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O projeto que cria um novo Código Eleitoral, aprovado na Câmara no ano passado, pode ser votado ainda em 2022 no Senado. Nos bastidores, a proposta tem apoios, e há senadores que esperam a votação ainda neste ano. Mas, desde que se tornou pública a articulação para colocá-lo em votação, o Código Eleitoral também passou a enfrentar a resistência de outros senadores e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Corte Eleitoral manifestou preocupação sobre as possíveis mudanças eleitorais – especialmente as que enfraquecem a fiscalização e transparência dos partidos, que constam do texto aprovado na Câmara.
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo informou que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), discutem se a votação se seria direto no plenário ou se a proposta precisaria de aval da CCJ. A ideia, de acordo com a Folha, seria votar a proposição em junho.
Mas parlamentares contrários à votação ainda em 2022 afirmam que a proposta não figura entre as prioridades da Casa para o ano, e dizem que a medida pode confundir as regras eleitorais a poucos meses da disputa.
Um dos principais focos de resistência ao projeto se dá em torno da possibilidade de mudar as regras eleitorais na disputa de 2022. A legislação brasileira estabelece que qualquer modificação nas eleições precisa ser aprovada no mínimo um ano antes da disputa para ser implantada. Nesse caso, as mudanças não entrariam em vigor nas eleições de outubro. Mas alguns senadores entendem que o novo Código não fala apenas de situações ligadas às eleições propriamente ditas, mas sim de aspectos que margeiam o processo eleitoral. Portanto, esses elementos "paralelos" poderiam vigorar já em 2022 – causando confusão.
Um dos exemplos de pontos previstos no Código Eleitoral que poderiam valer já para 2022 são os novos limites à divulgação de pesquisas eleitorais. O projeto aprovado na Câmara estabelece que institutos de pesquisa e veículos de comunicação só podem noticiar pesquisas de intenção de voto na sexta-feira anterior à eleição – ou seja, vedando a divulgação na véspera e no dia da disputa.
A alegação dos defensores da proposta é de que essas informações podem influenciar, de modo negativo, o comportamento do eleitorado (os críticos da proposta dizem se tratar a uma proibição inconstitucional do direito de o eleitor se informar). O novo Código Eleitoral define também que os institutos seriam obrigados a informar uma "taxa de acerto" de levantamentos feitos em eleições anteriores. Isso também é alvo de críticas, pois do ponto de vista técnico apenas uma pesquisa de boca de urna pode caracterizar acerto ou erro do resultado eleitoral, já que levantamentos de opinião são retratos do momento e os dias anteriores à eleição são historicamente marcados por mudanças das tendências do eleitor em função da definição da escolha à medida que a eleição se aproxima.
Os dispositivos do Código Eleitoral que enfraquecem a fiscalização e transparência
Em outros pontos do novo Código Eleitoral, o projeto dificulta a fiscalização das prestações de contas dos partidos. O texto prevê que os gastos das legendas, financiadas com dinheiro público, poderão ser auditados por empresas privadas. As empresas enviariam seu relatório para a Justiça Eleitoral, que hoje é a única responsável pela fiscalização das contas de campanha e partidárias. Críticos do projeto afirmam que, como são as siglas que vão contratar as auditorias, poderão influenciar o resultado final da fiscalização. E isso abriria brechas para corrupção eleitoral, como caixa 2.
O projeto também diminui o poder de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editar resoluções que definam regras eleitorais. Atualmente, o TSE pode emitir resoluções sobre as eleições a qualquer tempo – parlamentares argumentam que, na prática, isso dá ao Tribunal o direito de exercer modificações sobre a regra do jogo. Pelo projeto, as resoluções do TSE se enquadrariam na regra da anualidade prevista para as demais normas aprovadas pelo Congresso. Além disso, pelo projeto, o Congresso poderá cassar decisões do TSE, caso haja o entendimento de que regras estão em desacordo com o Código.
O projeto também prevê a redução de cinco para dois anos no prazo para que a Justiça Eleitoral analise a prestação de contas dos partidos. Ou seja, além de não ser mais a responsável pela primeira análise dos balanços das legendas, o poder público terá menos tempo para fazer a análise posterior – o que leva especialistas a prever que haverá aumento da impunidade por dificuldade de a Justiça Eleitoral cumprir o prazo mais apertado. Outro dispositivo previsto no novo Código é a redução do valor da multa aplicada aos partidos em caso de reprovação das contas apresentadas.
Outro dispositivo criticado no texto do novo Código Eleitoral propõe a descriminalização do transporte de eleitores. Essa prática deixa de ser crime e passa a ser apenas uma infração, passível de punição só na esfera cível apenas com a aplicação de multa (o projeto estabelece o valor de R$ 5 mil a R$ 100 mil).
Ainda que o transporte continue a ser ilegal, o dispositivo previsto no projeto é criticado porque pode estimular o abuso do poder econômico nas eleições. Candidatos com muitos recursos financeiros poderiam fazer um cálculo de custo-benefício de transportar eleitores, aceitando pagar uma multa para assegurar mais votos. A atual legislação eleitoral considera que o transporte de eleitores no dia das eleições, de suas residências até os locais de votação, é crime que pode resultar em prisão de até seis anos, além de multa.
As mudanças que enfraquecem o TSE e a possibilidade de que algumas novas regras possam entrar em vigor ainda em 2022 levou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Edson Fachin, a enviar no último dia 26 um ofício ao Senado alertando para os riscos contidos no texto e pedindo para que a proposta não entre em vigência antes do ano que vem.
Publicamente, senadores dizem que não é momento de votar o projeto
Quando o projeto foi aprovado na Câmara, em 2021, os deputados tinham a expectativa de que o Senado fosse votá-lo ainda no ano passado. Mas os senadores travaram a análise do projeto. Hoje, o relator do novo Código Eleitoral no Senado é Alexandre Silveira (PSD-MG). Ele não fala publicamente sobre o andamento de seu trabalho.
Se nos bastidores o projeto encontra algum apoio para ser pautado ainda em 2022, em público grande parte dos parlamentares rejeita a discussão do tema. A Gazeta do Povo consultou a maior parte dos líderes partidários sobre o projeto e ouviu de grande parte deles que a iniciativa não figura entre as prioridades – e que, portanto, não chegou ainda ao estágio em que efetivamente pode ser submetida a votação.
Publicamente, outros senadores afirmam que não é a hora de discutir mudanças na legislação eleitoral. "Entendo que não é o momento propício para se votar essa matéria", disse o líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas (DF). O parlamentar afirmou considerar que a iniciativa "aponta para a solução de alguns problemas", mas que isso não deve estimular a votação ainda em 2022. "Acredito que não haverá condições de ele ser votado antes das eleições. Não é oportuno que isso aconteça."
Igualmente líder de seu partido, Nelsinho Trad (PSD-MS) avalia que "não seria prudente" submeter o projeto a votação. "Em ano eleitoral com regras já definidas não seria prudente votar qualquer medida que possa interferir no processo eleitoral que já foi deflagrado pelos órgãos judiciários competentes", declarou.
Outro senador, líder de um partido de centro que pediu para não ser identificado, disse à Gazeta do Povo que ainda não havia estudado o novo Código Eleitoral – o que indica que a proposta ainda está em "segundo plano". Assessoria de outros parlamentares também informaram que o Código Eleitoral não é um projeto que esteja na lista dos prioritários.