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A CPI da Covid do Senado retomou seus depoimentos nesta terça-feira (3) com a oitiva do líder religioso Amilton Gomes de Paula, conhecido como Reverendo Amilton. Ele foi chamado à comissão por ter atuado como intermediário das negociações entre a empresa Davati, que queria comercializar vacinas da Astrazeneca, e o Ministério da Saúde. O reverendo foi acusado pelos senadores de mentir à comissão e chegou a chorar em meio ao seu depoimento, quando disse ter se arrependido de se envolver no processo.
O retorno das atividades públicas da CPI, interrompidas desde a metade de julho por conta do recesso parlamentar, indicou que a comissão deve continuar com algumas das práticas que marcaram o "primeiro tempo" dos trabalhos do colegiado. Como, por exemplo, as trocas de farpas entre os senadores, demandas dos parlamentares governistas por investigações de casos de corrupção nos estados e municípios, críticas e defesa do tratamento precoce contra a Covid-19 e outros elementos.
Além de realizar os depoimentos, a CPI aprovou nesta terça 130 requerimentos feitos pelos parlamentares. Os pedidos continham solicitação de convocação de testemunhas, como um novo chamado ao ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, e a quebra de sigilo de pessoas citadas em denúncias, como os deputados federais Luís Miranda (DEM-DF) e o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Já o requerimento para a convocação do ministro da Defesa, Braga Netto, foi retirado de pauta. O autor da requisição, senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), optou por refazer o texto para incluir como motivo principal a prestação de esclarecimentos sobre o período em que Netto foi o coordenador do comitê de crise contra a Covid-19 do governo federal.
Outra aprovação da CPI foi a de um pedido para que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afaste a médica Mayra Pinheiro do cargo de secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da pasta. Pinheiro é defensora do chamado tratamento precoce contra a Covid-19, um coquetel de medicamentos que inclui cloroquina em que não há comprovação de eficácia contra a doença.
A comissão, por outro lado, retirou de pauta o pedido de quebra de sigilo da emissora de rádio Jovem Pan. Autor da proposta, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) chamou a ideia de "erro" e atribuiu a decisão à sua assessoria. As quebras de sigilo de sites de direita que apoiam o presidente Jair Bolsonaro, porém, foram mantidas.
Nesta quarta-feira (4), a CPI recebe o coronel Marcelo Blanco. Ele também tem conexão com o caso Davati, abordado pelo Reverendo Amilton. Blanco teria participado de um jantar, em fevereiro, no qual o policial Luiz Paulo Dominguetti, representante da Davati, teria sido pressionado a aceitar uma negociação para a compra de vacinas que incluía o pagamento de propinas a US$ 1 a dose.
Já na quinta-feira (5), o depoimento agendado é o do empresário Airton Soligo, conhecido como Airton Cascavel, que é amigo pessoal do ex-ministro Eduardo Pazuello e acusado de ser uma espécie de "ministro informal" da Saúde.
Facilidade de acesso de reverendo ao Ministério da Saúde deixou CPI perplexa
O depoimento do Reverendo Amilton à CPI teve como principal ponto de discussão a facilidade de acesso que o líder religioso teve ao Ministério da Saúde. Os senadores não se convenceram pela versão relatada por ele — Amilton conta que não conhece figuras de destaque do governo de Jair Bolsonaro e que conseguiu uma reunião no Ministério da Saúde apenas por ter enviado um e-mail a um departamento da pasta.
"É uma história muito difícil de acreditar", disse o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que disse que a rotina, entre deputados e senadores, é a de esperar semanas ou meses para conseguir uma audiência com um representante de ministério.
Amilton, segundo suas palavras, se posicionou como um facilitador entre a Davati e o governo federal. A Davati queria comercializar vacinas e encontrou em Amilton alguém que poderia "abrir portas" na estrutura pública.
O religioso é responsável pela Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah), uma organização particular, e foi por meio dela que empreendeu os contatos com o Ministério da Saúde. O nome da Senah e um texto emitido pela empresa foram questionados pelos parlamentares — segundo Rogério Carvalho (PT-SE), a denominação e o componente visual sugerem que a Senah teria alguma chancela pública, o que não é verdade.
No rodapé do documento há o logotipo da Organização das Nações Unidas (ONU), e ao longo do depoimento Amilton reconheceu que não existe conexão entre a entidade multinacional e a Senah. E em sua apresentação inicial, Amilton disse que tinha o título de "embaixador da paz", honraria também concedida por grupos particulares, sem vínculo com o poder público.
O aspecto mais importante do texto debatido pela CPI não foram seus elementos visuais, mas sim o preço do imunizante que constava na redação, de US$ 11. O valor é US$ 1 superior ao que a Davati afirmou ter proposto ao governo federal. Amilton disse que a diferença de um dólar era resultado de uma demanda da própria Davati; ao longo da tarde, porém, a empresa divulgou que não havia solicitado a adição no preço. Alguns parlamentares chegaram a indicar que Amilton poderia ter sua prisão decretada, como a CPI fez com o ex-diretor do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, em julho, que mentiu ao colegiado.
Amilton foi pego em contradição também em outro momento da oitiva, quando disse que não havia negociado vacina com outras esferas de governo. Uma reportagem da CNN Brasil mostrou que ele participou de conversas com representantes de municípios.
Conversas por mensagens de celular entre ele e representantes da Davati foram expostas e contribuíram para que o líder religioso tivesse sua credibilidade questionada pelos parlamentares. Numa delas, ele dizia que havia falado "com quem manda" no ministério. Perguntado na CPI quem seria a pessoa "que manda" no ministério, Amilton declarou que a mensagem se tratava de bravata.
Em resposta, Omar Aziz disse que aquele posicionamento comprometia a carreira religiosa de Amilton, já que seus seguidores poderiam passar a tratar suas pregações também como bravatas.