As acusações de fraude nas eleições dos Estados Unidos encampadas pelo presidente norte-americano Donald Trump ressuscitaram uma velha bandeira do presidente Jair Bolsonaro: a volta do voto impresso no Brasil. Na semana passada, Bolsonaro afirmou que pretendia retomar a discussão sobre o tema pensando em um sistema “seguro” de votação para as eleições de 2022. Líderes do Congresso, mesmo os governistas, entretanto, admitem que dificilmente uma proposta como essa passará no curto ou médio prazo.
Bolsonaro lançou a ideia durante a live semanal da última quinta-feira (5) alegando que “o estudo [sobre o voto impresso] está bastante avançado". "Queremos, no ano que vem, mergulhar na Câmara e no Senado para que a gente possa realmente ter um sistema eleitoral confiável em 22", disse o presidente. Na segunda-feira (9), bolsonaristas iniciaram uma campanha na internet com a hashtag #VotoImpressoSIM.
Porém, não é uma proposta tão simples de ser colocada em prática. Já sabendo desse tipo de dificuldade, integrantes do Palácio do Planalto e deputados aliados do presidente buscam demovê-lo da ideia, classificada como extemporânea e de menor importância. Para eles, o presidente deveria focar energias em reformas de caráter econômico, como a administrativa ou a tributária.
Integrantes do Palácio do Planalto também têm receio de que uma investida de Bolsonaro nesse tema possa ser interpretada por adversários como sinal de fraqueza em relação às eleições de 2022. Ou seja: assim como Trump, advertem alguns aliados, Bolsonaro poderia ser acusado de usar a falta do voto impresso como subterfúgio para justificar uma eventual derrota nas próximas eleições.
Além disso, aliados do presidente também temem que ele crie uma nova briga com o Supremo Tribunal Federal (STF) ou com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) caso insiste na ideia. Isso porque, em julgamento realizado em setembro, por meio do plenário virtual, o STF já declarou como inconstitucional o artigo 59-A da Lei 9.504/97 (a Lei das Eleições) que tentou implementar a impressão do voto eletrônico. Os ministros entenderam que a emenda abriria margem para acabar com sigilo e a liberdade do voto. A declaração de inconstitucionalidade desse artigo foi unânime.
Por fim, poucos são os partidos que encampam a proposta do voto impresso. No PSL, por exemplo, apenas os deputados bolsonaristas são a favor da iniciativa. DEM, PP, PSC também são divididos quanto à proposta. PSB e PCdoB são apontados como partidos contrários à mudança.
PEC sobre voto impresso está parada desde dezembro
Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da deputada Bia Kicis (PSL-DF), ex-vice-líder do governo, “dispondo que, na votação e apuração de eleições, plebiscitos e referendos, seja obrigatória a expedição de cédulas físicas, conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”.
A proposta recebeu aval da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por 33 votos a 5, em dezembro do ano passado. A matéria aguarda agora a instalação de uma comissão especial para somente depois disso seguir a plenário. Para virar lei, a PEC depende de 308 votos na Câmara (em duas votações) e de 49 votos favoráveis no Senado. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) já sinalizou a aliados que não tem a menor intenção de colocar essa matéria em pauta.
O presidente da República e seus aliados alegam que, ao contrário do que sugeriu o STF, a proposta não vai abrir o sigilo do voto. Ela apenas permitiria uma alternativa para a contagem de votos. Em uma comparação simplória, o voto impresso funcionaria como os comprovantes das máquinas de cartão de crédito ou débito. Porém, esse comprovante (o voto) não seria acessado pelo eleitor. Ele seria impresso diretamente em uma urna, sem acesso pelo eleitor ou por terceiros. O voto impresso seria uma espécie de backup do voto eletrônico.
Para a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), o STF teve uma interpretação equivocada do que determinava o artigo 59-A da Lei das Eleições. O artigo, inclusive, foi uma ideia do próprio presidente Jair Bolsonaro, na época em que ele era deputado federal. “Eu acho que a gente tem que voltar a debater esse assunto, nesse ponto específico e simples. É um ponto simples. O que a gente quer é implementar o voto impresso para fazer uma auditoria. O voto eletrônico continua valendo; e o voto impresso é uma segunda auditoria, para você ter a recontagem das cédulas, nocaso de fraude”, explicou a deputada Carla Zambelli.
Já os contrários à ideia se valem de dois pontos específicos: a possibilidade de quebra do sigilo do voto e o aumento do custo das eleições. O ministro Gilmar Mendes, durante o julgamento relacionado ao artigo 59 da Lei das Eleições, estimou que a implementação de impressoras nas urnas eletrônicas demandaria investimentos da ordem de R$ 2 bilhões. “Não é possível fazer uma mudança tão abrupta no processo eleitoral, colocando em risco a segurança das eleições e gastando recursos de forma irresponsável”, disse em setembro o ministro Gilmar Mendes, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Ideia de Bolsonaro é videocassete em tempos de streaming, dizem críticos
Um dos principais aliados do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o deputado Luís Miranda (DEM-DF) morou nos Estados Unidos e classifica a iniciativa de Bolsonaro como a repetição de um sistema fracassado. “Zero chance de regredirmos com essa proposta. O exemplo de fracasso desse sistema são as próprias eleições americanas”, disse o parlamentar, que é vice-líder do DEM na Câmara.
Já o vice-líder do PP na Câmara Fausto Pinato (SP) classificou a proposta como uma “desculpa” para “assumir uma possível derrota jogando nas costas da justiça eleitoral que se perder será por causa do voto impresso”. “O presidente tem grandes chances de se reeleger: é só parar de agir com fígado e com a 'lucidez' dos extremistas; e governar o país para todos”, disse o parlamentar. “O plágio de estilo de governar [Bolsonaro 'copiando' Donald Trump] vem prejudicando o interesse internacional do país”, afirma.
Dentro do STF e do TSE os ministros são unânimes e falam que o retorno do voto impresso é um “retrocesso desnecessário”. O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, é um dos maiores críticos de uma mudança como essa. Para ele, a implementação dessa norma seria como voltar a ter um videocassete em tempos de serviços de streaming. “Retornar ao voto impresso é um retrocesso, é como comprar um videocassete”, disse o ministro na semana passada.
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