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O presidente Jair Bolsonaro defende a PEC do Voto Impresso – proposta de emenda constitucional que estabelece a volta das cédulas de papel nas eleições para auditar o resultado das urnas eletrônicas. Mas ele não a incluiu na lista de 35 projetos considerados prioritários pelo governo que foi enviada ao Congresso. Segundo o Planalto, a inclusão da PEC dentre as prioridades não foi necessária porque a proposta já está bem encaminhada para ser votada. Além disso, o governo não pretende deixar suas "digitais" na proposta para facilitar a aprovação.
Em janeiro, o presidente defendeu o voto impresso para auditar as urnas eletrônicas. Bolsonaro também "previu" que, sem voto impresso, o Brasil pode enfrentar em 2022 uma situação mais grave do que a invasão ao Congresso dos EUA por manifestantes pró-Donald Trump que questionavam a legitimidade da eleição de Joe Biden.
Mas, para que a PEC do Voto Impresso seja aprovada a tempo de valer para as eleições de 2022, a proposta tem de estar nas prioridades do Legislativo. Pelas regras eleitorais, a proposta precisa estar aprovada na Câmara e no Senado até outubro – um ano antes do pleito.
No Palácio do Planalto, a informação é de que a PEC 135/2019 não entrou na lista de prioridades porque já está bem encaminhada. O governo entende que há um acordo costurado com Lira para que a pauta possa tramitar sem a mesma oposição feita pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-presidente da Câmara. "Portanto, não há necessidade de pressionar o Parlamento", diz um interlocutor governista.
A não inclusão da PEC na lista de prioridades também atende a uma estratégia do Planalto: reduzir a resistência à proposta. Na Câmara, dizem que um projeto diretamente apoiado pelo presidente da República “recebe, automaticamente, 130 votos contrários”.
O Planalto sabe dessa rejeição. E optou por deixar a matéria de fora das prioridades para que a PEC não tenha o carimbo do governo e, com isso, o Congresso tenha autonomia para deliberar sobre o assunto. Uma proposta de teor semelhante, sem a chancela do governo, chegou a ser aprovada em 2015 no Parlamento – mas foi derrubada posteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas o Planalto acompanha a tramitação da proposta de perto. Bolsonaro mantém um diálogo frequente com a deputada Bia Kicis (PSL-DF), autora da PEC e sua ex-vice-líder no Congresso. Bolsonaro avisou que ela tem seu apoio para conduzir a matéria, mas que não deixará suas "digitais" no projeto.
A estratégia para aprovar a PEC do Voto Impresso
Bia Kicis é a responsável pelas articulações para fazer a PEC do Voto Impresso avançar no Congresso. E, após as eleições internas na Câmara, ela ganhou poder. Foi indicada para presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) – a mais importante da Casa.
A PEC do Voto Impresso já foi aprovada na CCJ, em dezembro de 2019. Mas a presidência da comissão dá a Bia Kicis influência na Câmara – o que pode ajudar na tramitação da proposta.
A PEC agora depende da instalação de uma Comissão Especial para retomar sua tramitação. E essa é uma atribuição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um aliado do governo.
Mas, por enquanto, o principal trabalho de Bia Kicis é quebrar resistências à proposta de volta do voto impresso. Bolsonaro desgastou a pauta ao colocar em xeque o sistema eleitoral pelo voto eletrônico. A avaliação é de que muitos parlamentares que seriam a favor da PEC acham que não é o momento de decidir nada justamente porque isso estaria sendo feito sob um clima de deslegitimização das eleições.
Bia Kicis pretende desfazer esse clima sob o argumento de que o voto impresso imprescindível para assegurar a transparência das eleições. “Não falo de fraude [nas eleições] e não quero tocar nisso [com os deputados]”, disse Bia Kicis em entrevista à Gazeta do Povo no fim de janeiro. “A urna eletrônica é boa, facilita muito. E é claro que pode haver fraudes em qualquer tipo de sistema eleitoral. Mas não é sobre isso que eu tenho abordado [nas conversas com outros deputados]. Se não, vira bate-boca. Uns falam que têm [fraude], outros que não. Então, prefiro focar na transparência das eleições”, afirmou a parlamentar.
