Duas decisões anunciadas pelo Congresso Nacional na quarta-feira (5) sugeriram uma espécie de "insubordinação" dos parlamentares contra o Poder Judiciário. Na Câmara, os deputados rejeitaram o afastamento do colega Wilson Santiago (PTB-PB), que havia sido determinado pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). E no Senado, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que não determinará a cassação imediata da senadora Selma Arruda (Podemos-MT) decidida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e referendada pelo próprio STF.
As circunstâncias dos dois casos são distintas. Santiago é acusado de corrupção. O Ministério Público diz que o parlamentar integrou um esquema de desvio de recursos públicos destinados a obras contra a seca no interior da Paraíba. Santiago teria sido contemplado com R$ 1,2 milhão em propina – parte da verba teria sido paga a ele no seu gabinete, em Brasília.
Já a ex-juíza Selma foi cassada por crimes eleitorais. O TSE entendeu que ela cometeu abuso de poder econômico e captação ilícita de recursos para campanha.
A ex-juíza foi eleita pelo PSL, partido ao qual estava filiado na época também o presidente Jair Bolsonaro, e era conhecida no Mato Grosso como a "Moro de Saias", em função de seu rigor, numa referência ao ex-juiz da Lava Jato e hoje ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública). A cassação de Selma foi determinada pelo TSE em dezembro de 2019 e, no mês passado, o presidente do STF, Dias Toffoli, determinou que o terceiro colocado na eleição de 2018 para o Senado em Mato Grosso assuma a vaga.
Mas Alcolumbre declarou na quarta-feira que instalará uma comissão para discutir o caso e que a decisão será da mesa diretora do Senado. O ambiente entre os senadores tem se mostrado favorável à parlamentar.
Parlamentares alegam defesa da Constituição e do processo legal
Os senadores e deputados que foram aos microfones do Congresso para defender os mandatos de Selma e Wilson Santiago alegaram que os afastamentos representariam violações às autonomias de Senado e Câmara.
A senadora foi elogiada por colegas de partido como Alvaro Dias (PR) e Lasier Martins (RS), que questionaram o que consideraram uma "velocidade excessiva" do processo de cassação na Justiça Eleitoral matogrossense.
"Nós vivemos num país que é o único do mundo, com quádruplo grau de jurisdição em benefício de marginais perigosos, criminosos que praticam crime hediondo e que acabam impunes em razão da lentidão dos procedimentos judiciais do nosso país. No entanto, nesse caso, há uma inusitada celeridade", disse Alvaro Dias.
Lasier também falou sobre os prazos do processo: "Entrou em abril e terminou em novembro. Quando nós sabemos que tem muita gente conhecida, de rabo preso, há cinco, seis anos, e o Supremo não julga". O senador gaúcho é um dos membros da mesa diretora, de onde será escolhido o relator do caso. Mas, por ser do mesmo partido de Selma, ele não poderá o selecionado para a função.
Mesmo entre adversários políticos de Selma não houve manifestações enfáticas em defesa de sua cassação, ou de críticas à conduta de Alcolumbre no caso. Um dos poucos discursos críticos veio por parte de Omar Aziz (PSD-AM), que questionou se o Senado deve seguir a decisão do TSE ou da mesa diretora. Aziz é do mesmo partido de Carlos Favaro, derrotado por Selma na eleição de 2018 e que será contemplado com a vaga no Senado caso a cassação da parlamentar seja efetivada.
Do campo ideológico oposto ao da ex-juíza, o senador Paulo Paim (PT-RS) defende a decisão de Alcolumbre: "Acho que ele está sendo muito coerente. Está adotando procedimentos que foram empregados no passado. Eu sou um democrata, e defendo que os critérios devem ser iguais para todos, inclusive para as pessoas de quem discordo".
Caso de Wilson Santiago: deputados dizem que se não posicionaram a favor do parlamentar
No caso de Wilson Santiago, a abordagem dos deputados foi a de enfatizar que a rejeição ao afastamento determinado pelo Supremo não indicaria um voto de confiança na conduta do petebista, e sim uma contestação à decisão sumária do STF, sem a consulta aos parlamentares.
"Hoje um ministro do Supremo dá uma liminar e faz o afastamento no âmbito do processo penal. Se nós avalizarmos isso e entendermos que no âmbito do processo administrativo de uma ação de improbidade administrativa cabe afastamento, qualquer juiz de primeira instância vai poder afastar deputado", afirmou Elmar Nascimento (DEM-PB), em discurso no plenário da Câmara na quarta-feira.
O deputado Gilson Marques (Novo-SC) foi um dos poucos parlamentares que discursou pelo afastamento de Santiago. Em entrevista à Gazeta do Povo, o deputado disse que a decisão da Câmara foi "uma das grandes decepções dessa legislatura". Para Marques, "existiu uma inversão nas presunções" durante o julgamento dos deputados que contribuiu para que Santiago fosse beneficiado. "Enquanto o assunto não estiver esclarecido, 210 milhões de pessoas não podem ficar prejudicadas com essa questão", declarou.
Quais são os próximos passos
Relator do processo sobre o afastamento de Wilson Santiago, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) defendeu que o caso seja encaminhado ao Conselho de Ética da Câmara – instância que, segundo ele, é a adequada para decidir sobre possíveis punições a parlamentares.
A tramitação de um processo no Conselho de Ética não costuma ter prazos céleres. É necessário que o corregedor da Câmara envie um parecer sobre o caso à mesa diretora da Casa, que posteriormente repassa o caso ao conselho de ética. No colegiado, é instaurado o processo após a designação de relator e, ao longo dos trabalhos, ouve-se a defesa do parlamentar.
"Isso precisa ser feito o quanto antes. O que não dá para aceitar é simplesmente decidir não afastar e deixar toda a população sob risco", criticou Gilson Marques.
No caso de Selma Arruda, as etapas a serem cumpridas incluem a comunicação ao plenário, reunião da mesa e escolha do relator, manifestação da defesa, voto do relator e então a tomada da decisão por parte da mesa.
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