 2018 foi de 8,2, uma redução de 20,3% em relação a 2017 e 47% na última década. O Atlas da Violência destaca, porém, que houve uma piora nos dados do Ministério da Saúde em relação aos óbitos registrados no estado, que é a base de pesquisa do relatório.
Em Minas Gerais, a taxa de homicídios em 2018 foi de 16 para cada 100 mil habitantes, uma redução de 21,4% em relação ao ano anterior e de 18,2% desde 2008.
No Rio de Janeiro, também houve queda nos índices de violência de 2017 para 2018, de 2%. A taxa de homicídios no estado é de 37,6 para cada 100 mil.
Já no caso de Pernambuco, o estado apresentou a segunda maior queda nos índices de violência em 2018, segundo o Atlas da Violência. A queda foi de 22,9% e a taxa registrada foi de 44,1.
Os pesquisadores destacam que depois do sucesso do programa Pacto pela Vida, lançado em 2007, que contribuiu para a diminuição de homicídios em Pernambuco até 2013, as taxas de mortes violentas voltaram a aumentar substancialmente em 2016 e 2017, período de maior intensidade da guerra das facções.
Em 2018, ano marcado pela diminuição das agressões entre as grandes facções penais nos estados do Norte e Nordeste, a taxa de homicídios diminuiu substancialmente.
Ano | Taxa de homicídio |
2008 | 50,9 |
2009 | 45 |
2010 | 39,5 |
2011 | 39,2 |
2012 | 37,3 |
2013 | 33,9 |
2014 | 36,2 |
2015 | 41,2 |
2016 | 47,3 |
2017 | 57,2 |
2018 | 44,1 |
Segundo a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco, a queda seria resultante de um processo de interiorização da polícia e contratação, entre 2017 e 2018, de 4.240 integrantes para as forças de segurança, entre policiais militares, civis, bombeiros e polícia técnica.
“Entretanto, como a própria secretaria identificou que entre 65% e 75% dos crimes violentos letais intencionais estão relacionados ao tráfico de drogas, fica o mistério de como a polícia pode ter interferido na dinâmica de agressões mútuas entre os membros das facções, fazendo diminuir as mortes”, avaliam os pesquisadores.
Mudanças no modelo de gestão da segurança pública dão resultado
Os pesquisadores do Atlas da Violência ressaltam que essas experiências nacionais “serviram para mostrar que mudanças no modelo de gestão da segurança pública, com planejamento e orientação por resultados, qualificação do trabalho policial e ações preventivas no campo social, geram resultados”.
Para eles, a partir dos anos 2000 esse conhecimento acumulado teve gradativa disseminação, e pode explicar parcela do movimento de diminuição dos homicídios em pelo menos alguns estados brasileiros.
“Para o futuro, resta saber se a sociedade e os governos apostarão nesse caminho das políticas efetivas baseadas em evidências e na gestão científica, ou se colocarão as fichas na retórica vazia do populismo penal, do encarceramento em massa e da brutalidade policial, que nunca funcionaram, mas dão votos”, questionam os pesquisadores.
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