Oposição acha que Bolsonaro desistiu da PEC para contestar derrota em 2022
Na oposição, a avaliação sobre a ausência da PEC do Voto Impresso na lista de prioridades do governo é outra. O deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), primeiro suplente da Mesa Diretora da Câmara, acredita que a pauta deixou de ser prioritária para Bolsonaro porque, sem o voto impresso, ele poderá contestar uma possível derrota nas eleições de 2022.
“Ele já deu sinais de que pretende contestar a eleição. Só que, na minha opinião, ele não teria legitimidade para isso”, diz o parlamentar. Para Bismarck, a partir do momento em que o governo deixa de apoiar a pauta, Bolsonaro perde legitimidade para contestar o pleito de 2022. “Quando ele, como chefe maior do Estado, não apresenta ou não apoia uma solução para corrigir uma eventual suspeição das urnas, que já afirmou ocorrer na última eleição, sem apresentar provas, e afirma que ocorrerá na próxima, ele perde a legitimidade para isso.”
Na CCJ da Câmara, Bismarck foi um dos 33 deputados que aprovou a PEC do Voto Impresso. O PDT apoia a auditabilidade do voto desde que Leonel Brizola, figura histórica do partido, denunciou a urna eletrônica sem o voto impresso.
Outros parlamentares têm visão distinta sobre a ausência da PEC do Voto Impresso na lista de prioridades do governo. O deputado Paulo Azi (DEM-BA), vice-líder do DEM e vice-líder do governo na Câmara, acredita que o foco deve ser a garantia da vacinação contra a Covid-19 para todos os brasileiros e a aprovação das reformas e de um novo auxílio emergencial dentro do teto de gastos.
“Eu acho que o governo agiu corretamente em não colocar essa matéria entre as prioridades do Parlamento este ano. Existem questões importantíssimas que o Legislativo precisa tratar, a começar pelas questões relacionadas à pandemia, com a vacinação em massa da população”, disse Azi. “Fora isso, tem o financiamento do novo auxílio [emergencial], como isso terá reflexo na situação fiscal do país, e a retomada das reformas tributária e administrativa.”
Azi deixou claro que “não fala pelo governo” sobre o voto impresso. Mas disse que as atuais desafios do país são tantos que o voto impresso “não tem a relevância para se tratar em um momento tão difícil”. “Em um segundo momento, talvez em 2022, é possível que se discuta isso.” Azi é outro deputado que votou a favor da PEC na CCJ.
Voto impresso em 2022 só com negociação no Congresso e com o STF
A deputada Bia Kicis entende que é possível discutir a PEC do Voto Impresso simultaneamente ao avanço da agenda econômica. “As pautas econômicas, normalmente, demandam comissões especiais e longos debates, e a gente não pode ficar parado”, disse ela anteriormente, em entrevista à Gazeta do Povo.
Mas, mesmo que a PEC seja aprovada e promulgada pelo Congresso, ainda assim não há garantia de que as urnas eletrônicas seriam substituídas em 2022 por modelos híbridos capazes de imprimir o voto. É possível que a constitucionalidade da emenda constitucional venha a ser questionada.
Em 2015, o Congresso aprovou a reforma política com a impressão do voto para auditabilidade. A previsão era de que o voto impresso junto com eletrônico estivesse em vigor nas eleições de 2018. Mas, poucos meses antes do pleito, acatando a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu liminar e suspendeu a impressão de voto.
Em setembro de 2020, o STF retomou o julgamento e, de forma conclusiva, julgou ser inconstitucional a impressão de votos. Os ministros entenderam que o voto impresso permitiria a violação do sigilo do voto já que, em experiências anteriores com a impressão das cédulas, algumas impressoras travaram na hora de depositá-las na urna física e isso exigia a intervenção do mesário – que poderia ver as escolhas do eleitor.
No entendimento da maioria dos ministros do Supremo, a intervenção humana nesse tipo de situação coloca em risco o sigilo do voto, previsto na Constituição.
Por causa desse precedente no STF, Bia Kicis sabe que a costura política para aprovar a PEC do Voto Impresso terá que ser cirúrgica, com amplo diálogo não só no Parlamento, mas também com o Supremo.