Além de votar pela inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou que o seu voto seja encaminhado ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Procuradoria-Geral da República (PGR) e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Com isso, a decisão abre caminho para outras eventuais condenações contra o ex-presidente.
O julgamento no TSE será retomado nesta quinta-feira (29) com os votos dos outros seis ministros da corte. Neste caso em andamento, Bolsonaro é acusado de abuso de poder político e de uso indevido dos meios de comunicação por conta de uma reunião com diplomatas estrangeiros, realizada no dia 18 de julho de 2022.
Ao determinar que seu voto seja encaminhado ao TCU, por exemplo, Benedito Gonçalves abre caminho para que o tribunal faça uma aplicação de multa como forma de Bolsonaro ressarcir o erário. Isso porque teria "lucrado" com a divulgação do evento da reunião com embaixadores.
Segundo Adriano Soares da Costa, advogado e professor de Direito Eleitoral, a fundamentação do voto do relator foi pelo uso indevido dos meios de comunicação para fins eleitorais, mas a transmissão da reunião é legítima, pois estaria entre as funções da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
"A própria fundamentação do voto foi de abuso de poder político e de uso indevido dos meios de comunicação para fins eleitorais. Então o TCU geraria uma cobrança pela veiculação de um ato da Presidência da República, que do ponto vista não eleitoral, é legítimo e próprio da função da Presidência e da própria existência da EBC. Então fica sem ter uma clareza quanto a isso", disse.
Costa argumenta que o objeto da ação não seria passível de condenação, pois é prerrogativa do presidente se reunir com embaixadores. Além disso, o especialista explica que o voto de Benedito abre precedentes para casos futuros sobre abuso de poder político.
"O que se fez é um precedente perigoso para o futuro da democracia brasileira, que foi você criar o abuso de poder que não tem repercussão. Portanto, desidrata o conceito de abuso de poder. Tudo pode ser a abuso de poder e os atos da Presidência da República passam a ser sempre suscetíveis a gerar inelegibilidade", argumenta
Na mesma linha, Richard Campanari, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), acredita que o voto do ministro do TSE relativiza o crime de abuso de poder político. [O voto] abre um precedente muito perigoso e que traz uma carga de subjetividade muito ampla na avaliação de uma determinada conduta. Perde-se a tecnicidade para avaliar efetivamente o abuso de poder político. Ou seja, o uso dos meios da máquina, da posição do agente público para se beneficiar numa campanha eleitoral", argumenta.
Voto de Benedito Gonçalves pode reforçar investigações contra Bolsonaro no STF
Além de encaminhar o voto para o TCU, a decisão de Benedito Gonçalves pode ser incorporada a outros inquéritos contra Bolsonaro que tramitam no Supremo. Entre eles, dois inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes e que apuram os atos de 7 de setembro de 2021, além dos referentes aos atos de vandalismo em Brasília de 8 de janeiro deste ano.
"O voto de Benedito Gonçalves, principalmente com a manutenção da chamada "minuta do golpe" apreendida na residência do [ex-ministro] Anderson Torres, amplia o rol de provas contra o ex-presidente em relação aos ataques contra os demais Poderes, sobretudo ao Judiciário, e ao sistema de votos no país. Com isso, aumenta-se a possibilidade de condenação de Bolsonaro em outras esferas", explicou Antônio Carlos de Freitas Junior, mestre em direito constitucional pela Universidade de São Paulo.
A inclusão no processo da minuta apreendida pela Polícia Federal que tratava da decretação de um estado de defesa após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é questionada pelos advogados de Bolsonaro. Benedito disse que inserir o documento não contraria a tese firmada no julgamento que absolveu a chapa Dilma Rousseff/Michel Temer, em 2017.
"A admissibilidade do decreto de estado de defesa não confronta, não revoga e não contraria a nossa jurisprudência", afirmou, repetindo entendimento manifestado anteriormente.
Apesar de Benedito fazer essa negativa simples, baseada apenas em sua autoridade de ministro, a decisão de incluir o documento vai contra a jurisprudência que preservou os direitos políticos de Dilma. Na ocasião, provas que não se relacionavam diretamente com o fato julgado não foram consideradas ao se chegar a uma sentença.
PGR pode reabrir inquérito sobre reunião de Bolsonaro com embaixadores
Em outra frente, a Procuradoria-Geral da República (PGR) poderá eventualmente reabrir o inquérito para apurar as ações de Bolsonaro durante o encontro com os embaixadores. Em seu voto, Benedito Gonçalves recomenda a “análise de eventuais providências na esfera penal”, uma vez que a subprocuradora-geral Lindôra Araújo já havia solicitado ao STF que fosse arquivada uma investigação criminal sobre o evento.
Para o analista Adriano Soares da Costa, não cabe nova análise ao caso, tendo em vista que já houve uma manifestação da Procuradoria Geral da República dizendo que não houve ilicitude praticada pelo ex-presidente.
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