A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos da América (EUA) movimentou nesta quarta-feira (6) auxiliares do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em diversas áreas do governo. O resultado foi encarado com preocupação por esses aliados, que veem a possibilidade das eleições americanas exercerem um reflexo sobre a política brasileira negativo para o governo Lula.
A manifestação de Lula sobre a vitória de Trump foi publicada na rede social X. "Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno à presidência dos Estados Unidos. A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada. O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade. Desejo sorte e sucesso ao novo governo", afirmou Lula.
Não há expectativa de que o petista faça qualquer contato com o republicano neste momento. A declaração de Lula ocorre dias depois de ele ter defendido publicamente que apoiava a agora candidata derrotada Kamala Harris. Na ocasião, o presidente brasileiro não poupou críticas a Trump.
"Nós vimos o que foi o presidente [Donald] Trump no final do seu mandato, ou seja, fazendo aquele ataque ao Capitólio. Uma coisa que era impensável acontecer nos Estados Unidos", disse Lula em entrevista à emissora francesa TF1+.
Para André Cesar, analista político da Hold Assessoria, a vitória de Trump logo após a declaração de Lula amplia o sentimento de derrota para o presidente brasileiro e da esquerda como um todo. Segundo ele, esse resultado vem logo após as diversas derrotas que os seus aliados tiveram nas eleições municipais deste ano. O PT conseguiu eleger apenas 252 prefeitos, ficando em nono lugar no ranking de vitórias por partido.
"O governo Lula perdeu espaço e a partir de agora vai ter que jogar um outro jogo, mas eu não vejo margem para uma mudança de posição da esquerda brasileira", afirmou o analista.
Crescimento da direita nos EUA pode influenciar na estratégia de Lula
A vitória de Trump foi confirmada após ele obter pelo menos 277 votos do Colégio Eleitoral, de um total necessário de 270 para garantir a vitória. Além disso, o republicano também aparecia com cerca de 5 milhões de eleitores a mais do que a sua oponente no voto popular na manhã desta quarta-feira (6).
Os números da apuração mostravam Trump com mais de 70, 9 milhões de votos, o que representava cerca de 51% do total. Já Kamala Harris aparecia com cerca de 66 milhões (47,5%).
O Partido Republicano deve ficar com a presidência, a maioria no Senado, possivelmente também na Câmara dos Representantes, equivalente à Câmara dos Deputados do Brasil, e uma sólida maioria na Suprema Corte. Isso não ocorria desde o final dos anos 60. Essa maioria pode permitir aos republicanos realizar amplas reformas conservadoras no país. No Senado dos EUA, o partido Republicano tem duas cadeiras a mais que os Democratas e a diferença ainda pode aumentar.
A definição da maioria na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos pode demorar um pouco ainda. Mas tudo indica que a onda que elegeu Trump e deu o Senado aos republicanos deve também gerar uma maioria na Câmara.
Aliados de Lula admitem que comissões da Câmara e do Senado dos EUA podem ser usadas para dar holofotes a questionamentos à democracia brasileira, à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e à inelegibilidade de Jair Bolsonaro. Na mesma linha, o professor e cientista político Antônio Testa acredita que essa maioria vai dar condições para que os Estados Unidos cobrem ações mais incisivas sobre as denúncias apresentadas pelos opositores no Brasil.
"[Os republicanos] terão condições de pressionar o Parlamento americano e o Executivo americano para tomar medidas mais incisivas. Eles poderão cobrar justiça no sistema eleitoral brasileiro e no sistema judiciário, que hoje é totalmente coordenado por um só personagem, que é o ministro Alexandre de Moraes", avaliou o cientista político.
Brasil deve sentir o reflexo da perda de força das pautas identitárias
Na avaliação dos analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o principal recado que a vitória de Trump passa para o presidente Lula é de que as pautas identitárias perderam força em todo o mundo. Segundo o professor Antônio Testa, esse movimento acontece em diversas partes do planeta, inclusive no Brasil.
"O Trump também vai fazer uma pressão enorme agora nessa guerra de narrativas. Vimos que as questões que foram colocadas pela Kamala, como no caso do aborto, das mulheres e das ideologias, não geraram muito interesse na sociedade americana e que há outras agendas consideradas mais importantes e que foram mais bem exploradas pelo Trump", disse Testa. Entre essas agendas estão as questões econômica, de impostos e de imigração.
Aliado do presidente Lula, o deputado André Janones (Avante-MG) admitiu o crescimento da direita e reconheceu as dificuldades de comunicação da esquerda. "Cansei de dar murro em ponta de faca. A esquerda insiste em negar a realidade sobre o avanço da extrema direita e o poder de comunicação que eles dominam — mas não é falta de conhecimento, é soberba pura, uma utopia que ignora o chão que o povo pisa", escreveu na rede social X.
Para o analista político Fidelis Fantin, especialista em Economia Política, Defesa e coordenação de tramitação de leis no Congresso, esse movimento da direita deve extrapolar para outros lugares do mundo. "É o que chamamos de ganhar de lavada. Os eleitores americanos perceberam, e isso pode extrapolar para o resto do mundo, que é preciso valorizar a garantir a liberdade e evitar essas pautas de ideologias", explicou Fantin.
Ainda segundo Fantin, esse movimento dos EUA gera um fator psicológico internacionalmente. "A direita também tem algumas ideologias e isso pode ser criticado dos dois lados. Mas há muitas ideologias da esquerda com potencial de gerar ditaduras, então quando temos um movimento de defesa da liberdade e de uma economia de mercado, como houve nos Estados Unidos, isso gera uma espécie de efeito demonstração para o resto do mundo", completa.
O economista e analista de mercado Rui São Pedro concorda que há uma tendência de fortalecimento internacional da direita. “É um indicativo muito forte e reforça a presença da direita no poder no mundo, reforça a direita brasileira. Isso vem em uma crescente, com a eleição do Javier Milei na Argentina, agora a volta de Trump ao poder. Uma luz de alerta se acende, acrescida com a perda de espaço dos partidos de esquerda nas eleições municipais no Brasil neste ano”, disse.
Poder de compra e mudanças no mercado de trabalho não foram entendidas pela esquerda
Para o analista político Leandro Gabiati, da Consultoria Dominium, a eleição de Trump deve promover reflexões profundas, tanto para os democratas quanto para o governo de Lula no Brasil, sobre o que os eleitores buscam na cena política. Segundo ele, a esquerda não consegue se comunicar e não entende bem os anseios da população sobre os problemas da economia e do mercado de trabalho.
“Há uma inflação controlada, mas os preços dos alimentos seguem aumentando. O preço dos combustíveis, que têm como base o dólar, seguem subindo. O alerta [ao governo brasileiro] é que [a eleição de Trump] tem muito a ver com o poder de compra da população e o desempenho econômico do país, como ocorreu nos Estados Unidos”, reforça.
Gabiati reforça que há um problema estrutural com a esquerda brasileira que também afetou os democratas: a estratégia de construção política desses partidos têm como base as classes sociais, uma ideia que precisa ser vencida. “A economia e o discurso mudaram radicalmente, então o choque que a eleição do Trump deva gerar na esquerda, é uma reflexão sobre novos parâmetros do discurso. É necessária uma nova interpretação da realidade, que não existe mais classe, o microempreendedor também é o trabalhador”, avalia.
Agenda internacional de Lula deve ser enfraquecida com eleição de Trump
A eleição de Trump também tem potencial para enfraquecer as agendas internacionais do presidente Lula. Após falhar em se colocar como mediador da guerra na Ucrânia e da crise na Venezuela, o brasileiro vem tentando se destacar internacionalmente nas pautas de combate à mudança climática e de taxação dos super-ricos.
No governo do democrata Joe Biden, o governo Lula conseguiu receber dois repasses para o Fundo Amazônia de US$ 50 milhões, equivalentes a R$ 270 milhões na cotação atual. Em abril do ano passado, o democrata anunciou o repasse de mais US$ 500 milhões, que ainda dependiam de aprovação do Congresso dos Estados Unidos. Parte desse dinheiro é destinado a projetos controversos de ONGs e Trump pode cortar esse tipo de financiamento.
O republicano não é totalmente contrário à pauta ambiental, mas não aceita que ela prejudique a economia americana gerando gastos desnecessários ou impedindo o desenvolvimento de setores considerados poluentes. Por isso, outro projeto de Lula que deve sair prejudicado é a Plataforma de Investimentos em Transformação Climática e Ecológica do Brasil, que pretendia levantar bilhões em investimento estrangeiro para produção de combustível menos poluente e reflorestamento.
Além disso, Trump pode até não enviar representante americano para a COP-30, a conferência mundial do clima que ocorrerá no ano que vem no Brasil. Ela é uma das principais apostas de Lula para se projetar internacionalmente. Em seu primeiro mandato, Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, que visa combater mudanças climáticas globalmente.
No campo da taxação global de super-ricos, embora Trump não tenha se posicionado, já disse que ao menos dentro dos Estados Unidos vai adotar política inversa, tentando reduzir impostos para privilegiar o crescimento econômico e não a redistribuição forçada de renda.
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